Enquanto as pequenas empresas de varejo se esforçam para ultrapassar os primeiros três anos de atividade – período crítico para a sobrevivência desse tipo de negócio –, nomes tradicionais continuam resistindo ao tempo, apostando em uma receita que mescla experiência e inovação. Afinal, é a reinvenção do próprio negócio a principal responsável pela resistência e lucro crescente de quem está no mercado há décadas. Em Belo Horizonte, empresas do varejo com idade entre 50 e 80 anos estão investindo em reformas, mudanças de layout e no melhoramento de suas relações com os clientes. Como resultado, têm alcançado crescimento de até 30% no faturamento anual.
Para fazer frente ao mercado, estabelecimentos deixaram de investir apenas na comercialização de produtos e na continuidade dos negócios e focaram no objetivo de serem mais competitivos. Com o intuito de ir além do “arroz com o feijão”, os empresários estão promovendo experiências de compras diferenciadas e apostando em um novo modelo de negócio, que ofereça sempre novidades ao consumidor. Segundo o diretor-executivo da Serenata – fundada em 1966 –, Rogério Garcia Bousas, grandes ou pequenas, as alterações precisam ser feitas para diferenciar quem está no mercado há mais tempo. “Para dar continuidade a um processo estruturado há muitos anos é preciso agregar valor. O status natural de uma empresa deve ser de mudança.”
A vontade de inovar fez com que Rogério, que comanda a empresa desde os 18 anos, mudasse a cara da antiga loja e a transformasse em um negócio que cresce cerca de 15% ao ano. A cada quatro meses ele inaugura uma loja. O crescimento da empresa, que só este ano contratou 45 colaboradores, é justificado pela mudança no modelo de negócio que contemplou alterações na logomarca, layout das lojas e expansão, inclusive para Goiânia e Brasília. “As formas de se comunicar com o cliente também vão mudando e é preciso acompanhar esse público de 8 a 80 anos, que é cada vez mais exigente”, considera. “Com o advento da internet, esse novo consumidor tem acesso ao mundo inteiro e necessariamente não quer apenas comprar, mas também experimentar os produtos e interagir. É isso que passamos a oferecer”, pondera.
Também estruturada nos moldes tradicionais, a Sorveteria São Domingos, de 1933, não deixa de inovar. Há 79 anos no mercado, a loja não passou por reformas físicas recentes, mas aposta em modificações no relacionamento com os clientes para se manter viva. Segundo o proprietário, Domingos Dias Montenegro, é justamente a tradição o fator que mais atrai os clientes para a sua loja, mas a solidez não permite abrir mão de um bom atendimento. “A tradição da loja é um atrativo, mas entendemos que o consumidor mudou e que não podemos ficar estacionados”, comenta. “Portanto, estamos sempre atentos às tendências de mercado e hoje trabalhamos para atender não só público já cativo, mas também atender a continuidade dos nossos clientes, que são seus filhos e netos”, diz. Para isso Montenegro investe na criação de novos sabores e até na divulgação da empresa via redes sociais como forma de “rejuvenescer” o negócio. “Temos um perfil no Facebook, onde tentamos extrair as observações, dicas e percepções do cliente como forma de aprimorar a sorveteria”, conta. “Também aproveitamos o boom do açaí, por exemplo, para desenvolver o sorvete da fruta, que é febre entre os fregueses mais jovens”, acrescenta.
Oferta ampliada na web
Bons produtos, bons preços e bom atendimento. Independentemente da idade do negócio, essa é a receita básica para atrair clientes para as lojas. Quando se trata das lojas de rua, no entanto, o desafio parece colossal. Cada vez mais voltados para a conveniência dos shopping centers e seduzidos pelas facilidades oferecidas no momento da compra, os clientes, em alguns casos, acabam se afastando do comércio de rua em busca de comodidade. Revitalizações como as do Centro e da Savassi, em Belo Horizonte, tentam tornar mais agradável a vida dos pedestres e, consequentemente, aumentar o fluxo de consumidores nas calçadas. Ainda assim, é preciso enxergar além das oportunidades. “Temos de estar onde o cliente precisa. Não podemos esperar que ele chegue até nós. Porque um estacionamento mais difícil, por exemplo, pode ser um impedimento enorme”, comenta Rogério Garcia Bousas, da Serenata Instrumentos. “Antes, o consumidor ia às lojas, mas entendo que as lojas também têm que se preocupar em ir até o consumidor neste novo momento”, acrescenta.
Para se aproximar desse consumidor mais exigente e seguir no rastro da inovação, os tradicionais estão investindo na internet para atender a demanda, participar do universo dos consumidores e entender o que eles anseiam. “Contratamos uma empresa para gerir nosso perfil na rede, mas quero gerir o perfil pessoalmente para absorver melhor as impressões dos clientes e também as sugestões. Só assim eu consigo levar quem não conhece à loja e fazer o que conhece voltar lá”, comenta Domingos Dias Montenegro, da Sorveteria São Domingos.
O movimento de Rogério Bousas foi mais arrojado, ampliando o número de lojas e levando o novo modelo de negócio para a internet, com uma loja virtual turbinada. “Quis também cercar o meu cliente com opções no BH Shopping, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e agora decidimos expandir o negócio além de Minas, com duas unidades previstas para Brasília e Goiânia”, conta.
O que é bom tem que ficar
O proprietário da loja Casa da Sogra, de 1934, Marcelo Ribeiro Lima, entrou para o negócio há seis anos com a missão de extinguir a imagem de “negócio decandente” e transformar a antiga loja de tecidos em um espaço arrojado. “Precisamos ter diferenciais. A loja de tecido por si só já é um negócio muito raro e para ser atrativo precisa estar em um ambiente iluminado, bem decorado e montado”, justifica. Depois de quatro anos à frente do negócio, Marcelo investiu cerca de R$ 170 mil na reforma da loja, nova exposição de produtos e modernização dos equipamentos. “O faturamento do mês imediatamente após a reforma é 30% maior que o do mês anterior às mudanças. O motivo é o interesse do belo-horizontino por estar em um ambiente confortável, mas que também tenha alguma tradição de mercado”, lembra. O retorno da nova forma de encarar a tradição mostra resultados no faturamento da empresa, que cresce 30% ao ano. No entanto, para manter o padrão de qualidade no atendimento Marcelo considera fundamental não abrir mão dos funcionários que acompanham seu negócio há anos. “Meu funcionário mais novo tem 28 anos de casa e tê-los conosco faz a diferença no momento de atender os antigos clientes e também na hora de cativar os novos”, conta.
A tradição do negócio às vezes se confunde com a do imóvel em que ele está instalado, como é o caso da Casa Salles. Tombado pelo patrimônio histórico de Belo Horizonte, o imóvel que abriga o negócio tocado por Consuelo Cançado Salles, bisneta do fundador, só pode sofrer pequenas reformas internas. A casa, especializada em armas e pesca, surgiu em Ouro Preto, em 1881, e antes da fundação de Belo Horizonte (1897) transferiu as atividades para a cidade em 1894. Consuelo conta que se aproveita como pode do tradicionalismo da loja, mas sem deixar de inovar na oferta de novos produtos. “Somos conhecidos pelo conhecimento em armas, facas, tesouras e pesca, mas não deixamos de agregar novos produtos porque nossa clientela também vai mudando”, considera. “Mas muitos ainda frequentam nosso espaço pela história que temos guardada nos nossos móveis, por exemplo, que têm mais de 130 anos”, lembra.