A consciência da preservação ambiental explica só parte do avanço dos investimentos da indústria no Brasil em processos inovadores de reaproveitamento de resíduos gerados nas linhas de produção e de insumos. A briga para manter um lugar de destaque frente aos concorrentes e aos olhos do consumidor responde pela outra parcela dessa demanda de projetos para a correta destinação do lixo industrial que se multiplicam no chamado chão de fábrica, tão significativos quanto a responsabilidade com o ambiente e o ser humano. Os bons resultados dessas iniciativas serão mostrados hoje pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) na Conferência das Nações Unias (ONU) sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. O uso frequente dessas tecnologias tem trazido um benefício adicional de reforçar os programas de educação ambiental dentro e fora das empresas.
Conforme documento inédito preparado pela CNI em parceria com associações do setor no país, alumínio, papel, água, embalagens de agrotóxicos, tecidos, pneus e biomassa exibiram nos últimos anos as melhores notas em matéria de reciclagem. Chegou a 97,6% o volume de embalagens de alumínio produzidas e distribuídas no território nacional que são recicladas. A indústria brasileira se tornou campeã mundial ao reciclar latas para bebidas. Aproveitamento também expressivo foi obtido da água que circula nos processos de produção industrial. As mineradoras de ferro, ouro e bauxita já conseguem recircular todo o insumo nas suas unidades.
A CNI reconhece, no entanto, que ainda há muito o que fazer. “Poluição é desperdício. Para evitar essas perdas, as empresas já preparam o seu projeto de reaproveitamento de resíduos na fase do licenciamento do empreendimento”, afirma Shelley de Souza Carneiro, gerente-executivo de meio ambiente da instituição. Os programas de 16 grandes segmentos industriais, representando 90% produção do setor, serão apresentados na Rio+20. A indústria de papel e celulose, por exemplo, encaminha à reciclagem 43,5% de todo o volume de papel que circula no país.
Nas empresas que mais fôlego imprimiram aos projetos de reaproveitamento nas fábricas, os resíduos se transformam em coprodutos e deixam os limites da responsabilidade social para compor os resultados financeiros. Na usinas da ArcelorMittal, maior grupo siderúrgico do mundo, para cada tonelada de aço produzida, a meta é gerar no máximo 50 quilos de resíduos não recuperáveis. A ArcelorMittal Monlevade, instalada em João Monlevade, na Região Central de Minas Gerais, conquistou um índice considerado referência do grupo, ao atingir 12kg por tonelada produzida.
As unidades Brasil e Argentina da companhia siderúrgica apuraram no ano passado uma receita de US$ 23,3 milhões com a venda de coprodutos, sendo US$ 20 milhões obtidos a partir das fábricas brasileiras, ou seja, 85% do total. Parte significativa dessa quantia resulta da comercialização de escória de alto-forno para as indústrias cimenteiras, informa Augusto Espeschit de Almeida, presidente da ArcelorMittal Aços Longos para a América do Sul. “Além de sairmos do resíduo para o coproduto, economizamos energia e recursos e substituímos matéria-prima. É uma inovação que já faz parte do nosso DNA”, afirma.
Pela biodiversidade
Na usina de Monlevade, cerca de 5 mil toneladas mensais de coprodutos são reciclados para servir de matéria-prima da área da sinterização, uma espécie de pulmão da siderúrgica. O processo leva à redução da necessidade de minério de ferro em 4 mil toneladas mensais, volume que representa 2,5% a 3% da carga total. São aproveitados também finos de minérios, de carvão mineral, coque, carepa, lama de aciaria e finos de cal. A ArcelorMittal reserva até 15% de tudo o que é faturado com coprodutos para investimento em pesquisa, desenvolvimento e compra de equipamentos para reciclagem, de acordo com Augusto Espeschit.
Mantido há 28 anos, o projeto Xerimbabo Usiminas leva às comunidades do entorno das usinas do grupo lições cumpridas e repetidas nas áreas internas da empresa. O programa reúne uma série de eventos, entre eles exposição de objetos reciclados e arte, e de ações de reaproveitamento, seja de energia do lixo, seja de insumos; concursos e divulgação conjunta em escolas e seminários, com distribuição de material didático.
Na edição deste ano, o Centro de Biodiversidade Usiminas ficará aberto até 5 de julho para explorar o valor da água, ar, terra e fogo no ano em que a ONU definiu como o da Energia Sustentável para Todos. Segundo o idealizador do projeto e coordenador do Centro de Biodiversidade, Lélio Costa e Silva, mais de 47 mil estudantes de 85 cidades se cadastraram para participar. A média, no ano, é de 140 mil visitantes de 110 cidades. “Sempre tivemos cuidados com o reaproveitamento de materiais. O grande recado do Xerimbabo, neste ano, é que devemos perceber o meio ambiente de um ponto de vista sistêmico, depois de descobrir os mistérios dos símbolos da natureza”, afirma.
Enquanto isso...
...Plástico verde ganha recursos
A Dow Chemical e a The Nature Conservancy, (TNC) Organização Não Governamental dedicada à conservação ambiental, apresentaram ontem ao governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia, os detalhes de um projeto em curso na planta industrail da Dow em Santa Vitória, no Triângulo mineiro, para produção de plástico a partir de cana-de-açúcar e etanol. A unidade servirá como uma espécie de laboratório para cientistas da Dow e da TNC pesquisarem os impactos da produção na natureza e como o meio ambiente pode ser usado para incrementar os negócios sustentáveis.
Parceiros a troca de sobras
A destinação correta de resíduos e insumos move negócios também do lado de fora das fábricas. Em parceria com a CNI, a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) desenvolve um programa destinado a apoiar empresas na negociação mútua de sobras da produção e de efluentes líquidos. Neste ano, 16 rodadas de negócios já foram realizadas e outras nove estão programadas, sendo duas em Minas, duas em Alagoas e cinco no Rio Grande do Sul. Num universo de 138 participantes, 812 oportunidades de trocas e venda de resíduos foram lançadas no âmbito do Programa Brasileiro de Simbiose Industrial, informa Wagner Soares Costa, gerente de meio ambiente da Fiemg.
Com a aproximação das empresas, um bom exemplo da iniciativa foi permitir que retalhos de tecidos das confecções de Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, sejam usados como estopa para enchimento de bancos de veículos em autopeças de São Paulo.
Na fábrica de latícinios da Embaré, em Lagoa da Prata, no Centro-Oeste mineiro, um investimento inovador permitiu que a empresa passasse a gerar energia a partir da queima do gás metano, num sistema de tratamento das sobras industriais. O diretor-presidente da Embaré, Hamilton Antunes, conta que além da destinação ambientalmente correta a companhia economiza cerca de R$ 18 mil por mês na compra de energia. “É bom para a empresa, a nossa consciência e o futuro. Quando pensamos num produto novo, já trabalhamos na destinação que tem de ser dada aos resíduos do processo industrial”, diz.
A Embaré investiu R$ 5 milhões na estação de tratamento, que recebe 3,4 milhões de litros de efluentes por dia e dá destinação a todo o volume de resíduos da fábrica. Em Mariana, na Região Central de Minas, a Samarco Mineração economiza R$ 1,5 milhão por ano e reduz sucata no processo de moagem do minério de ferro que a companhia extrai na reserva de Germano. A mineradora adotou um sistema que reutiliza partes desgastadas dos moedores na planta de beneficiamento.
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