Eles comemoraram aniversário no mês de entrada em circulação da atual moeda brasileira. Mas a diferença de 18 anos entre a data de nascimento de cada um impõe sérias variações em relação às condições de ingresso no mercado de trabalho. Em julho de 1994, enquanto a Casa da Moeda tirava do forno as primeiras notas de real, Edilaine, à época com 18 anos, abria as portas de sua carreira profissional no mundo administrativo enfrentando um turbilhão de incertezas; Antônio Edmundo, com o dobro da idade, de certa forma estabilizado no ramo da construção, aproveitava as perspectivas para criar sua primeira empresa; enquanto isso, assim como a moeda, o recém nascido Jafet tinha como esperança a promessa de uma nova – e mais próspera – realidade econômica.
No ano da maioridade do Real, o mercado de trabalho dá mostras de atingir maturidade e mês a mês os níveis de emprego batem recorde, superando inclusive os momentos de crise. Em Minas, depois de atingir patamares críticos na década passada, a taxa de desemprego baixou da casa de dois dígitos e reduziu por mais da metade se comparado com o primeiro ano de medição (1996). Bom para Jafet, que se prepara para enfrentar o que um dia foi um bicho-papão. Mas, nem por isso, o jovem é menos exigido. Pelo contrário. Em busca do sucesso profissional, o estudante se vê obrigado a preparar-se com afinco antes de procurar o primeiro emprego. Aos 18, ele estuda quase 10 horas por dia – incluindo as aulas particulares quase obrigatórias de inglês e espanhol – e pensa primeiro em cursar engenharia civil para depois tentar uma oportunidade numa grande empresa. “Hoje é certo que, se você for bom no que faz, uma empresa vai te reconhecer”, afirma o estudante Jafet Henrique Guerra Fagundes.
Com o maior acesso ao ensino superior, de longe o casamento não é mais prioridade na vida dos jovens brasileiros, que cada vez mais demoram a sair da aba dos pais. Dos anos 1990 para cá, a porcentagem da população com formação superior se multiplicou por três. E a formação educacional adequada se tornou a principal preocupação. Abandonar o conforto familiar, só se for para morar fora do país para reforçar o estudo de idiomas. No caso de Jafet, a exigência é ainda maior. Apesar de estar na lista das profissões mais demandadas, o mercado de trabalho para engenheiros requer trabalhadores superqualificados. “A exigência aumentou. A educação se disseminou muito. Anos atrás o Brasil tinha uma população universitária bem reduzida”, afirma Alexandre Queiroz Guimarães, doutor em economia política e professor da PUC Minas e da Fundação João Pinheiro.
Especialização
Apesar de ter tido oportunidades semelhantes às de Jafet, os tempos eram outros e o empresário Antônio Edmundo Bicalho de Melo recorda que, nos anos 1970, eram poucos os que se preocupavam com o aprendizado de um segundo idioma. Ele mesmo só aprendeu as primeiras frases em inglês aos 19 anos, meses antes de entrar na universidade. Assim como na Europa do pós-guerra, tal demanda só se deu com a modernização da indústria e do setor de serviços. Hoje, seu filho de 18 anos é fluente em inglês e italiano e há quatro anos estuda mandarim. Além disso, candidatos a uma vaga na sua empresa de engenharia só são aceitos com o título de mestrado em mãos. “Só um em cada 10 dos meus colegas fez mestrado. É provável que nenhum tenha feito doutorado. Eu mesmo só fiz pós-graduação porque queria dar aula”, afirma o engenheiro.
Caso tivesse nascido uns anos antes, Jafet teria enfrentado cenário completamente inverso. No início dos anos 1990, o setor de construção vivia paralisação quase completa e a economia borbulhava em meio às oscilações cambiais dos anos anteriores. Nesse cenário, Edilaine Dutra se viu obrigada a escolher entre tentar ingressar numa faculdade ou no mercado de trabalho. Não teve muitas dúvidas. Agarrou logo de cara a primeira chance numa grande empresa, deixando de lado o sonho de lecionar. Mesmo com cargo num nível mais baixo, sabia que não era hora de investimentos na carreira. “Hoje, com a moeda estabilizada se tem mais perspectivas. Dá para planejar mais. Naquele tempo, mal dava para saber se o salário dava para pegar ônibus”, afirma ela, que, com o país já ajustado, uma década depois conseguiu concluir o primeiro curso superior e, com isso, alcançou o cargo de gerente administrativa.
Mínimo adquire poder de compra
De 1994 até hoje, com o controle inflacionário, o salário mínimo voltou a ganhar status e seu poder de compra também foi reforçado. Se no ano de implantação do real, o salário correspondia a apenas 10,97% do ganho necessário mensal para o brasileiro arcar com as despesas básicas constitucionais (alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência), em 2012, essa diferença é bem menor e o mínimo equivale a 26,09% do chamado salário necessário, segundo cálculos do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicas (Dieese). “Podemos perceber dois fatores: o aumento do número de consumidores e a melhoria na distribuição de renda. Quem recebe o mínimo hoje tem maior poder de compra”, afirma Alexandre Guimarães, doutor em economia política e professor da PUC Minas e da Fundação João Pinheiro.
Tal fôlego do salário mínimo corrobora plenamente com os argumentos adotados pelo governo para justificar a necessidade de adoção de uma nova moeda. "A par da garantia de irredutibilidade, a lei nova está dando ao salário uma vantagem inédita, pois com a conversão em Unidade Real de Valor (URV) o salário passa a acompanhar dia a dia a inflação. Esta vantagem é por demais preciosa, devendo ser defendida com todas as forças pelos trabalhadores", diz o texto da Medida Provisória assinada, em 30 de junho de 1994, por sete ministros do governo Itamar Franco para dar início à terceira fase do novo modelo econômico: a entrada em circulação do Real.