A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), recomendou ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e à Caixa Econômica Federal a observância do direito das famílias do Bairro Vera Cruz à regularização jurídica de seus imóveis.
Cerca de 300 famílias ocupam, há mais de 50 anos, 74 lotes localizados no Bairro Vera Cruz, região norte da capital mineira. O INSS é o proprietário dos terrenos, mas, ao longo de cinco décadas, jamais contestou a posse dos ocupantes, que ali construíram suas casas e criaram suas famílias. Alguns deles informaram ao MPF que seus pais receberam do INSS o terreno para moradia sob a promessa de futura regularização, o que nunca veio a ocorrer.
As famílias, todas de baixa e média renda, estão agora sob a ameaça de perderem o que conseguiram construir, caso não adquiram o terreno onde ergueram suas residências. Há cerca de dois anos, o INSS franqueou aos ocupantes dos imóveis a celebração de contratos para aquisição das propriedades, mediante a participação da Caixa Econômica Federal, que disponibilizou um contrato de financiamento padrão.
“O problema é que as condições impostas pelo INSS e pela Caixa violam direitos assegurados pela Constituição e pela legislação específica, impondo condições extremamente onerosas e desfavoráveis aos moradores”, afirma a procuradora regional dos Direitos do Cidadão, Silmara Goulart.
Ela explica que em função do longo prazo que estão no local, algumas famílias fazem jus ao direito concedido pela Medida Provisória 2220/2001, que é o de permanecerem no bem público sem que sejam obrigadas a adquiri-lo, caso preenchidos os requisitos legais. "Os demais devem, de acordo com a Lei nº 9.702/98, efetuar a compra do imóvel. No entanto, não podem ser pressionados a assinar contratos com cláusulas abusivas", diz.
Ironia
O MPF aponta como exemplo dessa abusividade a capitalização mensal de juros, prática inclusive vedada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da Súmula 121. “Além da incidência de juros sobre juros, o acréscimo de valores correspondentes ao recálculo da prestação a cada período de três meses e do prêmio mensal de seguro, entre outros índices, eleva as parcelas a patamares insuportáveis, dissociados de qualquer equivalência com a renda das famílias”, afirma Silmara Goulart.
Segundo a procuradora, "a situação fica ainda mais escandalosa quando se trata de imóveis ocupados por idosos. Nesse caso, a exigência do pagamento de seguro mensal por invalidez ou morte onera a prestação em mais de 70%, inviabilizando por completo a celebração do contrato. O irônico é que justamente essas pessoas são as que viveram por mais tempo no local, onde empregaram seus esforços e os poucos recursos que adquiriram ao longo da vida".
Para o Ministério Público Federal, a alienação dos imóveis não pode ter a finalidade de garantir lucro financeiro ao INSS e à Caixa, mas sim o objetivo de regularizar juridicamente uma situação que vigora há mais de cinquenta anos. “A maioria dos moradores não se opõe a realizar o pagamento do terreno. Acontece que o Poder Público vem exigindo, por desconhecer completamente a legislação vigente, o pagamento de prestações exorbitantes para essas famílias continuarem no local. É mais um caso de ameaça de despejo forçado e de perda da moradia em Belo Horizonte", afirma a PRDC.
Ela sustenta que a demanda dos moradores do Bairro Vera Cruz tem caráter não apenas social, mas legal. “A legislação lhes assegura a regularização jurídica de seus imóveis, por meio da concessão de uso especial para fins de moradia ou alienação dos imóveis em condições especiais. O INSS não pode continuar agindo como se os princípios da função social da propriedade e do direito à moradia não tivessem status constitucional".
Âmbito nacional - Segundo o MPF, o INSS vem adotando entendimentos equivocados nesse assunto em âmbito nacional. Por isso, recomendou que a autarquia reconheça a aplicabilidade da concessão de uso especial para fins de moradia nos casos que atendam às exigências da MP 2220/2001 e que altere, juntamente com a CEF, as regras dos contratos de financiamento, de forma a assegurar a adequação das parcelas à capacidade financeira das famílias. “Na prática, deve ser amplamente respeitado o direito dos moradores à regularização da situação dominial dos imóveis que ocupam, o que infelizmente não vem acontecendo”, afirma Silmara Goulart.
Foi recomendado ainda que o INSS reabra as negociações com os moradores e que suspenda as que tenham se iniciado com a Caixa Econômica Federal, mesmo se já houver ocorrido pagamento do sinal de entrada.