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Estado de Minas

"Vivemos uma revolução silenciosa", diz Guido Mantega

Em entrevista exclusiva ao EM, ministro da Fazenda diz que virada da economia já começou e garante que pacote de incentivo a ser anunciado esta semana vai acelerar investimentos e fazer país crescer 4% este ano.


postado em 12/08/2012 07:08 / atualizado em 12/08/2012 11:19

"É preciso que todos entendam que há limitações orçamentárias e a prioridade do governo neste momento é incentivar os investimentos produtivos. Mas isso não quer dizer que não daremos aumentos" (foto: Breno Fortes/CB/D.A Press. Brasil)

 

Brasília – Em meio à guerra travada entre o governo e os servidores federais, que reivindicam aumento de até 56% no ano que vem — pleito que, se atendido, custará R$ 92,2 bilhões anuais aos cofres públicos —, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, prega o bom senso. Ele garante que o funcionalismo já foi agraciado com reajustes salariais expressivos no governo Lula e, na média, a maior parte das carreiras ganha mais do que trabalhadores da iniciativa privada que exercem funções semelhantes. Na sua avaliação, com o país ainda sentindo os efeitos da grave crise internacional, o governo tem por obrigação estabelecer prioridades. E, neste momento, elas são os investimentos em infraestrutura.

Isso não quer dizer, no entender de Mantega, que o governo deixará de contemplar categorias nas quais se identifiquem distorções salariais, como é o caso dos professores universitários, que receberão aumento de até 45% nos próximos três anos. Ele ressalta também que não há nenhuma discriminação da presidente Dilma Rousseff em relação ao funcionalismo. Tanto que ela concedeu, neste ano, reajuste de 4,5% a boa parte dos servidores, mesmo com todas as restrições orçamentárias.

Para o ministro, a hora é de focar na retomada do crescimento econômico, que trará benefícios a todos, não apenas a um grupo específico. A seu ver, a virada da economia já começou e uma revolução silenciosa está se consolidando para sustentar o avanço consistente da atividade assim que o quadro internacional desanuviar.

Mantega garante que o repique da inflação em julho não muda os rumos da política monetária do país — leia-se corte de juros —, avisa que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal forçarão os bancos privados a reduzirem as taxas cobradas de consumidores e empresas e prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) fechará o ano com um ritmo de expansão de 4%. "A taxa média de crescimento ideal para o Brasil, no entanto, é de 5% ao ano", diz. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que o ministro concedeu ao Estado de Minas.

Por que a economia brasileira parou de crescer?

O Brasil não parou, apenas desacelerou, em função, principalmente, do agravamento da crise internacional, que teve consequências nos mercados mundiais, que encolheram. Com o fechamento de importantes mercados, como os da Europa, e o baixo dinamismo dos Estados Unidos, grandes exportadores como Alemanha e China se desesperaram. Os países asiáticos em geral são essencialmente exportadores e não têm mercado interno capaz de absorver a própria produção, elevando o seu interesse em exportar para os mais diversos mercados do mundo. O Brasil, que tem um dos mercados mais dinâmicos e um dos que mais crescem no mundo, acabou sofrendo uma invasão de importados. Em 2011 e neste ano, assistimos a um avanço extraordinário das importações. É natural que houvesse esse grande interesse pelo Brasil.

Um exemplo da invasão de importados foi o setor automotivo?

Exato. O país se tornou, no período, o terceiro maior comprador de automóveis, superando a Alemanha e ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Eu olhava esse avanço nos gráficos do comércio de carros, com a participação dos importados saindo de 10% para 15% e, depois, para 20%, até o ponto de nos levar a tomar a medida de elevação do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), para dar uma segurada. Não podíamos permitir isso, pois queremos consolidar a indústria brasileira como uma das maiores do mundo. E o problema não envolveu apenas carros, mas também os têxteis, os bens de capital, entre outros setores. Nossos concorrentes manipulam o seu câmbio, desvalorizando as suas moedas. Ainda lançaram mão de todo tipo de subsídios disfarçados para nos exportar a preço de banana. A nossa indústria perdeu espaços em um mercado doméstico que vinha crescendo, com boa parte do crescimento sendo aproveitado pelos importados.

O governo não demorou para agir e proteger um setor estratégico como a indústria?

