As empresas brasileiras do ramo do varejo de eletrodomésticos e eletroeletrônicos, financeiras e bancos de montadoras, corretoras de valores, além dos próprios bancos, terão que se adaptar à nova realidade de mercado no Brasil para não perderem lucratividade. Os instrumentos para isso vão desde o lançamento de novas formas de investimento, mais arriscadas e, por isso mesmo, mais lucrativas, no caso das corretoras, até o aumento dos preços dos produtos, como é o caso das revendas de automóvel. A estimativa da pesquisa Focus, do Banco Central, mostra que a expectativa do mercado sobre os principais indicadores econômicos do país é de corte de 0,50 ponto percentual na Selic, o que levaria a taxa básica de juros a 8,50% ao ano. Mas esse movimento não deve parar por aí.
André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimento, avalia que a projeção de 8,5% ao ano ainda é tímida para o apetite do mercado, mas explica que a maior preocupação com a retração na taxa é o reaparecimento da inflação à frente. Ele lembra que no Brasil o governo arrecadou muito com juros, mas também sempre “devolveu” aos empresários na mesma moeda. “Agora, com os juros caindo, toda a sociedade terá de se readequar, porque esse tipo de repasse perdeu o sentido. As fábricas de automóveis ganhavam muito no financiamento dos produtos e esses ganhos serão reduzidos”, observa Perfeito. L. F. A., gerente comercial de uma revenda de automóveis em Belo Horizonte que não quis se identificar, explica que uma das alternativas para manter os ganhos será aumentar os preços dos veículos a partir de junho. “Em maio os preços serão mantidos, mas junho é outro mês e outro estudo”, avisa.
No ano passado, o crédito para aquisição de veículos para pessoas físicas foi de 4,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, representando 9,9% do total de crédito do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e 30,8% do total destinado às pessoas físicas, num volume de R$ 200,6 bilhões. Os dados são da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef). Entre as empresas ligadas ao varejo que lucram com financiamento, o peso dos juros no faturamento e nos lucros é praticamente uma caixa-preta. “Essa informação não é muito divulgada”, reconhece o gerente da concessionária de veículos ouvido pelo Estado de Minas.
Alteração nas aplicações
A mudança da realidade dos juros no Brasil também está fazendo as corretoras de valores modificarem o mix de produtos que oferecem aos clientes. Na Gradual Investimento, a área de asset management (gestão de recursos de terceiros) já está oferecendo novos produtos direcionados aos investidores mais ousados. “Ajudamos a planejar a aposentadoria e estamos fornecendo uma série de serviços para dar mais suporte aos clientes. Quem não implementar mudanças não vai sobreviver”, diz André Perfeito. De acordo com ele, empresários de outros segmentos estão na mesma situação.
"Eles terão que criar mais eficiência.” É o caso do setor varejista do país, no qual o grande negócio deixou de ser a venda dos eletrodomésticos. “A venda desses produtos virou quase uma desculpa para o segmento ganhar dinheiro com juros”, sustenta o economista. Para Lúcio Costa, dono da Suggar, as redes varejistas são menos comerciantes do que financeiras. “Nas letras pequenas dos anúncios você vê que os juros são de 4,8% e 6,4% ao mês, mas os brasileiros estão mais preocupados se a prestação vai caber no bolso do que com quanto estão gastando com juros.”
Taxa pode voltar a subir
Apesar de reduzirem a previsão da taxa básica de juros para 2012, os analistas do mercado financeiro ouvidos pelo boletim Focus, divulgado ontem pelo Banco Central, mantiveram a aposta de que a Selic subirá a 10% no fim do ano que vem. Para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a projeção foi mantida em 5,12% neste ano. Para 2013, a expectativa foi elevada pela segunda semana consecutiva, saindo de 5,50% para 5,53%. Já os analistas do top 5 – o grupo que mais acerta as previsões – acreditam que a Selic cairá em 2012 e em 2013. A mediana de suas previsões de médio prazo caiu de 9% para 8,50% neste ano, e de 9% para 8,75% em 2013. Esse mesmo grupo vê um IPCA em 5,03% em 2012. Na semana passada, eram 4,99%. Para 2013, a expectativa de inflação foi mantida em 5,40% pela terceira semana consecutiva.
“A elevação da expectativa do mercado para a queda dos juros se dá pela vontade do governo de reduzir essa taxa e pela atividade econômica no Brasil. Mas esperamos uma alta de preços decorrente do fato de que boa parte dos produtos que são financiados eram usados para vender juros. O consumidor comprava um contrato e levava para casa uma geladeira ou um automóvel. Com a redução dos juros, os preços ao consumidor devem ser corrigidos porque as empresas vão perder ganhos”, diz Miguel Daoud, sócio-diretor da Global Financial Advisor.
A previsão do relatório Focus mostra que os analistas se dobraram à estratégia da equipe econômica do governo, muito criticada entre agosto e setembro de 2011, quando o BC resolveu baixar a Selic mesmo com a inflação em alta. “O governo está aproveitando a mudança do cenário internacional e importando deflação. A redução da Selic está sendo permitida pela conjuntura”, acredita Daoud.
O problema, segundo ele, é que, se o governo não fizer mudanças estruturais como a redução de impostos e melhoria da infraestrututa do país, o processo inflacionário pode voltar. Alcides Leite, professor da Trevisan Escola de Negócios, por outro lado, aposta num espaço ainda maior para a redução dos juros. “Acredito na possibilidade de controlar o aumento dos preços”, diz. (ZF)