Nova York – Dilma Rousseff e Barack Obama terão um rápido encontro hoje na sede das Nações Unidas (ONU), num momento em que Brasil e Estados Unidos andam às turras nas relações comerciais. Enquanto os norte-americanos reclamam da decisão do parceiro de aumentar, de forma sistemática, os impostos incidentes sobre importações, os brasileiros não se conformam com a decisão do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, de injetar US$ 40 bilhões mensalmente na maior economia do planeta até que o desemprego, que passa dos 8%, recue. Para o governo Dilma, essa medida promove “um tsunami monetário” no mundo, valoriza o real e tira a competitividade dos produtos nacionais no exterior. A líder brasileira vai deixar claro o seu descontentamento com o Fed no discurso desta manhã. Já os EUA ameaçam recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra o que classificam como protecionismo do Brasil.
Esse embate, somado à campanha pela reeleição de Obama, serviu para que os dois governos evitassem um encontro bilateral demorado durante a passagem de Dilma por Nova York. A expectativa dos diplomatas brasileiros, entretanto, é de que os dois presidentes troquem algumas palavras na Assembleia Geral das Nações Unidas, que a líder brasileira abrirá às 9h da manhã. Logo depois, será a vez do presidente norte-americano. “Creio que deverá imperar a cortesia no encontro entre os dois, apesar das desavenças na área econômica. Os dois lados têm argumentos de sobra para defender seus pontos de vista”, disse um ministro que participa da comitiva brasileira.
Ontem, Dilma se reuniu com o presidente da Comissão Europeia (CE), José Manoel Durão Barroso, por uma hora e meia, no Hotel St. Regis, onde ela está hospedada. O tema central da conversa foi a crise que assola a Zona do Euro. “Tive a oportunidade de conversar sobre as medidas adotadas (pelo bloco econômico). A vocês brasileiros, que gostam de futebol, posso dizer o seguinte: a primeira fase do jogo já passou. Estamos na segunda fase. E, contrariamente ao que dizem os apostadores, não perdemos nenhum jogador e ninguém foi expulso nem estamos perdendo o jogo”, disse Durão.
Dilma foi mais direta. Para ela, é importante que as medidas adotadas pela Zona do Euro — o Banco Central Europeu também está pondo caminhões de dinheiro na economia — não prejudiquem o Brasil, um país que se mantém numa situação econômica favorável e, se não for afetado, pode, inclusive, contribuir com soluções para a crise. Ela evitou usar a expressão “tsunami monetário”, adotada em uma viagem à Europa no ano passado, mas o sentido é o mesmo: o governo brasileiro tem ressalvas às medidas que afetam os países emergentes, sobretudo por meio da valorização de suas moedas, que deixam suas exportações mais caras.
Algum consenso
As declarações de Barroso coincidem com as de muitos analistas sobre a crise. Há quem diga que, sem as medidas adotadas na Europa e nos Estados Unidos, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil não chegaria nem aos tímidos 2% previstos pelo governo para este ano. Afinal, há um consenso entre os países de que uma recessão generalizada não interessa a ninguém. A conversa entre Dilma e Barroso começou com o presidente da CE levantando o tema do acordo comercial Brasil-União Europeia (UE), que vem sendo negociado há anos e sem um desfecho à vista por conta da crise na Zona do Euro. Além de acelerar um possível acordo, eles começaram a desenhar uma reunião de cúpula entre o Mercosul e a UE para janeiro de 2013.
Encerrada a conversa com Barroso, no início da noite, a presidente dispensou ministros e assessores e avisou que sairia para jantar com a filha, Paula, que a acompanha na viagem. Antes, as duas foram assistir a uma ópera. Assim, a líder brasileira não participou da recepção no Waldorf Astoria, que teve Barack Obama como anfitrião. Não foi a primeira vez que Dilma dispensou esse convite. No ano passado, ela também não compareceu a esse encontro que ocorre sempre às vésperas da abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Pelo menos neste caso, a ausência da líder brasileira nada teve a ver com o fato de Brasil e Estados Unidos estarem estremecidos comercialmente.