Agimos a todo momento. Ao mesmo tempo em que aumentamos o IPI sobre carros importados mudamos a nossa política cambial, deixando-a mais ativa, de modo a não permitir a valorização do real. Para isso, tivemos de controlar a entrada de capitais — não o produtivo, de investimentos, mas o financeiro e especulativo. Fizemos barreiras e aumentamos as reservas internacionais do país. Estamos hoje com uma situação cambial bem mais favorável. Se perceber, o dólar vale hoje 30% mais do que há um ano. Isso significa que melhoramos o custo brasileiro em 30% em relação à moeda norte-americana, desde mão de obra a tudo o mais, com as empresas voltando a ter mais competitividade. No campo monetário, promovemos a redução mais acentuada da taxa básica de juros (Selic), reduzimos o custo dos financiamentos. Em reforço, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) reduziu suas taxas de crédito para a compra de máquinas e equipamentos. Todas as linhas tiveram redução, a partir da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo). Barateamos muito o custo total do investimento. Com isso, para construir uma hidrelétrica, por exemplo, o custo é de 5,5% da TJLP mais 0,5% anual, com prazos e carências variáveis, de um a três anos.

Mas ainda estamos longe de ser um país competitivo para a produção.

Sempre há o que fazer para ampliar a competitividade do país, e vamos avançar nessa direção. Já baixamos o custo da folha de pagamento de 15 setores industriais com uso mais intensivo de mão de obra, como têxtil, calçados, bens de capital, móveis, tecnologia da informação e autopeças. O custo da mão de obra vai cair sem prejudicar o trabalhador, diminuindo os encargos patronais. Outros setores também serão incorporados em breve nessa desoneração, conforme estudos em andamento no governo. Com a redução dos custos tributário, cambial, financeiro e de infraestrutura, acreditamos estar devolvendo a competitividade à indústria brasileira, para que tenha condições de enfrentar a atual adversidade da conjuntura. Os resultados positivos disso começaram a aparecer. Temos de continuar reduzindo esses custos. Não tenho dúvidas de que, quando o cenário externo adverso mudar para melhor, nada vai segurar o crescimento do país, pois a indústria estará mais competitiva. O agronegócio, por sua vez, ainda não sofreu perdas e continua competitivo.

São muitas as críticas de que, para combater os efeitos da crise mundial, o governo tem se focado em medidas para o consumo em vez de investimento. Isso mudou?

É um equívoco dizer que o governo não tem priorizado o investimento. Nos últimos anos, fizemos uma série de desonerações tributárias que baratearam fortemente o custo de se investir no Brasil. O resultado disso foi que a taxa de investimento cresceu significativamente, passando da casa de 16% para quase 20% do PIB (Produto Interno Bruto). Enquanto isso, a participação do consumo no PIB perdeu um pouco de espaço, embora permaneça acima de 60%. Com a crise, de fato fizemos algumas medidas de estímulo ao consumo, como as reduções de IPI de linha branca, móveis e automóveis. Mas continuamos a priorizar os investimentos. Por exemplo: o IPI para material de construção está zerado desde 2009. O programa de Sustentação do Investimento (PSI) já liberou mais de R$ 200 bilhões desde 2009 e continua vigente em 2012, com taxas reduzidas para 5,5% ao ano para aquisição de máquinas e equipamentos. O Brasil nunca teve taxas de juros tão baixas para o investimento.

Mas os empresários continuam muito desconfiados. Não se animam a retirar das gavetas os projetos de expansão da produção que foram engavetados. O que o governo fará para retomar convencer os industrias de que vale à pena ampliar fábricas e contratar mais?

Nesta semana, o governo vai lançar a primeira fase de um grande programa de expansão dos investimentos em infraestrutura, que se somará aos investimentos em petróleo e gás, que estão entre os maiores do mundo, aos da indústria automotiva, entre outros. Só a Petrobras investirá mais de R$ 80 bilhões, e a Vale cerca de R$ 40 bilhões. Com essas medidas e o cenário de retomada da economia neste semestre, tenho certeza de que os investimentos voltarão a se acelerar. Muitos empresários ficaram temerosos com a recaída lá fora, diante da incapacidade da Europa de resolver rapidamente seus problemas. Mas vão perceber que o Brasil está em um momento muito bom, fazendo uma reforma estrutural. Isso ficará claro a partir do ano que vem. Veremos um país novo, com uma política monetária favorável, ancorada em um ajuste fiscal sólido. Estamos vivendo um revolução silenciosa que beneficiará a todos.

