Durante o Plano Real um novo sonho de consumo entrou para a lista de desejos do brasileiro: o plano de saúde. Garantir o atendimento com o médico e no hospital privado se tornou prioridade para as famílias. Os planos passaram a dividir espaço com a casa própria, o automóvel, artigos de tecnologia. Com o dragão domado e o mercado de trabalho aquecido, os convênios se tornaram moeda de negociação nas campanhas salariais de grandes organizações e também ganharam espaço nos pequenos negócios. Multiplicaram seus usuários em todas as classes. Agora o desafio do setor é garantir o atendimento para mais de 47 milhões de brasileiros que assinaram contrato com as operadoras, como mostra a terceira reportagem da série Maioridade real, que o Estado de Minas publica desde domingo.
Antes da estabilização da moeda, quando a inflação engolia o salário, os convênios médicos existiam em um ambiente sem a intervenção do estado ou regras claras de proteção ao consumidor. Os conflitos passaram a lotar os tribunais. Assim pode-se dizer que a lei do setor (9.656) que chegou em 1998 para regular o mercado foi um efeito importante da estabilização da moeda.
O arquiteto Lúcio Moreira atravessou vários panoramas da saúde brasileira. Financiou os gastos médicos da família, foi usuário do sistema estadual e dos convênios médicos desde o início da década de 80. Em sua opinião, apesar de percalços, durante o plano real o mercado passou a dar mais segurança ao consumidor. “Na década de 80 trabalhei em uma empresa onde o plano de saúde particular foi cancelado pela operadora do dia para a noite porque os funcionários estavam indo muito ao médico. Todos ficaram sem cobertura”, lembra o arquiteto que depois da rescisão precisou pagar do próprio bolso uma cirurgia abdominal.
Antes do real o resultado do setor dependia do sistema financeiro. “Nesse espaço de tempo, entre a arrecadação das mensalidades e o pagamento das despesas, as operadoras faziam aplicações de curto prazo para manter a viabilidade da operação. Com o fim da inflação, esses ganhos cessaram, o que colocou muitas em dificuldades, levando diversas à bancarrota”, lembra José Cechin, diretor-executivo da Federação Nacional da Saúde Suplementar (Fenasaúde).
Hoje um quarto dos brasileiros usa os serviços das operadoras privadas, e em capitais como Belo Horizonte o percentual atinge 55% da população. Isso sem dizer que em um ambiente favorável ao emprego, a população das classes C e D também começou a escolher o médico pelo guia dos planos e a usar a carteirinha da operadora para buscar atendimento nos hospitais privados. O crescimento relâmpago tem deixado os planos parecidos com o sistema público. Além disso, na era do real, enquanto a inflação teve alta de 305,92%, os preços dos planos de saúde registraram aumento médio de 478,77.
A partir de 2000 o número de novos contratos de planos de saúde se multiplicou mais de seis vezes no país, saltou de 6,7 milhões para mais de 40 milhões de consumidores. A estabilização da economia deu transparência ao setor. “Daqui para a frente a preocupação passa a ser com a sobrevivência do sistema, que depende de uma maior eficiência no controle de gastos”, aponta César Vieira, consultor do Instituto Brasileiro para Estudo e Desenvolvimento do Setor de Saúde (Ibedess). Segundo o especialista, a ameaça agora não é mais a disparada da inflação, mas o envelhecimento, as doenças crônicas, a incorporação de novas e caras tecnologias que impactam os custos e ameaçam a sustentabilidade.
Em 2001, um ano após a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que introduziu no setor a regulação do estado, a contadora Gleicia Gomes e o marido Vagner de Pinho contrataram um plano de saúde. Aos 8 anos, a filha do casal, Larissa nasceu em hospital privado de Belo Horizonte e ainda não experimentou o Sistema Único de Saúde (SUS). “Ter um plano se tornou muito importante para o brasileiro. Não dá para contar só com a saúde pública”, avalia Gleicia. Ela diz que a importância dos convênios cresceu dentro das famílias mas que a garantia da qualidade preocupa os usuários. “Os médicos estão reduzindo a agenda. Se a especialidade for, por exemplo, neurologia a espera para consulta costuma ser de 30 a 45 dias”, alerta.
José Cechin observa que a moeda estável alongou horizontes e deu relevância ao planejamento das empresas. Também permitiu maior transparência nas operações. “De lá para cá, a saúde suplementar mudou acentuadamente. As operadoras passaram a organizar e aperfeiçoar a gestão dos custos assistenciais que crescem acima da inflação. Dessa eficiência depende o sucesso do negócio", aponta.