Na avaliação de Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e atual sócio da Barral MJorge Consultores, não há muito com o que se preocupar com a guerra comercial entre Brasil e EUA. “A troca de farpas tem um lado eleitoreiro dos Estados Unidos.” Para ele, a lista de 100 produtos que tiveram aumento do Imposto de Importação no país é pequena se comparada com a gama de produtos comprados dos norte-americanos. “Além disso, o Brasil elevou as tarifas até 25% e não ao máximo permitido, que é 35%”, destacou. Para ele, por ser um tema polêmico, Obama aproveitará para ganhar mais alguns votos questionando o protecionismo brasileiro.
Morde e assopra
Brasília – O Ministério do Desenvolvimento informou que divulgará, na sexta-feira, a nova lista de 100 produtos que terão aumento do Imposto de Importação, conforme acordado entre os países membros do Mercosul. Esses itens serão somados à outra centena que gerou críticas dos Estados Unidos. Porém, para reduzir o mal-estar com o governo norte-americano, às vésperas da participação de Dilma Rousseff e Barack Obama em assembleia na Organização das Nações Unidas (ONU), o Palácio do Planalto autorizou ontem a redução de tributos sobre 350 produtos que vêm de fora. O Imposto de Importação caiu para 2%. Os setores contemplados são ferroviário, petróleo e de bens de capital. Entre os países beneficiados estão Alemanha, EUA, Itália, França e China.
Apesar desse agrado, as queixas dos norte-americanos devem continuar, ainda que, na opinião do presidente da Associação de Comércio Exterior (AEB), a lista de importações punidas com tributos maiores é irrelevante em relação a todos os produtos comprados pelo Brasil. “Eu imaginava uma lista que pegasse produtos com peso na pauta de importação brasileira, mas não foi isso que aconteceu”, afirmou. Ele lembrou que a batata, um dos itens que geraram estranheza, apenas estimula compras da Argentina e não a local. Pelos cálculos da AEB, a lista da discórdia representa no máximo 4% do total das compras brasileiras, o que torna a medida inócua. “O custo da lista de produtos é muito pequeno. Mas transmite para o mundo uma imagem de protecionismo do Brasil”, afirmou.
Cartão amarelo para a Argentina
Washington – A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, disse ontem que a Argentina tem três meses para pôr em ordem as estatísticas oficiais e evitar um “cartão vermelho”, ou seja, uma censura pública ou até mesmo uma ordem de expulsão do organismo. O motivo da advertência é a falta de credibilidade dos dados a respeito da inflação e do Produto Interno Bruto (PIB) divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), cada vez mais contestados por entidades independentes, que acusam a Casa Rosada de manipular as informações.
Na semana passada, em comunicado, o Fundo havia expressado “preocupação” pela falta de progresso na melhoria das estatísticas e estabeleceu prazo até 17 de dezembro para que a questão seja equacionada. Ontem, Lagarde foi mais incisiva. "Agora, eles levaram o cartão amarelo e têm três meses para evitar o vermelho", disse a dirigente.
Se não conseguir reformular o sistema oficial de dados, a Argentina corre o risco de ser o primeiro país a ser expulso do FMI nos mais de 50 anos de história do organismo. O problema não é recente, e vem se agravando. O Indec garantiu que a inflação de 2011, por exemplo, ficou em 10,5%, enquanto os organismos oficiais das províncias apontaram uma alta superior a 20% e economistas independentes chegaram a calcular uma variação de 27%.
Neste ano, a discrepância persiste. Para o Indec, a inflação acumulada nos últimos 12 meses não passa de 9,9%, contra média de 23% das principais consultorias econômicas. Em vez de melhorar o sistema oficial, a presidente Cristina Kirchner preferiu tapar o sol com a peneira e chegou a proibir as consultorias privadas de divulgar suas projeções, o que apenas fez aumentar a certeza de que os indicadores oficiais são distorcidos para mascarar a realidade.
BARREIRAS O FMI também se queixa da falta de independência do banco central para conduzir a política monetária e de barreiras para obter informações. A Argentina é o único país do G-20 que não permite que o Fundo faça revisões anuais da situação da economia nacional.
