Vizinhas do trecho que ligava o Bairro General Carneiro, em Sabará, a vários municípios da Região Central do estado, Cecília de Jesus, de 93 anos, e Dalva de Lourdes Silva, de 58, acompanham de perto a desintegração da linha férrea que já foi o principal meio de transporte dos moradores da região. Desativada há 16 anos, a ferrovia percorre 84 quilômetros até a Estação Miguel Burnier, em Ouro Preto, e se divide em várias linhas de acesso aos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Vim de Coronel Fabriciano para a capital há 60 anos, de trem, e desembarquei nessa mesma linha que hoje já não existe mais. Era um transporte muito usado por trabalhadores que migravam para a cidade, mas só tinham condição de morar na periferia. A linha também era usada para transportar mercadorias e cargas, mas foi ficando cada vez mais jogada às traças, apesar das promessas de que seria reformada”, lamenta Cecília.
A decepção com o abandono dos trilhos é compartilhada por outra vizinha antiga da ferrovia, cerca de 30 quilômetros à frente. Em Santo Antônio de Roça Grande, em Sabará, a aposentada Maria dos Santos Souza, de 78, lembra a época em que os trens eram a principal forma de locomoção dos mineiros e saíam duas vezes por dia levando trabalhadores e moradores para a capital. “A linha era a opção que tínhamos para ir para a cidade durante os anos 1960 e 1970. Lembro-me de levar os meninos de trem para o médico e ir passear com a família nos fins de semana. Hoje, são os ônibus e carros que ganharam espaço e se tornaram a única opção. Não precisamos voltar ao que tínhamos antigamente, já que os trens de madeira que saíam apenas uma vez por dia não atendem mais a demanda, mas também não podemos deixar essa quantidade de aço em ótima condição apodrecer desse jeito”, cobra Maria dos Santos.
No lixo
O pesquisador do Instituto de História e Geografia do Alto Rio das Velhas (Ihgar), Lincoln Alves de Oliveira, que mora em Raposos, na Região Metropolitana de BH, também assiste com tristeza a deterioração da estação ferroviária municipal nos últimos 20 anos. Segundo ele, o espaço que hoje está sendo usado pela Secretaria Municipal de Cultura já foi responsável pelo povoamento e recuperação econômica do município. “No início do século passado, quando o arraial estava em franca decadência, com as pessoas pensando em se mudar da região, essa ferrovia garantiu que Raposos renascesse. Sinto que algo que foi construído com muito sacrifício e poderia representar uma ótima opção para o desenvolvimento da região está sendo jogado no lixo”, afirma.
Sobre a viabilidade da recuperação dos principais trechos na região metropolitana, o pesquisador ressalta que, em projetos que pretendem melhorar a mobilidade, a principal avaliação que deveria ser feita pelos governantes diz respeito às melhorias que as ações poderão representar para a população. “Claro que a relação entre custo e benefício deve ser avaliada, mas não deve ser pensado somente como um transporte que deve dar lucro para alguma empresa, e sim garantir mais qualidade de vida para as pessoas. Também não podemos pensar essa modalidade de transporte apenas como opção para a exportação de minério, temos grandes demandas de empresas menores que também precisam de novas opções de mobilidade”, ressalta Lincoln.