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Estado de Minas

Famílias relembram corrida às compras para fugir dos reajustes constantes dos preços

Nas famílias, a corrida às compras para escapar dos reajustes é lembrada pelos pais, mas os filhos sequer imaginam a inflação sem controle


postado em 01/07/2012 07:02 / atualizado em 01/07/2012 09:16

O empresário Mário Lúcio de Avelar e sua mulher, Mônica do Carmo, faziam compras para estocar produtos com medo dos reajustes, mas os filhos, Mariana, Letícia e Matheus, reconhecem que teriam dificuldades para enfrentar essa realidade(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
O empresário Mário Lúcio de Avelar e sua mulher, Mônica do Carmo, faziam compras para estocar produtos com medo dos reajustes, mas os filhos, Mariana, Letícia e Matheus, reconhecem que teriam dificuldades para enfrentar essa realidade (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)

 

Para os brasileiros, antes de 1994, quando foi lançado o Plano Real, manter a casa abastecida com alimentos e produtos de limpeza era uma tarefa quase olímpica. Com a hiperinflação, as compras feitas nos supermercados tinham de durar por no mínimo um mês. Por isso, a despensa da classe média vivia tão abarrotada que muitas vezes os produtos venciam e tinham de ser jogados fora. O problema é que essa fartura não era fruto de riqueza. Ao contrário, nascia da fragilidade da moeda nacional, que se corroía diariamente. Era impossível ir ao supermercado sem trombar, por exemplo, com a figura um funcionário em plena atividade de remarcação de preços nos corredores. O mesmo acontecia em outras áreas do comércio, na prestação de serviços e em outros ramos da economia.

“Eu me lembro que certa vez fui ao supermercado repor o estoque de leite de soja que a gente fazia. Assim que entrei fui logo pegando as latas. Quando já me preparava para ir embora, decidi levar mais uma. Aí veio a surpresa: o produto já tinha sofrido reajuste”, diz o empresário Mário Lúcio de Avelar, 53. “As compras para a casa eram mensais e ir ao supermercado acabava se tornando um programa em família que durava a tarde inteira. O receio de um aumento no preço das mercadorias nos levava a fazer verdadeiros estoques de alimentos em casa. Eram, no mínimo, dois carrinhos lotados, diz a professora Mônica do Carmo Magalhães Avelar, esposa de Mário.

Enquanto eles falam sobre o período de hiperinflação, os filhos de Mônica e Mário – Mariana Magalhães Avelar, 22 anos, e os gêmeos Letícia de Cássia Magalhães Avelar, 19, e Matheus Magalhães Avelar, 19 -, fazem cara de quem não imagina o que é viver com uma corrida de preços que somente em 1993 (nos 12 meses que foram de dezembro de 1992 a igual mês do ano seguinte) avançou 2.477,1%. Naquele ano, o real ainda não existia, mas é como se o consumidor tivesse comprado um presente de Natal por R$ 100 e no Natal seguinte ele tivesse passado a custar R$ 2.477 – 25 vezes mais. A situação era tão dramática que em julho de 1994, quando foi lançado o Plano Real, a inflação acumulada no ano já estava na casa dos 815,9%.

Antônio Braz, analista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em Minas, recorda que a hiperinflação levava à substituição de uma moeda por outra. Diante da troca incessante, ele guardava algumas notas que já tinham perdido valor e permitia que seus filhos brincassem com elas. Foi quando, em 1990, o ex-presidente Fernando Collor batizou uma nova moeda como cruzeiro, nome que o brasileiros já tinham visto circular entre 1942 e 1967 e entre 1970 e 1986. “Quando essa denominação voltou, meu filho achou que a gente estava rico por que nossas notas (sem valor) tinham um punhado de zeros”.

“Acho surreal tamanha oscilação nos preços. Não gostaria de estar na pele de um chefe de família daquela época. Penso que devemos sempre lembrar dessas situações do nosso passado para evitar que ocorram novamente em nossa história”, observa Mariana. “Esse percentual de inflação está tão distante da nossa realidade que eu nem consigo imaginar como me viraria nessa situação”, reconhece Letícia. “Eu teria sérias dificuldades em conviver com essa enorme oscilação dos preços. Certamente não conseguiria planejar as minhas compras e muito menos fazer uma poupança para aquisição de um produto mais caro, afirma Matheus.

Dispensa lotada e calculadora na mão

A secretária de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, que foi ministra da Indústria e Comércio do governo Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 1996, explica que antes da estabilização econômica no Brasil, que chegou com o real, era impossível acompanhar o que ocorria no país ou mesmo prever o que aconteceria com o consumo. “As pessoas recebiam o salário e corriam para gastar tudo ou para aplicar o dinheiro, por medo que ele perdesse o valor”. Um eletrodoméstico indispensável nessa fase da economia brasileira era o freezer, que obrigatoriamente vivia abarrotado de carnes e de congelados. O hábito durou tanto que muitas famílias até hoje não conseguiram se livrar dele.

“Ah! Isso não podia faltar. E aqui em casa temos (freezer) até hoje”, diz o engenheiro Dimas Meirelles. A esposa dele, a dentista Rosana Silva Cunha Meirelles, conta que a despensa ficava lotada e que quando um paciente do consultório atrasava o pagamento,era um ‘deus nos acuda’. “O preço estava combinado previamente, mas se as pessoas demorassem a pagar, a inflação corroía tudo”. Naquele época, quando o consultório dela recebia um cheque, era preciso depositá-lo rapidamente. “Quando o plano real foi lançado eu não acreditei. Achava que era impossível viver sem inflação. Até hoje guardo orçamentos antigos e, lendo-os, nem sei qual era a moeda”.

A dentista Rosana Meirelles com os filhos, Alice e Danilo, e o marido, Dimas: o freezer era essencial(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
A dentista Rosana Meirelles com os filhos, Alice e Danilo, e o marido, Dimas: o freezer era essencial (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)


Calculadora

O drama do comerciante Alberto Reis Borges, 52, e de sua esposa, Fátima Cristina Magalhães Borges, 50, era outro. Em 1993 eles eram proprietários de uma loja de biciclietas, o que obrigava Alberto passar todos os sábados, por pelo menos oito horas, calculando os reajustes que seriam implementados na segunda-feira seguinte. “Era uma correção de 20% a 30% por semana”, sustenta Alberto. A tabela de produtos da loja contava com 1.200 itens e os cálculos tinham de ser feitos com a ajuda de uma calculadora e, depois, passados para a tabela. O lado bom, segundo ele, é que os comerciantes ganhavam dinheiro com os reajustes sucessivos. "A gente comprava por um preço, para pagar com 30 dias, mas ao longo do mês a tabela de valores aos clientes ia sendo reajustada. Isso nos ajudava a crescer”.

Outra característica do período inflacionário era a inexistência de redes de supermercados de pequeno porte em cada esquina dos bairros. Por isso, os belorizontinos se programavam para ir aos hipermercados ou atacadistas para fazerem suas compras. Para facilitar a vida, Alberto e Fátima faziam compras em parceria com outros dois casais, arrematando pacotes de óleo, açúcar, café, sabonete, sabão em pó, entre outros produtos. “A gente comprava barato e depois dividia tudo”.


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