Segundo Lagarde, a alusão dos cartões amarelo e vermelho, normalmente usados pelos juízes de futebol, se refere à gradação das punições a que o país está sujeito: em um primeiro momento, proibição de acesso a empréstimos, depois ao direito de voto e, eventualmente, após vários prazos, expulsão. Até hoje, no entanto, nenhum país foi excluído do Fundo, que conta com 188 membros.
Esse embate, somado à campanha pela reeleição de Obama, serviu para que os dois governos evitassem um encontro bilateral demorado durante a passagem de Dilma por Nova York. A expectativa dos diplomatas brasileiros, entretanto, é de que os dois presidentes troquem algumas palavras na Assembleia Geral das Nações Unidas, que a líder brasileira abrirá às 9h da manhã. Logo depois, será a vez do presidente norte-americano. “Creio que deverá imperar a cortesia no encontro entre os dois, apesar das desavenças na área econômica. Os dois lados têm argumentos de sobra para defender seus pontos de vista”, disse um ministro que participa da comitiva brasileira.
Ontem, Dilma se reuniu com o presidente da Comissão Europeia (CE), José Manoel Durão Barroso, por uma hora e meia, no Hotel St. Regis, onde ela está hospedada. O tema central da conversa foi a crise que assola a Zona do Euro. “Tive a oportunidade de conversar sobre as medidas adotadas (pelo bloco econômico). A vocês brasileiros, que gostam de futebol, posso dizer o seguinte: a primeira fase do jogo já passou. Estamos na segunda fase. E, contrariamente ao que dizem os apostadores, não perdemos nenhum jogador e ninguém foi expulso nem estamos perdendo o jogo”, disse Durão.
Dilma foi mais direta. Para ela, é importante que as medidas adotadas pela Zona do Euro — o Banco Central Europeu também está pondo caminhões de dinheiro na economia — não prejudiquem o Brasil, um país que se mantém numa situação econômica favorável e, se não for afetado, pode, inclusive, contribuir com soluções para a crise. Ela evitou usar a expressão “tsunami monetário”, adotada em uma viagem à Europa no ano passado, mas o sentido é o mesmo: o governo brasileiro tem ressalvas às medidas que afetam os países emergentes, sobretudo por meio da valorização de suas moedas, que deixam suas exportações mais caras.
Algum consenso
As declarações de Barroso coincidem com as de muitos analistas sobre a crise. Há quem diga que, sem as medidas adotadas na Europa e nos Estados Unidos, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil não chegaria nem aos tímidos 2% previstos pelo governo para este ano. Afinal, há um consenso entre os países de que uma recessão generalizada não interessa a ninguém. A conversa entre Dilma e Barroso começou com o presidente da CE levantando o tema do acordo comercial Brasil-União Europeia (UE), que vem sendo negociado há anos e sem um desfecho à vista por conta da crise na Zona do Euro. Além de acelerar um possível acordo, eles começaram a desenhar uma reunião de cúpula entre o Mercosul e a UE para janeiro de 2013.
Encerrada a conversa com Barroso, no início da noite, a presidente dispensou ministros e assessores e avisou que sairia para jantar com a filha, Paula, que a acompanha na viagem. Antes, as duas foram assistir a uma ópera. Assim, a líder brasileira não participou da recepção no Waldorf Astoria, que teve Barack Obama como anfitrião. Não foi a primeira vez que Dilma dispensou esse convite. No ano passado, ela também não compareceu a esse encontro que ocorre sempre às vésperas da abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Pelo menos neste caso, a ausência da líder brasileira nada teve a ver com o fato de Brasil e Estados Unidos estarem estremecidos comercialmente.
Na avaliação de Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e atual sócio da Barral MJorge Consultores, não há muito com o que se preocupar com a guerra comercial entre Brasil e EUA. “A troca de farpas tem um lado eleitoreiro dos Estados Unidos.” Para ele, a lista de 100 produtos que tiveram aumento do Imposto de Importação no país é pequena se comparada com a gama de produtos comprados dos norte-americanos. “Além disso, o Brasil elevou as tarifas até 25% e não ao máximo permitido, que é 35%”, destacou. Para ele, por ser um tema polêmico, Obama aproveitará para ganhar mais alguns votos questionando o protecionismo brasileiro.
