A fraca atividade econômica do país levou a taxa de juros básicos da economia a cair de 9% para 8,5% ao ano, o menor patamar já registrado em toda a série histórica do Banco Central (BC), que começou em 1986. A redução aciona a mudança na remuneração da caderneta de poupança, cujos rendimentos deixam de ser corrigidos a uma taxa fixa de 6,17% ao ano mais Taxa Referencial (TR) e passam a ser ajustados em 70% da Selic quando a taxa anual estiver em 8,5% ou menos, mais TR. Esta também é a primeira vez desde 1861, quando a aplicação foi criada, que a mais tradicional forma de poupar dinheiro no país passará a render menos de 6% ao ano.
O BC também iniciou ontem a divulgação dos votos dos diretores do Comitê de Política Monetária (Copom). Os nomes dos seis diretores da instituição e do presidente Alexandre Tombini foram incluídos no documento divulgado depois da decisão unânime de baixar a Selic em 0,5 ponto percentual. A mudança busca adequar o comitê à Lei de Acesso a Informações Públicas, que entrou em vigor em 16 de maio. Antes, o BC divulgava somente o resultado da votação, sem detalhar o voto de cada membro.
A alteração nas regras da poupança foi necessária porque a remuneração da caderneta estava ficando mais atrativa do que a dos fundos de investimento, que funcionam como lastro para o governo rolar a dívida interna do país e promover investimentos como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O risco que se corria era que os depósitos nesses fundos, que somam R$ 1,84 trilhão, migrassem para a poupança, impedindo o país de se refinanciar. O dinheiro depositado na poupança só pode ser usado para o financiamento da casa própria e da agricultura. De agosto do ano passado até agora, a taxa básica de juros já caiu 4 pontos percentuais.
“A expectativa era de redução de 0,5 ponto percentual na Selic, mas não me assustaria se a queda fosse ainda maior porque, diante da atividade (econômica) muito fraca, podia se esperar tudo”, diz Miguel Daoud, consultor da Global Financial Advisor. Para ele, o que se percebe é que a economia mesmo daqui a algum tempo não vai responder aos cortes de juros. “A confiança dos empresários não anda bem e a taxa de juros para os mortais, que inclui spread, continua no patamar de 30% a 40% ao ano”, lembra. Ainda impactada pela incerteza global, a economia brasileira continua aquecida em setores específicos como o de serviços e construção civil, mas o setor industrial sofre com a menor demanda internacional pelos seus produtos, comenta Claudio Shikida, coordenador do núcleo de estudo de política monetária da escola Ibmec de administração e negócios.
Felipe Queiroz, analista da Austin Rating, já esperava a queda da Selic para 8,5% ao ano e acredita que na próxima reunião do Copom, em 45 dias, a taxa baixará para 8% e assim permanecerá até o fim do ano. Ele justifica sua expectativa com números. O índice de atividade medido pelo BC, o IBC-Br, caiu 1,1% no acumulado dos últimos 12 meses contados desde março de 2012, o que mostra que a economia caminha num ritmo bastante fraco. “O comércio ainda está aquecido, estimulado pelas taxas de desemprego em baixo patamar, ampliação da renda real e medidas de estímulo ao consumo. Mas o dólar desvalorizado prejudicou muito porque aumentou importações e isso desestimulou a indústria”, explica.
Nova redução Nesse contexto, a mudança na poupança aparece como condição para que as taxas continuem a cair, impulsionando a economia. Queiroz lembra que depois do real o Brasil vem atravessando um processo contínuo de avanços econômicos e isso exige taxas de juros menores. “Os juros são um balizador para o nível de risco de um país. Nós ainda temos bastante risco, mas ele está entrando num novo patamar porque o país tem mudado de postura no cenário global. Então a alteração da poupança abre espaço para quedas maiores da Selic.”
O setor de comércio e serviços comemorou a decisão do BC. Para o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Bruno Falci, as medidas adotadas pelo governo desde abril – corte dos juros, ampliação do limite de crédito nos bancos públicos, estimulou a queda nos bancos privados e o novo sistema de rendimento da poupança – são extremamente positivas para a economia brasileira. “Com juros mais baixos, o risco de maior endividamento diminui e os consumidores podem conseguir administrar as dívidas. Sabemos que quanto mais baixas as taxas de juros melhor para a economia. Esperamos que o BC continue o ciclo de corte na taxa de juros na próxima reunião do Copom.”
Taxa real recua para 2,8%
Com a taxa básica em 8,5% ao ano, o Brasil passou a ter juros reais, depois do abatimento da inflação prevista para os próximos 12 meses, de 2,8% ao ano, segundo levantamento do economista Jason Vieira, da corretora Cruzeiro do Sul, em parceria com Thiago Davino, analista de mercado da Weisul Agrícola. Assim, a taxa real de juros brasileira ficou perto da meta da presidente Dilma Rousseff, de 2% ao ano, patamar que também é mais próximo da média internacional. A taxa real de juros de 40 países pesquisados pelos economistas está negativa em 0,5% ao ano.
“Com uma elevação em algumas projeções de inflação e diversos cortes de juros, inclusive do Brasil, o país ocupa agora e em todos os cenários o terceiro lugar do ranking como o melhor pagador de juros reais do mundo”, informa Jason Vieira em seu estudo. Segundo ele, o primeiro lugar no ranking é ocupado pela Rússia (4,3% ao ano), seguida pela China (3,1% ao ano).
Ao fim da reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom), explicou que considera que, neste momento, permanecem limitados os riscos para a trajetória da inflação. O comitê nota ainda que, até agora, dada a fragilidade da economia global, a contribuição do setor externo tem sido desinflacionária. Diante disso, dando seguimento ao processo de ajuste das condições monetárias, a autoridade monetária decidiu reduzir a taxa Selic para 8,5% ao ano, sem viés de alta ou de baixa.
A decisão agradou a indústria, que vem perdendo espaço no crescimento da economia. Em nota, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) considerou acertada a decisão do Copom, que “barateia o crédito e, em consequência, contribui para a retomada dos investimentos e o reaquecimento da demanda interna”. A decisão do Banco Central confirmou a expectativa da maior parte dos economistas do mercado financeiro. A previsão dos analistas dos bancos é de que o Copom promova um novo corte dos juros em sua reunião de 10 e 11 de julho, desta vez para 8% ao ano – patamar no qual a taxa terminaria 2012. O mercado também estima, até o momento, que os juros voltarão a subir a partir de abril do próximo ano para conter pressões inflacionárias.
Calibragem Pelo sistema de metas de inflação, que vigora no Brasil, o BC tem de calibrar os juros para atingir as metas pré-estabelecidas, tendo por base o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Para 2012 e 2013, a meta central de inflação é de 4,5%, com um intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. Desse modo, o IPCA pode ficar entre 2,5% e 6,5% sem que a meta seja formalmente descumprida. O BC busca trazer a inflação para o centro da meta de 4,5% neste ano, visto que, em 2011, a inflação ficou em 6,5% – no teto do sistema de metas.
Na poupança, as novas regras para a caderneta de poupança, que representam perda de rendimento, não desestimularam os investidores. Muito pelo contrário. Números divulgados do BC mostram que a captação da "nova" poupança, que registra as aplicações feitas de 4 de maio em diante, mais do que dobrou em comparação com os primeiros meses deste ano.