A greve dos caminhoneiros, que completou ontem o seu terceiro dia, divide os agentes do setor de transportes de carga no país. De um lado, está o Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC), liderado por Nélio Botelho, que comanda a operação via internet e articula paralisações em vários estados. De outro, entidades ligadas a confederações e associações de transportadores autônomos e a empresas transportadoras são contra a paralisação por verem nela interesses individuais. Todos defendem, no entanto, que é preciso aparar arestas na legislação que, depois de 40 anos de espera, começa a regulamentar o segmento. Ontem, o protesto causou transtornos em Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e no Sul do país. Foram 27 pontos de bloqueio no país. O abastecimento ainda não ficou comprometido, mas os atrasos já causam prejuízos para muitos brasileiros que passam ou não pelas rodovias escolhidas como palcos das paralisações.
Em Minas, os manifestantes bloquearam duas das principais rodovias do país: a BR-381 (Fernão Dias), ligação entre Belo Horizonte e São Paulo, e a BR-040, rota do minério e trecho que liga a capital mineira ao Rio de Janeiro. Também houve protesto na MG-050, no Centro-Oeste, e na BR-116, em Governador Valadares. Tendo como estratégia a paralisação de pontos cruciais e sua liberação depois da chegada da Polícia Rodoviária Federal (PRF), os caminhoneiros – ou parte da categoria – obrigaram a todos a compartilhar do seu protesto. Na Fernão Dias, somados os quatro pontos de engarrafamento, as filas ultrapassavam os 40 quilômetros de extensão e viagens previstas para durar seis horas chegaram ser concluídas em 26 horas. Um verdadeiro pesadelo de fim de férias.
Também houve prejuízos e sobrou até para os consumidores. O volume de tomates que chegou ao CeasaMinas caiu 30%, em função do clima e também da greve dos caminhoneiros. Com isso, a paralisação ajudou a elevar os preços da leguminosa em 81% em apenas sete dias. As empresas de transportes de passageiros e de carga tiveram que cancelar viagens para o Sul de Minas. Cargas perecíveis, que deveriam ser entregues com urgência, acabaram estragando na pista. Houve tumultos nos pontos de paralisação. Em Carmópolis de Minas (Sul do estado), caminhoneiros que não concordavam com a greve tentaram furar o bloqueio e atearam fogo em pneus. O próprio líder do MUBC no estado, José Carneiro, saiu do trecho da BR-381 em Igarapé porque tentou liberar a pista por duas horas, mas foi impedido pelos colegas de movimento. Carneiro disse ontem que não há previsão de conversas com o governo e que a greve continua até quando a categoria achar conveniente.
A PRF mineira teve reforço de patrulhamento – vindo de São Paulo – para ajudar nas negociações dos tumultos. No Espírito Santo, uma liminar que ordenou que os manifestantes liberassem a pista até meia-noite, concedida pela Justiça Federal, obrigou os caminhoneiros a se retirarem da estrada, o que começou a ser feito por volta da 8h de ontem. À noite, o fluxo estava livre.
Na visão de agentes e especialistas no segmento, um dos principais motivos de insatisfação dos caminhoneiros é a regulamentação do horário de trabalho prevista na Lei 12.619, que regulamenta a profissão de motoristas profissionais com vínculo empregatício e no Projeto de Lei 271 do senador Paulo Paim (PT), que criou o estatuto do motorista profissional. Ambos impõem regras de descanso e limitam a jornada de trabalho dos caminhoneiros. A lei determina que os profissionais contratados poderão ter jornada diária de 10 horas (oito normais e mais duas extras), com descanso de 30 minutos a cada quatro horas e que o intervalo para almoço deve ser de uma a duas horas. Já os caminhoneiros autônomos poderão trabalhar até 12 horas, com descanso de 30 minutos a cada quatro horas. Eles serão obrigados a fazer 11 horas de descanso ininterrupto a cada 24 horas.
“As mudanças no setor vieram para reduzir os acidentes de trânsito porque tinha caminhoneiro que trabalhava 25 horas, 30 horas e até 36 horas sem parar, tomando rebites. A intenção foi melhorar as condições de trabalho e evitar acidentes”, explica Paulo Paim. “É humanamente impossível fazer o que eles fazem. Não sou contra o movimento. Mas as mudanças necessárias podem ser feitas na Câmara Setorial.”
Vander Costa, presidente da Federação das Empresas de Transporte de Carga de Minas Gerais (Fetcemg), reconhece que o preço do frete precisa aumentar, mas não diz em que proporção. A categoria reclama uma correção de 35%. “Mas o frete tem que ser negociado com o cliente. Os preços são regulados pelo mercado.” Segundo cálculos de transportadores, o prejuízo médio por caminhão por dia parado chega a R$ 40.