Nova York — Num discurso cheio de recados, tanto internos quanto externos, e de novos conceitos, como “legítima defesa comercial”, a presidente Dilma Rousseff abriu a Assembleia Geral da ONU mantendo como principal foco aquilo que sabe ser crucial para o bom andamento de seu governo, por consequência, da aprovação popular: a economia. Nesse sentido, ela deixou claro a todos que o Brasil não abrirá mão de uma política que consiga combinar austeridade nos gastos com desenvolvimento e defendeu a coordenação entre os governos para superar a recessão. “É urgente a construção de um amplo pacto para a retomada coordenada do crescimento global, impedindo a desesperança provocada pelo desemprego e pela falta de oportunidades”, propôs. Ainda se referiu à redução do Produto Interno Bruto brasileiro como “conjuntural”, num cenário em que prossegue a manutenção de emprego e aumento significativo da renda dos trabalhadores.
“Superamos a visão incorreta que contrapõe de um lado as medidas de incentivo ao crescimento e, de outro, os planos de austeridade. Esse é um falso dilema. A responsabilidade fiscal é tão necessária quanto são imprescindíveis medidas de estímulo ao crescimento, pois a consolidação fiscal só é sustentável em um contexto de recuperação da atividade econômica”, disse Dilma, numa crítica direta às políticas recessivas usadas até o momento para tentar conter a crise europeia. “A austeridade, quando exagerada e isolada do crescimento, derrota a si mesma.”
Diante da coincidência entre a Assembleia e as medidas adotadas pelo Brasil no sentido de conter as importações e evitar estragos na indústria nacional, Dilma usou o discurso para classificar essas ações dentro de um novo contexto, o de “legítima defesa comercial”. Sem citar, mas numa resposta clara aos Estados Unidos, Dilma foi categórica ao afirmar que “não podemos aceitar que iniciativas legítimas de defesa comercial por parte dos países em desenvolvimento sejam injustamente classificadas como protecionismo. Devemos lembrar que a legítima defesa comercial está amparada pelas normas da Organização Mundial do Comércio (OMC)”.
A inclusão dessa lembrança no discurso tem como endereço o governo dos EUA, que ameaça recorrer à OMC contra o aumento das tarifas de importação fixadas pelo Brasil. E Dilma trata as medidas brasileiras como resposta àquelas adotadas pelos países desenvolvidos. “Os bancos centrais dos países desenvolvidos persistem em uma política monetária expansionista, que desequilibra as taxas de câmbio. Com isso, os países emergentes perdem mercado devido à valorização artificial de suas moedas, o que agrava ainda mais o quadro recessivo global”, disse ela, lembrando que “a política monetária não pode ser a única resposta para resolver o crescente desemprego”, disse ela citando os mais pobres como os mais afetados por essa política.
Conselho de Segurança A presidente foi incisiva ao criticar as recentes coalizões que passam por cima do Conselho de Segurança da ONU, ao mencionar a necessidade de reforma das Nações Unidas. “As guerras e os conflitos regionais cada vez mais intensos, as trágicas perdas de vidas humanas e os imensos prejuízos materiais para os povos envolvidos demonstram a imperiosa urgência de reforma institucional da ONU e, em especial, do seu Conselho de Segurança”, disse Dilma, com uma crítica direta a vários países, inclusive Rússia e China, que recentemente se juntaram contra sanções à Síria. “Não podemos permitir que este conselho seja substituído, como vem ocorrendo, por coalizões que se formam à sua revelia, fora do seu controle e à margem do direito internacional”, disse Dilma. “O uso da força sem autorização do conselho, uma ilegalidade, vem ganhando ares de opção aceitável. Mas, definitivamente, não é uma opção aceitável”, disse Dilma, numa referência a várias ações.
Cuba, ilha com a qual o governo brasileiro mantém laços afetivos, também não ficou fora do discurso. Ao mencionar as décadas de embargo econômico, Dilma afirmou, no fim de sua fala, que é mais que chegada a hora de pôr fim a esse anacronismo, condenado pela imensa maioria dos países das Nações Unidas.
Voz de anfitriã
Falando como governante do país que sediou a Conferência de Desenvolvimento Sustentável da ONU (a Rio + 20) e que receberá nos próximos anos a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, Dilma encerrou o discurso pedindo às nações presentes que “se deixem iluminar pela tocha olímpica”. A presidente fez ainda um apelo para que a cooperação prevaleça sobre o confronto, que o diálogo se sobreponha à ameaça e a solução negociada chegue sempre antes, para evitar a intervenção pela força. A torcida da diplomacia brasileira, emendou, é para que não seja preciso repetir tudo de novo em 2013.
Um pacto para voltar a crescer
A presidente Dilma Rousseff encerrou sua agenda oficial na ilha de Manhattan com uma reunião com o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton. Nos últimos dias, paralelamente aos preparativos para a Assembléia Geral da ONU, vários chefes de Estado foram ao instituto que Clinton mantém na cidade de Nova York, mas, no caso de Dilma, ele é quem fez questão de ir ao encontro dela no Hotel St. Regis, onde a presidente brasileira está hospedada.
Na entrevista que concedeu antes do encontro, Dilma revelou uma grande simpatia pelos democratas. Contou inclusive que, ao encontrar o presidente-candidato dos Estados Unidos, Barack Obama, nas coxias do plenário da ONU, desejou a ele sorte na campanha. “Tenho uma simpatia muito grande por ele. Sempre perguntamos sobre nossas famílias. Ele estave no Palácio da Alvorada com Michele e as meninas; minha filha estava lá também com o meu genro”, disse Dilma.
Obama discursou na ONU logo depois do pronuncimento de Dilma cobrando um pacto entre as nações para a solução da crise econômica. No fim do dia, ela explicou o que deseja: “Temos que buscar um pacto e não ficar apontando os dedos uns para os outros. No momento em que um país toma decisões de expansão monetária, afeta outros. Temos que pensar em soluções coordenadas. Nesse sentido que me referi a um pacto”, afirmou ela, dizendo ser importante inclusive para que o Brasil possa retomar o patamar de crescimento de 4,5% a 5% e a China os seus 9%. (DR)
Reação argentina
Um dia após sofrer graves críticas por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI), a presidente da Argentina, Cristina Kirchner disse ontem à Assembleia Geral da ONU, em Nova York, que o país não será submetido “a nenhuma pressão”. Na véspera, a chefe do FMI, Christine Lagarde, declarou que o país tem três meses para colocar em ordem as estatísticas oficiais, sob pena de receber um “cartão vermelho” do organismo. “Meu país não é um campo de futebol. É uma nação soberana que toma soberanamente decisões e que portanto não será submetida a nenhuma pressão e muito menos a nenhuma ameaça”, disse Kirchner em seu discurso no encontro anual da
ONU em Nova York.