Transitar pelas rodovias brasileiras nos últimos anos tornou-se sinônimo de dor de cabeça. Seja pela falta de reparos, a atitude irresponsável de motoristas e outros percalços, que se enumerados não caberiam em uma página de jornal. Mas, possivelmente, o dia de ontem entrou para a lista dos mais caóticos da história do estado, que possui a maior malha rodoviária do país. A paralisação dos caminhoneiros, que reivindicam melhores condições de trabalho e a revisão de leis em vigor há pouco tempo, fez com que o trânsito ficasse parado por horas e horas em alguns dos principais eixos do país e o grave problema de uma imensa categoria transformou-se em drama para as famílias que viajavam por terras mineiras. O Estado de Minas percorreu as estradas bloqueadas pelos manifestantes e conta os problemas de fome, frio, etc. e falta de paciência vividos pelos motoristas, que, para piorar, em repetidas situações, cometeram infrações gravíssimas na tentativa de furar fila e, por pouco, não causaram acidentes. E mais: este é o último fim de semana das férias escolares, com promessa de rodovias lotadas por causa da volta para casa, o que pode resultar em cenas ainda mais caóticas.
E quem vai pagar o pato?
A banda mineira Pato Fu passou mais de 18 horas parada na BR-381 tentando chegar a São Paulo, onde inicia a turnê Gol de quem. Das 22h30 de quinta às 8h de ontem, eles tinham percorrido apenas 80 quilômetros, segundo relato da vocalista Fernanda Takai feito pelo celular, via Instagram. Como última alternativa a banda teve que optar por um caminho de terra que passava por Brumadinho para chegar ao Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins. Só às 18h30, eles conseguiram fazer o check-in, segundo o baixista Ricardo Koctus (foto). “Vamos chegar lá, encarar o trânsito da cidade, para depois montar o som e já começar a tocar em seguida sem passar o som”, lamenta.
Contradições nos acostamentos
Em Igarapé muitos caminhoneiros estavam firmes no protesto. Segundo alguns motoristas, desde as 20h de quinta-feira novos caminhões foram parados e permaneceram no trecho a partir do KM 516. No meio da tarde de ontem, a fila dupla indiana de caminhões – parados no acostamento e na faixa da direita – chegava a Betim, no KM 503, na região do Citrolândia. “Estamos providenciando alimentação e água para os motoristas. Não estamos deixando ninguém vender nada a preços absurdos na estrada e garantindo que as pessoas tenham segurança para passar pela estrada, pedindo para que nenhum caminhão fique na faixa da esquerda e liberando os trevos de entrada na cidade. Não queremos atrapalhar quem não tem nada a ver com isso”, destaca um dos líderes do movimento em Igarapé, Sidney Nascimento.
Apesar do discurso, o caminhoneiro Reginaldo Moreira, de 35 anos, passou por uma situação de tensão em Igarapé, quando foi obrigado por colegas da categoria a estacionar. Passando mal, ele tentou seguir viagem mas acabou cedendo aos apelos dos outros caminhoneiros. Ele conta que saiu de BH as 20h45 de quinta-feira, com destino à Machado, no Sul de Minas, mas não conseguiu passar de Santa Terezinha de Minas. Sem comida ou água, ele permaneceu parado durante toda a noite até desistir da viagem e tentar voltar. Ele conseguiu furar os bloqueios e pegar a estrada no sentido contrário até ser parado em Igarapé. “Não é assim que funciona. A greve é válida, mas se não for para trabalhar é melhor deixar o caminhão na empresa e não atrapalhar a rodovia. De jeito que está, está errado.” O movimento atrapalhou a vida de Helena Jorio, de 75 anos. Ela está acostumada com o trajeto entre Varginha e Belo Horizonte. Contudo poucas foram as vezes em que a viagem foi tão sofrida. “Estou me sentido péssima. Isso é greve de bandido, não deveria poder ter greve desse tipo em que a gente que é penalizada”, destaca.
Atrasos de até 20 horas
Se, por um lado, passageiros ficaram bastante prejudicados com os atrasos e cancelamentos de viagens de ônibus, para as companhias as perdas também foram significativas. Às vésperas de encerrar o período de férias escolares, o fim de semana deveria ser de faturamento alto, mas, muitas famílias decidiram cancelar passagens e pedir reembolso do valor pago antecipadamente. No Terminal Rodoviário Governador Israel Pinheiro (Tergip), em BH, boa parte das saídas previstas para o Sul do estado foram canceladas e todas as chegadas tiveram atrasos. Na Expresso Gardênia, que faz a ligação de Belo Horizonte com cidades do Sul de Minas, apenas ontem foram feitos 92 pedidos de devolução de dinheiro, sendo que a média mensal é de 60. Além disso, clientes revoltados com os atrasos já anteciparam que vão à Justiça reclamar danos morais.
Um ônibus da companhia que deveria fazer o trajeto BH-Alfenas em seis horas só conseguiu concluir o trajeto depois de 26 horas. Numa outra viagem, o percurso da capital até Lavras deveria durar três horas, mas, passado um dia, ainda não havia sido encerrado. Com isso, a empresa passou a orientar os clientes a desistir das viagens, mas, mesmo assim, muitos insistem em seguir sem saber o horário que chegarão ao destino. “Para a gente, a paralisação foi o pior negócio. É um desfalque violento. Nossos passageiros não chegaram. E tem mercadorias paradas há horas, desde material cirúrgico e papelada para licitação até o sêmen de bois premiado, que se perderam no caminho”, afirma a gerente comercial da Expresso Gardênia, Claudilene Carvalho de Assis, recordando que o material genético está avaliado em R$ 100 mil. Nos próximos dias, ela não sabe como será a programação das viagens.
Cenário semelhante se repete na empresa Campo Belo, que atende a mesma região. Das quatro saídas da capital para o interior do estado previstas para ontem, apenas uma saiu, mas com a certeza de atraso. “Estamos orientando aqueles que compram passagens sobre os atrasos. Eles já estão cientes, mas pedem para viajar”, afirma o gerente da filial de Belo Horizonte, Renan Higino.
Encomendas enviadas pelos Correios também devem demorar uns dias mais para chegar aos destinatários, principalmentes aquelas vindas de São Paulo. A empresa afirma que, apesar de os caminhoneiros contratados por eles não terem aderido à greve, os caminhões ficaram impedidos de passar pelas estradas. Em nota, os Correios informam que “para que o serviço e as entregas sejam normalizados” é preciso que seja feita a liberação das rodovias. (PRF)