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Estado de Minas

"Fizemos a estabilização", diz Fernando Henrique Cardoso sobre o Plano Real

Em entrevista exclusiva, FHC afirmou que a Europa está sem saída a curto prazo porque não consegue investir e não adotou medidas de ajustes fiscais.


postado em 01/07/2012 07:07 / atualizado em 01/07/2012 09:09

(foto: MARCELO CORTES /FOTOARENA/AE)
(foto: MARCELO CORTES /FOTOARENA/AE)
Com 81 anos recém completados, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comemora os 18 anos do Plano Real nessa série de reportagens do Estado de Minas que se iniciam hoje. Lembra das dificuldades em promover as mudanças, não apenas de moeda, mas também de cultura, imprimindo um profundo ajuste fiscal, cortes no orçamento e fechamento de bancos públicos, considerados como ralos de escoamento de dinheiro.

Nesta entrevista exclusiva, FHC afirmou que a Europa está sem saída a curto prazo porque não consegue investir e não adotou medidas de ajustes fiscais. Disse que o Brasil, mesmo nos momentos de crise mais aguda, jamais entrou em recessão. “Nós fizemos a estabilização junto com condições para que a economia não morresse afogada. A Europa está se afogando”. Apesar de elogiar a presidente Dilma Rousseff, FHC afirma que o país não vive um ciclo de desenvolvimento sustentável. “Precisamos investir em infraestrutura, priorizar a educação, dar mais segurança jurídica às pessoas e definir o que fazer com energia e o meio ambiente”.

Após 18 anos de implantação do Plano Real, o país e a economia brasileira estão mais maduros do que em 1994? Atingimos a maioridade?

Em relação ao que éramos eu não tenho nenhuma dúvida. É preciso tomar cuidado porque, em alguns países, a maioridade só se consegue aos 21 anos de idade. Mas estamos mais seguros.

Que sinais de segurança o país transmite? E quais de insegurança?

O Plano Real, estrito senso, era um plano para controlar a inflação e estabilizar a moeda. Mas foram necessárias também uma série de outras medidas para assegurar a estabilidade da moeda. O nosso programa atravessou muitas intempéries. Mudanças de governo, inclusive com, formalmente, ideias que não seriam as mesmas das nossas. Mostramos que a força do plano era tal que obrigou a uma certa continuidade.

O que pode ser aperfeiçoado no Plano?


Nosso objetivo era controlar a inflação e por em ordem as contas públicas. Elas ainda não estão completamente em ordem, temos uma dívida interna muito grande, mas sob controle. Aprendemos a lidar com a taxa de câmbio, que era rígida e passou a ser flutuante. Engessamos o gasto com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Qual o desafio atual?

Manter isso e fazer crescer a economia. Não está claro ainda que nós tenhamos um crescimento sustentável da economia.

Por quê?

Vários fatores. De 2004 até 2008, 2009, o fator externo foi favorável. A partir daí, começamos a enfrentar dificuldades. Quais são as dificuldades? A primeira diz respeito à nossa taxa de poupança e de investimentos, que são baixas. É preciso priorizar educação de boa qualidade. Dar garantias jurídicas às pessoas. Nesse aspecto, ainda temos muito o que fazer.

E a infraestrutura?

Ainda não crescemos os investimentos em infraestrutura. O dinamismo da economia fica apertado por esse gargalo. Não temos uma visão estratégica de para que lado nós vamos na questão da energia, como vamos ajustar as demandas de crescimento com meio ambiente.

O senhor tem elogiado a presidente Dilma Rousseff. Enxerga disposição para fazer as mudanças econômicas necessárias?

Houve um avanço em relação à questão da Previdência Social (Funpresp). Em relação às outras questões, ainda estamos esperando para ver o que vai acontecer. Eu não vejo com clareza qual será o rumo. A presidente está tentando arrumar a casa das desordens produzidas pelo governo anterior.

Muitas das reformas começaram durante o governo Itamar Franco. Aqueles dias conturbados serviram para fomentar o caldo reformista?

As reformas mesmo vieram depois – da previdência, do sistema bancário, as questões estruturais. O clima para mudança surgiu no governo Itamar porque nós estávamos sufocados pela hiperinflação, tínhamos que sobreviver.

Quais os erros cometidos pela Europa na crise do Euro?

Uma coisa foi o Plano Real com troca de moeda, URV. Por trás disso, houve uma reconstrução das finanças públicas e do sistema financeiro bancário. Nós pegamos todas as dívidas dos estados, consolidamos, assumimos tudo. Proibimos os estados de contraírem mais dívidas sem a autorização do Senado. Fechamos muitos bancos estaduais que eram um ralo para gastar dinheiro.

Nada disso foi feito pelos europeus?

A Europa não pode fazer isto até agora porque ela tem uma moeda única, mas tem políticas fiscais variadas, cada país tem a sua. No começo, alguns acordos limitavam o poder de endividamento dos países, mas era algo voluntário.

Mas o Real também enfrentou crises.

Nós tivemos uma crise financeira aqui em 1995, com a quebradeira dos bancos. A partir daí, o Banco Central colocou regras, começamos a seguir as regras da Basiléia, que os europeus estão começando a falar agora. Nossos bancos não são alavancados. Nossa política não foi só de reformar, mas de respeitar regras. A Europa não fez nem uma coisa nem outra.

O senhor enxerga saída para a crise europeia a curto prazo?

Não. Saída mesmo é retomada do crescimento. Isso requer retomada de investimentos. Mas leva tempo. Nós nunca deixamos de ter crescimento. Pequeno, mas tivemos, nunca mergulhamos na depressão. Nós fizemos a estabilização junto com condições para que a economia não morresse afogada. A Europa está se afogando.

Quando vocês começaram a elaborar o Plano Real, tinham noção de que aquele plano seria praticamente definitivo no combate à inflação?


Nós tínhamos um compromisso muito forte de implementar as medidas necessárias para acabar com a inflação. Se íamos conseguir ou não, era difícil saber. Muita gente era contra. Ou contra ativamente ou contra por inércia. Tivemos que fazer um ajuste fiscal, cortei 50% do Orçamento. Não tínhamos certeza se teríamos condições políticas para implementar isso.


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