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Estado de Minas

A maioridade do real e a transformação da indústria brasileira

Estabilidade da moeda racionalizou custos e forçou aumento de produção e de eficiência no chão das fábricas, que tiveram de baixar preços


postado em 03/07/2012 06:00 / atualizado em 03/07/2012 07:40

Em dois tempos de vida do real, o nascimento e a maioridade da moeda, a indústria pouco se reconhece, como mostra a terceira reportagem da série Maioridade do real que o Estado de Minas publica desde domingo. No escritório da Vilma Alimentos, uma das maiores fabricantes de massas do país, o vice-presidente de marketing e vendas, Cezar Tavares, aponta uma revolução nas linhas de produção guiada pelo bem, na forma do controle da inflação e do ingresso de uma classe de consumidores até então excluídos do mercado, mas também influenciada pelo mal do longo período de juros altos e de valorização artificial do real sobre o dólar. A estabilidade derrubou vícios que haviam deixado as empresas escravas da gestão financeira do negócio, e implantou a era do planejamento, agora beneficiada pelo custo mais civilizado do dinheiro, avalia o diretor-presidente da Forno de Minas, Hélder Mendonça.

Indústria de alimentos foi a que mais elevou a produção nos 18 anos do real em Minas, com avanço de 238%(foto: RENATO WEIL/EM/D.A PRESS %u2013 30/9/11)
Indústria de alimentos foi a que mais elevou a produção nos 18 anos do real em Minas, com avanço de 238% (foto: RENATO WEIL/EM/D.A PRESS %u2013 30/9/11)

“Administrar era algo crítico pela incapacidade da empresa de manter os custos atualizados num cenário de inflação alta. Isso mascarou muitas ineficiências até que a indústria se ajustasse”, afirma. A fabricante de pão de quejo, folhados e laticínios viveu momentos marcantes da história da indústria depois do real. A empresa de Contagem, na Grande Belo Horizonte, saiu de uma produção de 3 toneladas mensais da iguaria no começo dos anos 90 para 1,6 mil toneladas por mês ao ser vendida à multinacional americana General Mills no fim da década. Voltou ao controle da família Mendonça em 2009 e hoje produz ao ritmo de 1 mil toneladas mensais.

Em comum, as empresas vivenciaram uma reestruturação que forçou aumento de produção e de eficiência no chão de fábrica. “O novo tempo exigiu produtividade, corte de desperdício e de despesas, além de um fortíssimo processo de gerenciamento de custos para motivar o consumidor. O cliente passou a conhecer o poder de compra da moeda, pediu inovação e já não estocava produtos em casa”, afirma Cézar Tavares. A Vilma praticamente dobrou de tamanho em comparação ao desenho da fábrica em meados dos anos 90.

A indústria de alimentos foi a que mais aumentou a produção física em Minas nos 18 anos do real, com um acréscimo de 238%, conforme levantamento feito pelo analista Antônio Braz de Oliveira e Silva, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ele observa que o resultado, bem acima da média de 49,5% do setor industrial no estado, é também reflexo da forte expansão do agronegócio. No Brasil, as fábricas produziram 39,4% mais de janeiro a abril deste ano do que na média de 1994. “O real trouxe a inflação a níveis bem mais baixos, promoveu aumento de renda e aprofundou a abertura do mercado brasileiro aos produtos estrangeiros, mas não resolveu os problemas da carga tributária alta e da infraestrutura ineficiente do país”, analisa Antônio Braz.

Boa parte da elevação do consumo foi atendida pelas importações, com a exposição da indústria brasileira à concorrência internacional, símbolo de tormenta para segmentos como a indústria têxtil. Em Minas, a produção do segmento levou a um golpe de 41,1% de queda no primeiro quadrimestre, em relação à média de 1994. Aguinaldo Diniz Filho, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), afirma que a valorização cambial e a tributação se incumbiram de minguar a competitividade que a indústria adquiriu. “A responsabilidade foi das políticas complementares à criação do real. Em geral, o Brasil seria um país absurdamente pior se o presidente Itamar Franco não tivesse a coragem de implantar a nova moeda”, afirma o industrial.

Grande furo

Uma gestão desastrada de receitas, por meio da arrecadação de impostos, e despesas, com consequências negativas para o crescimento econômico, fez com que a política fiscal se transformasse no grande furo do plano para estabilizar o país, na avaliação de Lincoln Gonçalves Fernandes, presidente do Conselho de Política Econômica e Industrial da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). “Fizemos um esforço enorme nas privatizações (da mineração, siderurgia, setor elétrico e de comunicações), houve ganhos de escala e foi tudo pelo ralo das contas públicas mal geridas”, afirma.
Guilherme Veloso Leão, gerente da área de estudos econômicos da Fiemg, observa que, com uma política fiscal fraca, o país acabou ficando refém da alta dos juros e do câmbio, ingredientes de um processo de desindustrialização (perda de participação da indústria no conjunto da produção de bens e serviços, medida pelo Produto Interno Bruto, o PIB). Idêntico balanço faz o vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso Dias Cardoso. “As consequências foram uma valorização irreal da nova moeda sobre o dólar e uma transferência de renda brutal da indústria para os bancos”, diz.

Sem saudades do Fusca
(foto: MARCOS MICHELIN/EM/D.A PRESS- 2/12/10)
(foto: MARCOS MICHELIN/EM/D.A PRESS- 2/12/10)

Símbolo mais sofisticado da produção da indústria que pegou carona na era do Plano Real, o carro popular chacoalhou o mercado interno, já afetado pela abertura aos importados no início dos anos 90. A ideia de um veículo que o povo pudesse comprar, como justificava o então presidente da República, Itamar Franco, foi lançada em 1993, portanto antes da implantação da moeda. O governo federal assinou acordo com a antiga Autolatina (joint-venture formada pela Ford e a Volkswagen), em razão de um plano de voo abraçado por Itamar para o retorno do Fusca ao Brasil.

Para viabilizar o carro popular, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) foi baixado a 0,1% com a obrigatoriedade de que o modelo tivesse motorização 1.0 e valor máximo de US$ 6,8 mil. Cotado na mesma base de comparação, hoje o popular do presidente morto no ano passado deveria estar na faixa de R$ 14 mil, mas isso não quer dizer o fracasso da ideia, pelo menos para as montadoras, lembra o consultor do setor automotivo André Beer, ex-vice-presidente da General Motors do Brasil e da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O popular mais barato é encontrado na faixa de R$ 23 mil (US$ 11,2 mil).

“Houve um plano aplicado a um tipo de produto e, como consequência, o programa se expandiu para produtos novos e a preços mais acessíveis”, diz André Beer. Quanto ao Fusca, ele recorda que àquela época o custo de produção era muito menor e se tratava de um projeto sem futuro. “Eu mesmo dizia que colocar o Fusca no mercado seria retroagir do ponto de vista da tecnologia”, afirma. Para o consultor do setor automotivo Luiz Carlos Augusto, o marketing de Itamar se alimentou de um projeto muito mais simples do Fusca em relação às transformações que o mercado viveu.

“A indústria cresceu muito, diversificou os lançamentos e o Brasil passou a ser importante no mercado automotivo. Até então se contava os importados a dedo no país”, afirma Carlos Augusto. De acordo com levantamento do analista do IBGE Antônio Braz de Oliveira e Silva, a indústria de veículos automotores cresceu 72% (em produção física) em relação à média de 1994. Em Minas, o setor cresceu 51,8% em idêntico período.


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