A escassez de mão de obra especializada em diferentes ramos da indústria – da fabricação de componentes eletrônicos aos automóveis – e a corrida das empresas de quase todos os setores da atividade econômica atrás de candidatos a emprego mudam o perfil tradicionalmente masculino das turmas dos cursos técnicos profissionalizantes. De público raro nos laboratórios e oficinas das escolas há cerca de três anos, as alunas respondem agora por mais de 44% das matrículas efetivadas pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de Minas Gerais. O Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet/MG) recebeu nas salas de aula de eletrotécnica mais de um terço de jovens ansiosas por chegar ao chão de fábrica. Na eletrônica, elas somam 12% da plateia, e na complexa área de mecânica, o grupo feminino engrossou de duas para sete participantes.
A procura crescente por formação profissionalizante pelas mulheres é observada também nas unidades do Serviço Nacional de Aprendizaqem Comercial (Senac Minas), que atendeu 75,3 mil alunos de janeiro a abril, dos quais elas representam 69,5%. Nas aulas do segundo curso de aprendizagem industrial em que se matriculou, Jade Mariana Cândido, de 18 anos, é exemplo dessa busca determinada. Ela ainda costuma provocar reações de surpresa dos colegas, ao sujar as mãos de graxa e manusear com decisão as peças dos carros estudados pela turma. “Quero começar a trabalhar neste ano e penso numa montadora como oportunidade de exercer uma profissão. Essa área tem futuro”, afirma.
O alto índice de aproveitamento dos alunos pelas empresas que buscam indicações no Senai-MG para contratações, de acordo com a instituição, mostra que Jade Cândido pode alimentar esperanças de uma entrada bem-sucedida no mercado de trabalho. “Até mesmo por conta da escassez de mão de obra masculina, muitas empresas passaram a ver nas mulheres uma espécie de tábua de salvação. E elas corresponderam, mostrando eficiência, capricho no desempenho das tarefas, e uma preocupação em elevar a escolaridade, que os homens não têm”, afirma Edmar Alcântara, gerente de Educação Profissional do Senai-MG.
A virada na política de contratações das indústrias fez com que áreas reservadas aos homens passassem, cinco anos atrás, a contratar a mão de obra feminina, a exemplo da usinagem e tornearia. Nos últimos dois processos seletivos do Senai-MG, realizados a cada semestre, a procura das mulheres cresceu 5% nos cursos que eram típicos de desejo dos homens: instalação e manutenção de microcomputadores e redes locais, instalação elétrica industrial, instalação elétrica predial, manutenção elétrica industrial, manutenção mecânica industrial, soldagem e usinagem mecânica. Ao todo, uma grade de 36 segmentos de formação profissional antes considerada exclusivamente masculina, hoje recebe matrículas regulares de mulheres.
A falta de trabalhadores qualificados se agravou a ponto de a indústria ter de derrubar a exigência de gênero nas contratações, avalia Anselmo Paulo Pires, coordenador do curso técnico de mecânica do Cefet/MG. “É algo que não importa mais. Nem mesmo faz parte dos pedidos de indicação de estagiários que as empresas nos enviam. A escassez de mão de obra impacta de uma forma geral, independente do gênero”, afirma. A instituição matriculou, neste ano, 29 alunas na área de formação em eletrotécnica, o que representa 35,3% da turma, mostrando um crescimento de 16% na comparação com 2010.
No Centro Automotivo do Senai-MG, instalado no Bairro do Horto, Região Leste de Belo Horizonte, a contratação da instrutora Nathália Rocha Maia, de 23 anos, demonstra como a nova realidade das contratações nas empresas se reflete na formação técnica. “O próprio mercado de trabalho derrubou o preconceito contra a mulher especializada na área de mecânica. O argumento de que o mecânico precisa de força não vale mais. Isso só ocorre se ele errar no uso da ferramenta ou no procedimento para realizar uma tarefa”, diz Nathália, ex-aluna que se destacou e retornou à sala de aula para ensinar as lições aprendidas.
Daqui para futuro
Desenvolvimento reduz restrições
O desenvolvimento da tecnologia foi responsável de reduzir ou eliminar antigas restrições à atuação das mulheres nas linhas de produção da indústria e na construção civil, como a resistência ao peso das máquinas e o esforço físico antes exagerado em algumas funções. Essa é uma explicações para a demanda crescente das alunas nas escolas pela formação técnica em ramos da atividade econômica que usam equipamentos pesados. Os comandos estão cada vez mais automatizados, outro fator que dá impulso às trabalhadoras, por exigir um grau maior de escolaridade de quem vai operar essas máquinas. São motivos suficientes para a crença na consolidação da presença feminina nas fábricas.