As famílias brasileiras gastam quase cinco vezes mais com transporte privado do que com o público, segundo estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) para medir o custo do transporte urbano no Brasil. A principal consequência disso é que 15,2% da renda familiar é comprometida apenas com o transporte. Em Minas, essa é relação é um pouco menor (14,29%), mas retrata o elevado custo das duas categorias de mobilidade.
O estudo foi feito com base em dados da Pesquisa de Orçamento Familiar de nove estados (Ceará, Pará, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, além de Minas) e mostra quanto as famílias destinam do orçamento para quitar despesas relativas ao transporte. E, dada a política governamental de priorizar meios privados em detrimento dos públicos, a fatia de comprometimento da renda tende a aumentar.
No interior do país, a discrepância entre os gastos com transporte público e privado é ainda maior que nas capitais. A relação dos gastos nessas cidades é igual a 8,5 vezes no comparativo entre particular e coletivo, enquanto nas capitais esse relação é de apenas 3,8 vezes. A diferença se dá porque no interior os meios públicos são ainda mais sucateados, o que praticamente obriga a população a usar veículos próprios. Segundo o autor do estudo e técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, Carlos Henrique de Carvalho, no interior as linhas de ônibus não vão a todos os destinos necessários e a frequência também é bem menor. “Isso faz com que muitas pessoas invistam na aquisição de motos. No interior, proporcionalmente, essa frota cresce ainda mais rápido que a de outros veículos”, afirma.
Considerando as cidades do colar metropolitano (segundo o pesquisador, são aquelas periféricas), a relação entre os gastos com transporte privado e público é a menor entre as três regiões pesquisadas. Isso se dá porque os moradores dessas cidades usam principalmente ônibus para se locomover e, por serem distâncias mais longas, acabam por pagar mais pela tarifa. Com isso, para piorar, comprometem percentual maior da renda com transporte. Enquanto no interior o custo da mobilidade equivale a 15,9% da renda e na capital essa relação é de 13,8%, no chamado colar metropolitano fica em 16,4%, além de a renda dessa parcela também ser a menor. “As pessoas de baixa renda são punidas duplamente. Elas se deslocam menos e, quando o fazem, pagam mais”, afirma Carvalho.
A estudante Ana Mara Amaral é exemplo da tentativa de reduzir os gastos. Ela mora na Serra, na Região Centro-Sul de BH, e, para economizar, ela e o marido têm apenas um carro. Com isso, ele a leva para a faculdade e ela faz atividades rotineiras de ônibus. “Se fizesse tudo de ônibus, sairia mais barato, mas é mais cômodo e seguro que ele me leve, por ser à noite”, afirma Ana, que diz gastar entre 5% e 10% de sua renda com transporte. No caso do engenheiro Renato Salum, o sonho de voltar a usar transporte público de qualidade, como na época de estudante nos Estados Unidos, ainda está distante. A lentidão e a falta de conforto obriga a família a ter três carros na garagem, o que significa gastar quase 15% da renda com transporte. “Seria um sonho andar de ônibus”, afirma.
A predileção ser dada ao transporte privado e o público ser usado basicamente pela classe mais pobre, segundo o pesquisador, vem da falta de medidas polêmicas, como o aumento da gasolina e pedágio urbano, que desestimulassam os meios individuais. “Outro exemplo de contraincentivo é que as tarifas de ônibus, nos últimos anos, subiram acima da inflação, enquanto foram tomadas várias medidas para facilitar o acesso aos carros.”