Hora da retomada

Fala-se em mais desonerações do setor produtivo em um momento em que o ritmo de crescimento das receitas está em queda e há forte pressão dos servidores públicos por aumentos. Como conciliar isso?

A prioridade do governo neste momento é estimular o crescimento da economia por meio dos investimentos, que darão a dinâmica do PIB. Sabemos que há limitações orçamentárias. Por isso, vamos estabelecer prioridades. Além da ampliação do processo de desoneração da folha de salários de setores intensivos de mão de obra, vamos fazer uma nova rodada de concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Será um conjunto de medidas que só favorecerá o crescimento econômico. Vemos hoje um país que está multiplicando a riqueza. Nunca os empresários ganharam tanto.

E os servidores? Como o governo resistirá às fortes pressões por aumentos de salários?

É preciso que todos entendam que há limitações orçamentárias e a prioridade do governo neste momento é incentivar os investimentos produtivos. Mas isso não quer dizer que não daremos aumentos. Foi feita uma proposta (de correção de até 45%) aos professores de universidades federais, pois a educação é considerada prioritária pela presidente Dilma. Vamos olhar outras carreiras. Mas é importante deixar claro que, na média, o funcionalismo tem salários muito maiores do que os pagos na iniciativa privada.

A maior queixa dos servidores é de que a presidente Dilma lhes dispensa um tratamento diferente do dado pelo ex-presidente Lula. Há diferenças entre os dois governos em relação ao funcionalismo?

Não vejo grandes diferenças. É preciso olhar para trás e ver o que ocorreu. Em 2003, como ministro do Planejamento do recém-empossado governo Lula, tive que fazer um grande ajuste fiscal. Promovemos um corte expressivo nos gastos, entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões. Com isso, conseguimos dar reajuste de apenas R$ 60 para cada servidor, o que provocou grande gritaria. Em 2004, o aumento para ao funcionalismo tambémfoi pequeno. De 2006 para cá, com a economia crescendo mais, assim como a arrecadação, foi possível conciliar três coisas: dar bons reajustes aos servidores, ampliar os investimentos e fazer um sólido ajuste fiscal, que derrubou a dívida pública. Esse é o modelo ideal. Agora, não vivemos o mesmo quadro. Portanto, temos de definir prioridades. Não se pode esquecer, ainda, que a presidente Dilma deu reajuste de 4,5% a boa parte do funcionalismo.

Com os estímulos aos investimentos e os reajustes, mesmo que seletivos, aos servidores, será possível o governo cumprir a meta cheia de superávit primário, de 3,1% do PIB neste ano e nos próximos?

Temos cumprido rigorosamente as metas fiscais estabelecidas, mesmo em um quadro de desaceleração das receitas. Basta ver o resultado até junho. A política fiscal sólida que o governo tem praticado nos últimos anos viabiliza a nova matriz macroeconômica do país, com juros reais estruturalmente mais baixos e taxa de câmbio mais competitiva, cujos efeitos revolucionários na economia serão sentidos ao longo do tempo.

A presidente Dilma está apostando tudo nos pacotes que serão divulgados nos próximos dias. O senhor acredita que o país conseguirá retomar o crescimento de forma consistente sem pressionar a inflação?

Sem dúvidas. E uma boa taxa anual de expansão da economia do país é de 5%, na média. Isso quer dizer que num ano pode ser 3%, noutro 6%, de modo que a média de 5% seja obtida. Não precisamos buscar 5% todo ano. Isso lembrando que nossos parceiros comerciais vivem gerando alguma crise vez por outra. Não existe capitalismo sem crise. Acredito que, com o aumento dos investimentos, o crescimento continuará sustentado. Nossa capacidade produtiva já vem subindo e se refletindo positivamente no chamado PIB potencial. Em 2009, o crescimento ficou perto de zero (- 0,3%), e desta vez não ficou negativo (2,7% em 2011). Acredito que estamos superando as dificuldades geradas pelo contexto externo. Depois de um primeiro semestre fraco, estou focado na retomada neste semestre e em como a economia vai entrar no próximo ano. Meus cálculos são de que chegaremos ao fim deste ano ao ritmo de 4% e assim começaremos 2013, mantendo ações conjunturais e estruturais. O importante também é que continuaremos prontos para minimizar os impactos da crise.

Na semana passada, o senhor deu um novo puxão de orelhas nos maiores banqueiros do país. Mas o crédito permanece restrito. Está se confirmando a teoria da Febraban, de que “não se pode obrigar o cavalo a beber água, mesmo estando à beira de um rio”?

