(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Perder tempo com queixa deveria gerar indenização

Especialista em relações de consumo defende que minutos gastos para resolver problemas sejam considerados como um tipo de dano diferenciado. Indenizações teriam que prever esses prejuízos


postado em 14/05/2012 06:35

Joyce dos Santos queria dar um celular de presente para o namorado: constrangimento e amolação(foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Joyce dos Santos queria dar um celular de presente para o namorado: constrangimento e amolação (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)

Trabalhar, estudar ou descansar um pouco. O que você faz do seu tempo? Às vezes sente que os projetos são muitos para um dia curto? Quando a demanda é maior que a oferta, o tempo da vida se torna mais raro e mais caro. Duro é ter de gastar esse bem precioso na fila do banco, desperdiçá-lo ouvindo músicas intermináveis no call center do fornecedor ou gastá-lo em telefonemas diários com a mesma história para atendentes de telemarketing. Tudo para receber o produto pago à vista que nunca foi entregue ou para cancelar um serviço que não interessa mais. O advogado e consultor em relações de consumo Marcos Dessaune acredita que passou da hora dos tribunais, legisladores, fornecedores e organizações de defesa do consumidor valorizarem o tempo perdido.

Autor do livro Desvio produtivo do consumidor, lançado pela editora RT, Dessaune defende que a perda de tempo deve ser entendida como um novo tipo de dano ao consumidor, diferente do material ou moral. O autor cria um conceito no qual define o tempo perdido como um desvio produtivo, um dano que não é moral e nem material, mas um prejuízo que deve ser levado em conta nas indenizações. “O consumidor sofre o desvio produtivo quando ele perde o seu tempo para solucionar demandas referentes aos serviços mal prestados, produtos defeituosos ou práticas abusivas, como ocorre quando tem que cancelar um cartão de crédito que não solicitou”, explica.

Das filas de banco aos 30 minutos diários gastos ao telefone, são exemplos de desvios das atividades produtivas. “O tempo é finito, irrecuperável e inacumulável. Quando o consumidor se vê diante de um serviço mal prestado, ele é obrigado a desperdiçar um bem valioso”, diz o autor. “Estamos aqui diante de um novo e relevante dano, que não é material e nem moral, mas é um dano temporal”, defende Dessaune.

Mesmo sem ter lido a tese do desvio produtivo, o projetista Robson Simão de Souza se viu como exemplo vivo da doutrina jurídica. Em 25 de novembro do ano passado ele usou o seu décimo terceiro salário para comprar um fogão com pagamento à vista. O eletrodoméstico lhe custou R$ 570, mas até hoje, seis meses depois da compra, Robson ainda faz suas refeições em lanchonetes e restaurantes. Em casa não consegue tomar nem o café. “Não posso comprar outro fogão porque estou na expectativa de receber a mercadoria a qualquer momento.” Mas o desgate não foi só este. O consumidor se sentiu enganado e até afrontado pela rede de varejo na qual comprou o produto.

Desde novembro o projetista perde tempo ao telefone e também gastou horas do seu dia escrevendo e enviando e-mails que colecionou em uma pasta. “Primeiro eles disseram que o produto não estava disponível no estoque, depois marcaram várias vezes a data de entrega, que nunca foi cumprida.” Em uma conta rápida, ele calcula que durante mais de três meses uma parte do seu tempo foi dedicado a tentar resolver o problema com o fabricante. “Comprei, paguei e não recebi o fogão.” A demanda foi parar no Juizado Especial de Relações de Consumo e o projetista agora espera pela decisão da Justiça.

Na opinião do juiz coordenador dos Juizados Especiais de Belo Horizonte, Vicente de Oliveira Silva, a tendência é de que o direito evolua no sentido de reconhecer que modernamente o tempo é um valor. Ele aponta no entanto que o teor subjetivo da causa dificulta a medida do dano. Segundo o magistrado, o que ocorre hoje é a avaliação ser levada em conta dentro do conceito do dano moral. “O judiciário já tem reconhecido que o tempo perdido não é apenas um mero aborrecimento.” O coordenador dos juizados de Minas explica que muitas vezes as indenizações que podem ter efeito educativo esbarram na questão da punição, ligada ao direito criminal. Uma alternativa é quando as multas não são direcionadas ao consumidor, mas aos fundos e órgãos de defesa que trabalham para melhorar as relações do mercado.
Robson de Souza comprou um fogão em novembro e ainda não o recebeu. Teve que recorrer ao juizado
Robson de Souza comprou um fogão em novembro e ainda não o recebeu. Teve que recorrer ao juizado

Para presentear o namorado, a técnica em segurança do trabalho Joyce Rodrigues dos Santos comprou um celular no valor de R$ 550. O produto chegou dois meses depois. “No dia do aniversário não tinha o presente. Além de perder tempo ligando para empresa, tive que passar por esse constrangimento de não ter o presente.” A consumidora afirma que passou 15 dias telefonando e enviando e-mails para o site de compras sem qualquer retorno. Na Justiça ela pede indenização por danos morais.

“Vivemos em um mundo onde as pessoas têm menos tempo do que gostariam. A missão dos fornecedores é – ou deveria ser – dar ao consumidor, por intermédio de produtos e serviços de qualidade, condições para que ele possa empregar seu tempo e suas competências nas atividades de sua preferência”, diz Dessaune. Sua expectativa é de que a tese encontre respaldo não só do judiciário mas dos legisladores, que com a estipulação de multas com valores mais altos do que os existentes funcione como medida educativa para o setor.

O que diz o código

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

1– condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
2 – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
3 – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
4 – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
5 - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.

Fonte: Código de Defesa do Consumidor


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)