Morde e assopra
Brasília – O Ministério do Desenvolvimento informou que divulgará, na sexta-feira, a nova lista de 100 produtos que terão aumento do Imposto de Importação, conforme acordado entre os países membros do Mercosul. Esses itens serão somados à outra centena que gerou críticas dos Estados Unidos. Porém, para reduzir o mal-estar com o governo norte-americano, às vésperas da participação de Dilma Rousseff e Barack Obama em assembleia na Organização das Nações Unidas (ONU), o Palácio do Planalto autorizou ontem a redução de tributos sobre 350 produtos que vêm de fora. O Imposto de Importação caiu para 2%. Os setores contemplados são ferroviário, petróleo e de bens de capital. Entre os países beneficiados estão Alemanha, EUA, Itália, França e China.
Apesar desse agrado, as queixas dos norte-americanos devem continuar, ainda que, na opinião do presidente da Associação de Comércio Exterior (AEB), a lista de importações punidas com tributos maiores é irrelevante em relação a todos os produtos comprados pelo Brasil. “Eu imaginava uma lista que pegasse produtos com peso na pauta de importação brasileira, mas não foi isso que aconteceu”, afirmou. Ele lembrou que a batata, um dos itens que geraram estranheza, apenas estimula compras da Argentina e não a local. Pelos cálculos da AEB, a lista da discórdia representa no máximo 4% do total das compras brasileiras, o que torna a medida inócua. “O custo da lista de produtos é muito pequeno. Mas transmite para o mundo uma imagem de protecionismo do Brasil”, afirmou.
Cartão amarelo para a Argentina
Washington – A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, disse ontem que a Argentina tem três meses para pôr em ordem as estatísticas oficiais e evitar um “cartão vermelho”, ou seja, uma censura pública ou até mesmo uma ordem de expulsão do organismo. O motivo da advertência é a falta de credibilidade dos dados a respeito da inflação e do Produto Interno Bruto (PIB) divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), cada vez mais contestados por entidades independentes, que acusam a Casa Rosada de manipular as informações.
Na semana passada, em comunicado, o Fundo havia expressado “preocupação” pela falta de progresso na melhoria das estatísticas e estabeleceu prazo até 17 de dezembro para que a questão seja equacionada. Ontem, Lagarde foi mais incisiva. "Agora, eles levaram o cartão amarelo e têm três meses para evitar o vermelho", disse a dirigente.
Se não conseguir reformular o sistema oficial de dados, a Argentina corre o risco de ser o primeiro país a ser expulso do FMI nos mais de 50 anos de história do organismo. O problema não é recente, e vem se agravando. O Indec garantiu que a inflação de 2011, por exemplo, ficou em 10,5%, enquanto os organismos oficiais das províncias apontaram uma alta superior a 20% e economistas independentes chegaram a calcular uma variação de 27%.
Neste ano, a discrepância persiste. Para o Indec, a inflação acumulada nos últimos 12 meses não passa de 9,9%, contra média de 23% das principais consultorias econômicas. Em vez de melhorar o sistema oficial, a presidente Cristina Kirchner preferiu tapar o sol com a peneira e chegou a proibir as consultorias privadas de divulgar suas projeções, o que apenas fez aumentar a certeza de que os indicadores oficiais são distorcidos para mascarar a realidade.
BARREIRAS O FMI também se queixa da falta de independência do banco central para conduzir a política monetária e de barreiras para obter informações. A Argentina é o único país do G-20 que não permite que o Fundo faça revisões anuais da situação da economia nacional.
Segundo Lagarde, a alusão dos cartões amarelo e vermelho, normalmente usados pelos juízes de futebol, se refere à gradação das punições a que o país está sujeito: em um primeiro momento, proibição de acesso a empréstimos, depois ao direito de voto e, eventualmente, após vários prazos, expulsão. Até hoje, no entanto, nenhum país foi excluído do Fundo, que conta com 188 membros.