Quem for a um supermercado ou açougue em Belo Horizonte pagará cerca de R$ 5 pelo quilo do frango, um dos símbolos do real. A ave pulou para tal status em razão de seu quilo custar, no lançamento da moeda, apenas R$ 1, o que possibilitou que muitas famílias carentes pudessem incluir a carne no cardápio. Hoje, embora o país tenha ficado livre do pesadelo da hiperinflação anual, que chegou a quase 2.500% em 1993, alguns produtos e serviços registram, de julho de 1994 ao fim de maio de 2012, alta maior do que a inflação oficial acumulada no mesmo período (305,92%) e medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o caso do próprio frango, cujo preço subiu 400%. Os vilões da era do real abrem o segundo dia da série Maioridade real, que o Estado de Minas publica desde ontem.
Os aluguéis e as taxas embutidas no serviço, como condomínio e água e esgoto, estão entre as maiores altas dos últimos 18 anos (697,6%). Mas o principal destaque negativo fica por conta dos combustíveis domésticos (821,27%), representados pelo gás de cozinha. O preço médio dos combustíveis de veículos também avançou muito (387,26%). Na sexta-feira, 22 de junho, a Petrobras reajustou o preço da gasolina e do diesel nas refinarias, mas zerou a alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para que o repasse não chegasse às bombas. A medida levará a estatal a acumular prejuízo de mais de R$ 200 milhões a cada mês. “Alguém vai ter de pagar essa conta. Por isso, acredito que novos aumentos virão por aí”, lamentou o vendedor Eduardo Barros, de 48 anos, enquanto abastecia o tanque de seu carro.
O economista Antônio Vieira, professor na Faculdade Arnaldo, recorda que a escalada de preços no Brasil, antes de julho de 1994, chegou a ser a maior do planeta. “A teoria econômica não tinha instrumento para combater um tipo de inflação que não existia no restante do mundo. A economia não entrou numa desestruturação com o processo inflacionário intenso porque havia a correção monetária”, ensinou o especialista. Na era do real, os produtos e serviços que mais pesaram no bolso dos consumidores foram as tarifas administradas, que têm os reajustes monitorados pelo governo – telefone, energia elétrica, transportes, combustíveis, planos de saúde e taxas públicas.
Também entram na lista dos itens que aumentaram muito além da inflação os gastos com habitação, da qual o aluguel é o principal, e educação. São esses produtos que têm o maior peso no orçamento da classe média do início do real. Não à toa o então presidente Fernando Henrique Cardoso admitiu, por ocasião dos festejos dos seis anos de estabilidade, em 2000, que a classe média foi quem pagou a conta do real. Os custos dos serviços pessoais – empregado doméstico, cabeleireiro, manicure, serviços bancários — também passaram a morder uma parcela maior do orçamento das famílias brasileiras a partir do real. Em 18 anos, a alta é de 540%.
A conta é simples: se esses preços e serviços não tivessem aumentado tanto, a inflação acumulada seria bem menor. A dificuldade para domar a alta do custo de vida vem de uma herança da era da hiperinflação, que é a indexação da economia, a vinculação de reajustes dos diversos preços ao consumidor à inflação. Quando foi implantada a atual moeda, o governo desindexou em parte a economia, mas manteve, por lei ou contratos, vários itens do orçamento atrelados à inflação, mesmo que ela não refletisse a oscilação dos custos desses itens. Setores que não são monitorados acabaram mantendo a inflação como parâmetro, segundo analistas.
Os preços administrados pelo governo foram os mais beneficiados com o real. Nos contratos dos setores privatizados, como telefonia, energia elétrica e saneamento, foi assegurada correção anual pelos IGPs (Índices Gerais de Preço), calculados pela Fundação Getulio Vargas (FGV). O problema é que esses indicadores refletem valores do atacado, como de commodities – produtos agropecuários e minerais –, negociadas em dólar no mercado internacional, de grande volatilidade. Por isso, os IGPs caem de repente e também sobem muito.
A justificativa para a indexação das tarifas administradas foi a necessidade de oferecer garantias aos empresários dos setores que estavam investindo nos setores recém-privatizados. “A sociedade pagou uma conta alta durante muito tempo. Até 2002, nos primeiros oito anos do real, talvez fizesse sentido por causa da grande volatilidade do câmbio, que dava uns saltos, e poderia desequilibrar os contratos. Mas há uns 10 anos não tem mais sentido”, afirma o economista
Simão Silber, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP).
“A indexação continua sendo o problema da economia”, comenta o economista Thiago Curado, da Tendências Consultoria. Apesar de alguns preços administrados terem diminuído o ímpeto por reajustes altos nos últimos anos e seguido outros parâmetros, como de produtividade, caso da energia e da telefonia, há ainda uma indexação total e parcial em quase todos, afirmam os dois especialistas. “Sobrou uma inércia inflacionária significativa no país. O grande desafio é romper com ela”, afirma Simão Silber, da USP.
BH é a segunda no ranking da inflação
Belo Horizonte obteve, na era do real, a maior inflação na Região Sudeste. Levantamento do IBGE mostra que o indicador na capital mineira chegou a 334,35% entre 1º de julho de 1994 e 31 de maio, no último mês fechado pela entidade. Em São Paulo, a inflação foi de 294%. No Rio de Janeiro, 330,54%. O dragão em BH, quando comparado com as 11 regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, só ficou abaixo do apurado em Belém (334,65%). No país, o índice médio foi de 305,92%.
Um dos motivos para o percentual no país se deve aos símbolos da atual moeda. Iogurte no café da manhã, frango no almoço e sorriso bonito no rosto. Símbolos do Plano Real, os dois alimentos mais a dentadura entraram para a história brasileira como representantes de uma nova era do país: a da estabilidade financeira, que permitiria o acesso dos mais pobres a bens antes inacessíveis.
Produtos de elite por causa dos preços altos e aspiração de consumo dos trabalhadores de renda mais baixa em 1994, o frango e o iogurte chegaram fartamente à mesa da classe C e D nesses 18 anos do real. No embalo da preservação do poder aquisitivo dos salários, as famílias brasileiras agregaram outras mercadorias então consideradas de luxo à mesa. De 1994 para cá, a cesta de produtos dos brasileiros ficou mais diversificada. Entraram material de construção e TV LCD.
“Hoje, o sonho de consumo é o carro 1.0”, brinca o economista Simão Silber, professor da Universidade São Paulo. O frango estreou na nova moeda, em julho de 1994, custando, em média, R$ 1 o quilo. Desde então, ficou 400% mais caro em BH. A bandeja com seis iogurtes saía por pouco mais de R$ 1. E hoje, graças à concorrência, é possível encontrar, em promoção, por preços em torno de R$ 2. Fora de ofertas, chega a R$ 3,50. Ainda assim, são 140% de alta, abaixo da inflação geral, de 305,9%.
Os dados da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) mostram que o crescimento da demanda por frango e iogurte, entre 1994 e 2011, foi bem parecido, de 188% e 198%, respectivamente, bem acima do avanço do Produto Interno Bruto (PIB), de 68,4% no mesmo período. O resultado da maior demanda desses produtos é visto na mesa das classes mais baixas, mas especialmente na nova classe C, afirma o diretor do Departamento de Economia e Estatística da Abia, Dênis Ribeiro, citando dados do IBGE.