Brasília – Enquanto dá posse ao novo ministro do Trabalho, Brizola Neto, a presidente Dilma Rousseff deve anunciar nesta quinta-feira mudanças que podem mexer com o humor do brasileiro. Ela vai apresentar o projeto que reduz o pagamento de Imposto de Renda sobre a Participação nos Lucros e Resultados (PLR), o que, na prática, deixará o bolso do trabalhador um pouco mais cheio. Além disso, poderá divulgar a medida provisória que altera as regras da caderneta de poupança. A expectativa é grande em torno dos dois projetos. A presidente, segundo integrantes do governo, não quer desperdiçar a plateia. “Não vai só tomar café com bolinho de chuva”, brincou uma fonte do alto escalão.
Nessa quarta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, passou mais de cinco horas reunido com Dilma, mas não quis comentar os temas conversados com ela ao chegar à sede do Ministério da Fazenda. A presidente chegou, inclusive, a adiar para hoje a reunião com o Conselho Político do governo apenas para ter tempo de bater o martelo sobre os projetos e apresentá-los ao Conselhão – o objetivo é conseguir a benção do Congresso e dos empresários. A equipe econômica quer apresentar a nova caderneta à população em tom de festa para evitar qualquer lembrança e comparação com o confisco promovido pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello, há 22 anos. O Palácio do Planalto quer impedir ainda que o projeto se torne munição para os partidos opositores na eleição municipal deste ano. A mudança na poupança, disse uma fonte do governo, visa preparar o terreno para novas reduções na taxa básica de juros, a Selic.
Rentabilidade
Segundo um ex-presidente do Banco Central que prefere permanecer anônimo, antes de tomar alguma medida mais polêmica o governo deveria usar o que está à disposição. Uma das ferramentas é levar ao menor percentual possível a Taxa Referencial (TR), que incrementa a rentabilidade da poupança em quase 1% ao ano. De acordo com esse economista, a estratégia já foi usada anteriormente, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Como a TR é formada pela taxa média mensal dos certificados de depósitos bancários (CDB) de 30 instituições selecionadas, eles podem escolher as financeiras que praticam as menores taxas para obter um resultado bem inferior ao praticado atualmente. A própria queda da Selic também promoverá uma redução natural da TR. Uma fonte da Fazenda confirmou que não haverá “nada muito criativo além do que já foi feito no passado”.
Na visão de especialistas, porém, essa mudança sutil daria apenas um fôlego momentâneo. “É necessário mudar a rentabilidade fixa da poupança. Ela limita a atuação do BC”, explicou a economista e consultora particular Zeina Latif. O Decreto nº 2.723, de 12 de janeiro de 1861, que criou a Caixa, estabelece, porém, remuneração fixa de 6% ao ano, ou 0,5% ao mês, nas cadernetas. O governo, antes de mudar a forma da poupança, vai ainda pressionar os bancos e gestores de fundos de renda fixa a reduzir suas taxas de administração. Atualmente, quase metade desses fundos perde para a poupança devido aos custos elevados. Para o economista-chefe de Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, a melhor opção seria a mais simples, como a proposta que tem sido discutida de atrelar o rendimento da caderneta a 80% da Selic. “Uma mudança é bem-vinda. Nesse contexto, seria um bom movimento do governo. Atrelar o rendimento à Selic é uma boa alternativa.”
Debate “Mexer na poupança é uma questão espinhosa para o governo. Mas agora existem razões objetivas para encerrar essa discussão”, argumentou o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro. Ele lembra que hoje a taxa básica de juros (Selic), em 9% ao ano, leva a um juro real de quase 4%, descontada a inflação. “Ela é baixa, mas é razoável e depois do ciclo de redução espera-se que essas medidas surtam efeito no segundo semestre”, comentou.
A presidente Dilma tem um prazo para decidir se vai mexer na poupança: até a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, em 29 e 30 de maio. Até lá, ela tem tempo para alinhavar os planos para a poupança. É um desafio de alto risco, mas o discurso de um país entrando no mundo civilizado dos juros está pronto e Dilma ensaia usá-lo hoje, com o apoio de empresários e trabalhadores.
Mudança de hábito para investidor
Para garantir rendimentos significativos em suas aplicações financeiras, os brasileiros serão obrigados a partir para investimentos de risco, como é o caso do mercado de capitais. Com a redução dos juros básicos da economia no país (taxa Selic), que caíram de 13,75% ao ano em 2008 para 9% em abril de 2012, os ganhos dos investidores na renda fixa também desceram morro abaixo. Hoje, a aplicação de recursos em fundos de investimento atrelados aos títulos do governo garante renda bruta média entre 8,7% e 9% ao ano, sem contar a inflação, o Imposto de Renda e a taxa de administração cobrada pelos bancos. O rendimento líquido médio é de 2,5%.
No CDB, a situação não é muito diferente. Papéis atrelados aos títulos públicos têm renda bruta média de 9,01% e renda real anual de 2%. O levantamento foi feito pelo consultor de finanças Paulo Vieira, a pedido do Estado de Minas. Ele lembra que as correções de aplicações como fundos de investimentos e CDBs são diferentes entre si, pois dependem do banco, do perfil dos investidores e do valor da aplicação financeira.
“Cada um desses fundos tem praticamente uma digital, com características muito próprias”, explica. A caderneta de poupança, por sua vez, é corrigida em 6,17% mais TR, o que significa rendimento bruto anual de 7% ou 0,5% líquido, levando em conta uma inflação de 6,5%, teto da meta do Banco Central (BC). Com a inflação a 4,5%, o ganho salta para 2,5% e supera o rendimento dos fundos. Segundo Vieira, com a proximidade entre os ganhos reais da renda fixa no país com a caderneta de poupança, aplicar recursos em títulos de investimentos só será vantajoso caso a taxa de administração seja inferior a 1,5%.
Vínculo Para Alcides Leite, professor de economia da escola de negócios Trevisan, o governo deverá vincular o rendimento da poupança à Selic. Do contrário, será impossível continuar baixando as taxas de juros. “Se os juros não baixarem, pode haver uma crise de confiança no mercado, mas o governo terá que explicar muito bem aos poupadores o motivo dessas mudanças”. Na visão dele, já não há sentido para a remuneração fixa da poupança. “As soluções terão de ser proporcionais à taxa de juro básica do país.”