Os bancos têm de oferecer mais crédito e eles ainda não estão fazendo isso. Melhoraram só um pouquinho. É algo que pode melhorar muito no Brasil. Quem está fazendo de verdade esse trabalho, baixando as suas taxas e ofertando empréstimos e financiamentos, são o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. As instituições privadas estão expandindo pouco o crédito. Houve só alguma melhora no crédito automotivo. A Caixa e o BB ganharam mercados, mas isso não é suficiente para atender a demanda. O crescimento e a recuperação da economia seriam bem mais fortes se os bancos privados acompanhassem as instituições públicas. As empresas estão tomando crédito para, pelo menos, amortizar os empréstimos já contratados, um movimento natural em qualquer lugar do mundo. E olha que as empresas brasileiras já trabalham menos endividadas que a média global. Até acredito que os bancos podem ter uma dificuldade operacional em ampliar o crédito, de modo a suportar ao aumento das operações e dos clientes, mas eles precisam fazer isso.

Mas os juros cobrados pelos bancos continuam muito altos.

Os spreads bancários (diferença entre o que os bancos pagam aos investidores e o que cobram dos devedores) não são justificáveis, são muito altos. A queda dos spreads até agora equivale a pouco mais que o repasse das reduções dos juros básicos (Selic) e do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Se os bancos privados olhassem o balanço divulgado recentemente pela Caixa, veriam que reduzir juros é um bom negócio. Não dá prejuízo, mas lucro, além de diminuir a inadimplência do consumidor. Em encontro que tive há pouco com os bancos privados, senti que eles tendem a melhorar as taxas, mas lá pelo fim do ano.

Não foram apenas os bancos que se recolheram. Os consumidores, já bastante endividados, também botaram o pé no freio.
De fato, os consumidores brasileiros se intimidaram no primeiro semestre, em razão da crise internacional. Mas a Serasa já mostrou que isso está mudando. A demanda por crédito entre as pessoas físicas subiu 8% em julho ante junho. Em resumo: o apetite do consumidor está voltando e precisa haver uma correspondência por parte dos bancos. Crédito é vital para a retomada da economia. A equação é simples: a expansão do consumo reflete o tamanho da renda do trabalhador e da classe média somado ao tamanho do crédito. Se os bancos se negam a expandir o crédito, a retomada perde a metade do seu impulso.

Banco do Brasil e Caixa são fortes o suficiente para impulsionar o mercado de crédito?

Juntamente com o BNDES, os bancos públicos representam hoje cerca de 50% do crédito. Com as recentes expansões, estão compensando a falta de apetite que as instituições privadas estão demonstrando. Portanto, seria importante que elas dessem sua contribuição para uma recuperação mais rápida da economia brasileira, reduzindo os spreads altíssimos que ainda praticam e liberando crédito com menos parcimônia. Em 2009, os bancos públicos aceleraram o crédito e ganharam mercado, levando as instituições privadas a serem mais agressivas no momento seguinte.

O senhor estimula a oferta maior de crédito, mas a inflação oficial de julho deu um forte salto, para 0,43%. Isso não preocupa o governo? Pode mudar a política de corte de juros.

A inflação deste ano, no acumulado até junho, veio em um ritmo menor do que em 2011. Tenho elementos para dizer que há uma margem para suportar pequenas altas pontuais, como a do mês passado. Não acreditamos também que ela vá se repetir nos próximos meses. Quanto ao corte de juros básicos, a pergunta tem de ser feita ao Banco Central.

Os juros estão no menor patamar da história, mas nem isso está impulsionando a economia. Por quê?

É importante lembrar, em primeiro lugar, que a redução da taxa de juros tem defasagem. O impacto não é imediato, leva de seis as nove meses para surtir efeito. Além disso, a crise europeia tem retardado essa reação, mas é inevitável que ela ocorra.

Quando será a hora da virada da economia brasileira?

Creio que a retomada da economia brasileira já começa a ocorrer de forma consistente, refletindo as ações que temos feito desde 2011 e cujo impacto é defasado no tempo. Este segundo semestre será bem melhor que o primeiro.

Como o senhor avalia a atual fase da crise europeia? O pior já passou?

Apesar de alguns sinais mais favoráveis dados recentemente por autoridades europeias, a crise na região ainda não está resolvida. Ainda há muita incerteza em relação à economia europeia e é necessário que as autoridades do continente sejam mais ágeis na busca e implementação de soluções para a crise.


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