Com um orçamento familiar de pouco mais de R$ 1,2 mil, a empregada doméstica Maria Aparecida Vicente Coutinho Newman afirma gasta praticamente todo o seu salário com despesas com comida e remédios. Ela vive de aluguel com o marido e o filho de 1 ano em uma quitinete no município de Queimados, na Baixada Fluminense, e toma quatro conduções para chegar na residência onde trabalha, na zona sul do Rio. Maria Aparecida é um retrato da realidade brasileira apontada pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada hoje (14) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estudo mostra que empregados domésticos comprometem 23,3% de seu orçamento com alimentação - mais do que o dobro do percentual do orçamento gasto pelos empresários com comida (11,5%).
“Depois de comida vem remédio e aluguel. Agora, com o neném, o custo aumentou mais ainda. E olha que só compro o básico, tudo certinho, mais o grosso e o básico”, comentou ela sobre suas idas ao supermercado.
O mesmo movimento ocorre em relação aos gastos com saúde e aluguel: os empregados domésticos têm aproximadamente 18% de seu salário comprometidos com aluguel e 4% com assistência à saúde. Já os empresários e empregados públicos gastam 9,8% de suas rendas com aluguel e 5,4% com saúde. Os trabalhadores privados 12,1% e 4,6%, respectivamente.
Para reverter esse quadro de desigualdade na distribuição de renda, a economista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Maria Beatriz de Albuquerque David argumenta que é fundamental mudar a estrutura tributária do país que hoje, segundo ela, impacta os desiguais de forma igual.
“O Brasil não tem nenhuma política de taxação de ganhos excepcionais em distribuição de riqueza, apenas de distribuição de renda entre assalariados. A política tributária brasileira é muito regressiva, os tributos são praticamente indiretos, ou seja, independem do nível de renda, com exceção do Imposto de Renda, que taxa pouco o lucro de capital, porque você pode jogar muito de suas despesas nas empresas e ter seu patrimônio em nome na empresa.”
Os dados sobre o espaço para aumentar o patrimônio também revelam as desigualdades sociais no país. Enquanto trabalhadores domésticos têm 2,2% do orçamento com o aumento de patrimônio essa proporção para empresários é quase cinco vezes maior (9,9%). O percentual dos trabalhadores públicos e privados são 5,7% e 5,1%, respectivamente.
“Quanto menor o seu salário, mas comprometido ele está com as necessidades básicas: alimentação, moradia, saúde e educação. A última possibilidade é o patrimônio. Além disso, o acesso ao crédito é diretamente proporcional às garantias que você pode proporcionar”, explicou a professora.
De acordo com o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) Fernando Holanda Barbosa Filho, o aumento do nível de escolaridade média do país e a diminuição da pobreza devem contribuir para reduzir o número de empregados que trabalham em residências.
“Nos países desenvolvidos só quem tem empregada doméstica é rico. As pessoas estão frequentando escolas e isso dá a elas melhores possibilidades de trabalho. Esse processo já vem ocorrendo, o salário do empregado doméstico está aumentando e acredito que a tendência seja que, aos poucos, o Brasil tenha cada vez menos empregados domésticos,” comentou.