Brasília – O cenário de forte aversão ao risco nos mercados, diante da incapacidade da Grécia de formar um novo governo e a chance cada vez mais concreta de saída do país da Zona do Euro, aliado a um movimento de especulação, com investidores testando patamares mais elevados do dólar, fez a moeda norte-americana fechar com alta de quase 2% nessa segunda-feira. No fim do pregão, a alta perdeu força e o dólar comercial encerrou o pregão cotado a R$ 1,987, com elevação de 1,79%. O valor é o maior desde 10 de julho de 2009. Já o dólar turismo fechou a R$ 2,13 para venda, com valorização de 2,89%. Na Bovespa, as ações despencaram 3,21%, com o Ibovespa caindo para 57.539,61 pontos, o menor patamar desde 29 de dezembro, quando encerrou a 56.754 pontos.
O temor dos investidores é que a eventual saída da Grécia da Zona do Euro engatilhe um contágio financeiro capaz de aprofundar ainda mais a onda de aversão ao risco já vista nos mercados globais. De acordo com cálculos da Bloomberg, o real foi a moeda que mais se desvalorizou frente ao dólar nessa segunda-feira, num grupo de 16 moedas acompanhadas pela agência.
“O mercado foi testar os R$ 2, parece que houve alguma especulação. O dólar subiu bem na hora do almoço, em um horário vazio, e depois desceu rápido”, disse o operador de câmbio da B&T Corretora de Câmbio, Marcos Trabbold. O patamar de R$ 2 é considerado ideal por integrantes da equipe econômica da presidente Dilma Rousseff para promover as exportações brasileiras, que perderam competitividade diante da enxurrada de dinheiro dos Estados Unidos, Europa e Japão numa tentativa de estimular consumo interno.
Já a compra da divisa americana tem a ver com movimento preventivo em todo o mundo, uma vez que os títulos europeus e o próprio euro estão sob o impacto de uma crise que parece não ter fim. No fim de semana fracassaram as tentativas de formação de uma coalizão para governar a Grécia, o que levou o Banco Central Europeu a falar, abertamente, sobre a possibilidade de saída do país da Zona do Euro. Nessa segunda-feira, os ministros das Finanças dos países da região ser reuniram em Bruxelas, mas segundo o chefe do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker não trataram da situação grega. Para ele, a Grécia deveria permanecer na Zona do Euro, mas sem que o país relaxe as reformas acertadas para o seu resgate financeiro. “Não queremos que a Grécia deixe o euro, ao contrário. Estamos fazendo de tudo para dar suporte à Grécia”, disse a porta-voz da Comissão Europeia, Pia Ahrenkilde Hansen.
Desde o que o dólar atingiu R$ 1,90, há 10 dias, o Banco Central (BC) não atuou mais comprando dólares no mercado à vista. Por isso, também o mercado quis testar até que patamar a autoridade monetária irá aceitar a cotação sem fazer leilões de compra.
Bolsas despencam
E caminho contrário ao do dólar, bolsa brasileira atuou nessa segunda-feira em sintonia com as bolsas da própria Europa, Ásia e Estados Unidos, todas movidas pela inesperada retração de 0,3% na produção industrial dos 17 países da Zona do Euro em março em relação a fevereiro. Os dados da agência de estatísticas Eurostat evidenciam que a recessão na região pode ser mais grave e prolongada do que acreditavam analistas.
A presidente Dilma Rousseff não ficou indiferente ao cenário internacional. Disse nessa segunda-feira , durante cerimônia no Palácio do Planalto, que “mais uma vez, volta a crise da Zona do Euro (a tomar conta do noticiário) e vários fantasmas que pareciam afastados pelas expansões monetárias bastante significativas, os dinheiros colocados nos bancos pelo mundo afora, todo esse processo começa a ser questionado politicamente. Não só pelo o que aconteceu na França, pelo o que aconteceu na Grécia e pelo o que aconteceu naquele estado alemão, que é um dos estados mais ricos da Alemanha que é a Renânia do Norte, Westfalia…”. A presidente se referia à derrota da primeira-ministra Angela Merkel, defensora das medidas de austeridade, nas urnas.
O cenário levou o índice FTSEurofirst 300, que reúne as principais ações europeias, a fechar em queda de 1,79%, aos 1.004 pontos, puxando Londres (-1,97%), Frankfurt (-1,94%), Paris (-2,29%), Milão (-2,74%), Madri (-2,66%) e Lisboa (-1,94%). Na Ásia, a queda também foi generalizada e, nos Estados Unidos, o Dow Jones, principal índice, recuou 0,98%.
Valorização é bem recebida
Com o dólar perto de romper a barreira dos R$ 2, o governo procurou mostrar tranquilidade e os empresários cautela. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi rápido na resposta aos mercados. Fez elogios à alta da moeda norte-americana. “O dólar alto beneficia a economia brasileira porque dá mais competitividade aos produtos brasileiros. Eles podem competir melhor com os importados que ficam mais caros e a indústria brasileira pode exportar mais barato. Portanto, não preocupa”, disse, logo ao chegar ao seu gabinete na Esplanada dos Ministérios.
Mantega também voltou a descartar qualquer trava do governo para a cotação da moeda norte-americana. “O governo nunca estabeleceu nenhum parâmetro para o dólar e não vai estabelecer. O dólar é flutuante. Portanto, ele vai flutuar de acordo com o mercado”, afirmou. Questionado sobre se a Fazenda irá retirar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre derivativos (contratos futuros), já que o patamar do dólar atingiu um nível que não preocupa o governo, Mantega evitou o tema. No mercado, havia apostar de que o governo poderia retirar o tributo.
Já para os empresários, o dólar precisaria chegar a, pelo menos, R$ 2,20 para dar competitividade à exportação de produtos manufaturados brasileiros, conforme cálculo do presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade.
“Quando a gente olha lá atrás, compara o dólar e reajusta a moeda com a inflação, esse dólar hoje deveria estar a R$ 2,40”, disse, durante o 14ª Fórum Nacional, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Robson Andrade ressaltou que a balança comercial brasileira teve um déficit de US$ 90 bilhões em produtos manufaturados em 2011 por causa da valorização do real e agora a alta do dólar pode recriar condições para investimentos. “Setores da indústria estavam perdendo muitos empregos e investimentos”, lembra.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, que participou do mesmo evento, também situou em R$ 2,20 a relação cambial de equilíbrio entre dólar e real, para garantir ganhos de competitividade à indústria local. “A gente gostaria muito que chegasse lá e parasse por aí”, disse Castro que, no entanto, não parece otimista com a possibilidade. Para ele, é possível que o dólar volte ao patamar de R$ 1,80. (RH com agências)