A dupla mais famosa no prato do brasileiro – o arroz e o feijão – ajudou a impulsionar a inflação em Belo Horizonte em setembro, mês em que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) saltou 0,65%. A título de ilustração, a variação positiva em agosto havia sido de 0,37%. O preço de ambos os alimentos subiu dois dígitos para o consumidor, com o quilo do “branquinho” disparando em 10,27% e o do “marronzinho”, 12,22%. No acumulado do ano, o IPCA na capital subiu 4,4%. Nos últimos 12 meses, 5,72%. Os dados foram divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O levantamento mostrou que os números da capital mineira ficaram acima dos apurados na média nacional (veja quadro). No Brasil, o IPCA no acumulado dos últimos 12 meses foi de 5,28%. No ano, 3,77%. Já a variação em setembro foi de 0,57%. Embora esse último indicador esteja abaixo do registrada em BH, é a maior variação para o mês de setembro desde 2003. O arroz e o feijão também ajudaram a impactar as médias no país, levando economistas a avaliar que a inflação começa a sair do que eles consideram de zona confortável.
“A inflação deve fechar o ano próximo a 5,5%, ou seja, acima do centro da meta (estipulada pelo governo, de 4,5%). Os números dos próximos meses são importantes para avaliar se há tendência mais forte de alta da inflação e se será necessária a adoção de medidas fiscais e monetárias para conter tal tendência”, alertou Emerson Marçal, professor e coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo.
O coordenador técnico de Culturas da Emater, Wilson Rosa, explica que tanto a área quanto a produção do feijão e do arroz caíram em Minas e no Brasil em relação à safra passada. “A área plantada do arroz recuou 13,9% no país e 20% no estado. Já a produção despencou 14,8% no Brasil e 21,8% no estado”. Isso ocorreu porque os preços ao produtor estavam baixos na safra passada. Ou seja: menos gente plantou na atual colheita. “Para se ter ideia, a saca de 50 quilos do arroz custava R$ 23 em setembro de 2011. No mês passado, com a oferta menor, o preço esteve em R$ 37.”
Wilson Rosa também usa números para explicar a alta do preço do feijão: “A área plantada do feijão diminuiu 3,8% em Minas, onde a produção reduziu 10,4%. No país, a produção caiu 22%. O preço médio da safra 2010/2011 foi de R$ 80. O ideal para o produtor seria acima de R$ 110. Por isso, menos gente também plantou feijão”. No caso dessa cultura, porém, muitos produtores optaram por investir no milho e na soja, que são commodities que concorrem com o feijão e cujos preços estão mais em conta.
No caso da soja, por exemplo, a saca é negociada a R$ 80, em média. O valor está bem acima do preço médio da mercadoria, que gira de R$ 40 a R$ 45. O mesmo ocorre com o milho, produto que está em alta em razão de a seca nos Estados Unidos ter comprometido mais de 100 milhões de toneladas dos grãos da terra do Tio Sam. A consequência disso é o aumento da importação do milho do Brasil e de outros países. Aqui, o preço da saca passou a oscilar de R$ 26 a R$ 30, cifras acima do preço médio, que é de R$ 20.
Outos vilões
O IPCA divulgado ontem pelo IBGE mostra que o grupo alimentos foi o que mais oscilou no país (1,26%). “No grupo alimentação e bebidas, os principais aumentos em BH foram dos itens cereais, leguminosas e oleaginosas (10,95%), com variações importantes nos subitens arroz (10,27%) e feijão carioquinha (12,22%) e, por sua importância, a carne (3,77%). O pão francês teve aumento de 1,49% e o óleo de soja de 2,72%”, disse André Braz, técnico do IBGE em Minas. Os percentuais assustaram quem foi às compras nos últimos dias, como dona Marilene Aparecida Silva Teixeira, de 61 anos.
“O quilo do feijão está mais de R$ 5. O do arroz também foi nas alturas. O jeito é pesquisar, pesquisar, pesquisar”, ensina dona Marilene. O alerta dela é importante, pois, segundo Wilson Rosa, ainda é cedo para prever quedas nos preços do arroz e do feijão. “A terceira e última safra do feijão, por exemplo, já foi colhida”, justificou. A boa notícia do levantamento divulgado ontem é que o preço do tomate, que teve sucessivas altas nos últimos meses, começou a cair num ritmo mais forte (12,88%).
Palavra de especialista
Andre Guilherme Pereira Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos
BC ganha a batalha
“A ficha caiu só agora na cabeça dos investidores que o mundo está em franca desaceleração. Isso está sendo dito há mais de ano pelo Banco Central e com toda a razão. Nossa projeção que o Copom iria cortar a Selic até 6% é função direta desta percepção, o cenário de atividade econômica piorou muito em relação ao projetado um ano atrás. No fim do ano passado nossa projeção para o PIB de 2012 era de 2,3%, hoje mal chega a 1,3%. Cortar 25 pontos base não significa nada para estimular a economia no curto prazo. Quando o BC disse sobre a “máxima parcimônia” na última reunião, o objetivo era sinalizar o fim do corte e, com isso, forçar a parte longa da curva de juros para baixo. A parte longa da curva de juros caiu e isto é positivo. Finalmente, o BC ganhou a guerra pelo novo consenso sobre os juros de longo prazo e fica evidente que taxas acima de 10% não fazem mais sentido neste pedaço emergente do mundo. De tanto o BC falar na queda da Taxa de Juros Neutra, o mercado começa a entender o argumento. Ponto para o Banco Central e para a consistência do seu argumento.”
Despesas domésticas aumentam
O grupo alimentos não foi o único a impactar a inflação na capital mineira. O despesas pessoais, com crescimento de 1,64% em setembro, é outro vilão, puxado, principalmente, pelos gastos com empregados domésticos. Em outras palavras, a dificuldade das famílias em encontrar profissionais dessa modalidade, que inclui babás, motoristas particulares e outros, começa a ter grande peso no cálculo da inflação.
“No grupo despesas pessoais, o item serviços pessoais variou 1,86% por conta, sobretudo, do aumento 2,81% na despesa com empregados domésticos”, disse André Braz, técnico do IBGE em Minas Gerais. Na verdade, a “dificuldade” da chamada classe média em encontrar babás e outros profissionais que se enquadram à lei dos domésticos inflacionou o salário da categoria.
Isso ocorreu porque muitas pessoas que já prestaram serviços às famílias estão empregadas em caixas de supermercados, balcões de padarias e em outras funções que, por lei, lhe garantem o depósito do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e outras garantias, como horas extras. Os patrões dos domésticos, ao contrário, não são obrigados a depositar FGTS e pagar horas adicionais.
A servidora pública Renata Alves, de 37 anos, teve muitas dores de cabeça para contratar uma empregada: “Estou tentando há dois meses. Além de pedirem um salário alto, as pretendentes não querem fazer todo o serviço do lar. Hoje, está marcado para uma moça começar a trabalhar aqui em casa. Tomara que dê tudo certo, pois outras já se comprometeram e não apareceram”.
Cesta fica 3,23% mais cara em BH
A cesta básica ficou mais cara no mês de setembro em nove das 17 capitais do país onde o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) coleta preços da Pesquisa Nacional da Cesta Básica. Segundo o levantamento, o valor dos itens alimentícios básicos teve a maior alta em Florianópolis (5,23%), Belo Horizonte (3,23%) e Manaus (2,50%). As maiores quedas foram registradas em Goiânia (-5,22%), Salvador (-3,34%) e Aracaju (-2,44%).
Pelo terceiro mês seguido, Porto Alegre foi a capital com a cesta básica mais cara em setembro (R$ 311,44), seguida por Florianópolis (R$ 310,92) e São Paulo (R$ 309,08). Das 17 capitais, 12 tiveram avanço acima de 10% em comparação com igual período do ano passado, com destaque para Florianópolis (18,47%), Fortaleza (15,60%), João Pessoa (14,21%) e Aracaju (14,04%).