A mineira Leucotron, especializada na área de telecomunicações, elegeu os investimentos em design como parte essencial do negócio, seguindo um movimento relativamente recente de renovação da indústria brasileira atrás de maior competitividade. Para acertar no desenho e concepção final de seus produtos, a fabricante de Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas Gerais, contratou uma empresa também dedicada à inovação, a Quantum Design, de Belo Horizonte, que estagiou numa incubadora vinculada à Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Na Região Metropolitana de Vitória (ES), a ArcelorMittal Tubarão, pertencente ao maior grupo siderúrgico do mundo, priorizou o aproveitamento de resíduos da fabricação de aço, desenvolvendo e patenteando a Acerita, matéria-prima para pavimentação rodoviária, derivada da escória gerada na fábrica.
Com o mesmo objetivo de sair na frente dos concorrentes, a Usiminas, que passou a ter como sócia a Ternium, do grupo ítalo-argentino Techint, está na etapa de homologação de uma geração de aços mais finos e de altíssima resistência, batizados de DP 980. A linha atende as exigências do consumidor e do novo regime automotivo no Brasil por veículos econômicos, mas mantendo níveis de segurança e a redução da poluição ambiental. Leucotron, ArcelorMittal e Usiminas são exemplos de pequenas e grandes empresas que reforçam as políticas internas para transformar ideias em produtos e serviços, boa parte deles com proteção por meio de propriedade intelectual, a despeito do fraco desempenho do Brasil no ranking da inovação.
O país desceu nove posições de 2011 para este ano entre as nações inovadoras, tendo passado ao 58º lugar no levantamento anual Global Innovation Index, produzido pelo Insead, escola francesa de administração e negícios, e a Organização Mundial de Propriedade Intelectual, órgão das Nações Unidas. Contra essa corrente, empresas expostas à concorrência global não podem se dar ao luxo de perder o ritmo na geração de conhecimento e conteúdo inovador de produtos, uma briga em que o limite é ser o melhor . O problema nesse caminho envolve, mais do que se imagina, uma mudança cultural dos próprios produtores da ciência no Brasil, observa o professor Ado Jóorio de Vasconcelos, diretor da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) da UFMG.
“O Brasil tem 2,8% da população mundial e uma participação coerente de 2,7% dos artigos científicos publicados no mundo, mas em patentes detém apenas 0,1% do total. Uma dificuldade é que aqui os pesquisadores não pensavam em transferir o conhecimento ao setor econômico, etapa necessária para a concessão das patentes”, afirma. O valor da inovação pode ser notado no desempenho da incubadora da UFMG. A instituição começa a construir no ano que vem um prédio para expansão do seu centro de inovação, que hoje abriga oito empresas incubadas. A construção vai atender até 30 empreendedores dentro de dois anos. Desde 2004, 50 empresas nasceram na incubadora, das quais 48 ainda estão ativas, um índice excepcional, segundo Ado Jório.
Do Centro de Tecnologia Usiminas, em Ipatinga, no Vale do Aço mineiro, saíram 450 cartas patentes concedidas à empresa, que tem 15 produtos patenteados. Mais que números, a pesquisa e o desenvolvimento de produtos leva 0,3% do faturamento bruto anual da companhia, que trabalha não só para participar das ondas de inovação da indústria siderúrgica no mundo quanto na esfera das insatisfações dos clientes para inovar no mix de produtos, de acordo com Rômel Erwin, vice-presidente de Tecnologia e Qualidade da Usiminas. “O importante é que a Usiminas quer se manter na vanguarda do setor e investe para isso”, afirma.
Óleo e gás
Além da geração DP 980, aço que suporta, mantidas as condições e as propriedades do produto, a mesma carga suportada pela linha atual com metade da espessura, os pesquisadores da Usiminas trabalham no processo final do desenvolvimento industrial de aços de altíssima resistência para o transporte de óleo e gás. O projeto visa à disputa dos contratos de exploração da camada do pré-sal. “São produtos que não devem nada aos importados”, diz Rômel Erwin. A siderúrgica emprega 178 pessoas no centro tecnológico de Ipatinga, entre engenheiros e operadores. Em 2011, foram investidos R$ 57 milhões, sendo R$ 22 milhões em equipamentos e R$ 35 milhões em atividades de pesquisa e desenvolvimento.
A Arcelor Mittal Tubarão transformou em receita de R$ 100 milhões por ano e em contrapartidas de conservação do meio ambiente cerca de três dezenas de coprodutos, com viés inovador, resultantes do processo siderúrgico. A lista inclui sucata, alcatrão, finos de coque e escória de altos-fornos. Para cada tonelada de aço produzida, são gerados 600 quilos de resíduos, reaproveitados como coprodutos para aplicação em diversos segmentos da indústria, informa Nocy Oliveira da Silveira, executivo de vendas especiais da companhia. O índice de reciclagem é de 99,2%, portanto acima da média de 80% do setor. “Muitas vezes, não temos capacidade para atender a demanda crescente por esses coprodutos”, afirma.
Ideias custam a gerar produção
As chamadas empresas nascentes e de alta tecnologia são as que mais têm tentado puxar o cordão dos investimentos em inovação, a despeito da dificuldade de acesso a recursos e do sistema lento de proteção de inventos no Brasil. “Sabemos gerar ideias, mas não transformamos conhecimento em riqueza”, alerta o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Mário Neto Borges. A cada 1 mil projetos de pesquisa básica desenvolvidos no Brasil, 100 se transformam em pesquisa aplicada e, deste universo, a mesma proporção de 10% viram produto para que os finais 10% (um único projeto) cheguem ao mercado, cascata que explica o mau desempenho do Brasil no ranking mundial da inovação.
O volume de recursos insuficiente prejudica o país, no entanto, a responsabilidade não é só do governo, pondera o presidente da Fapemig. O histórico de inovação da Coreia serve de comparação: neste ano, 4% do Produto Interno Bruto (PIB) estão sendo investidos em inovação e vale destacar que a nação asiática representa um quarto da população brasileira. Desse percentual, a iniciativa privada participa com 3% aproximadamente. Já o Brasil está investindo 1,15% do seu PIB. Balanço preliminar da Fapemig indica o desembolso de R$ 350 milhões neste ano, ante R$ 316 milhões no ano passado.
Segundo o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), o depósito de patentes tem crescido 10% ao ano e deverá somar 36 mil registros em 2012. A meta da instituição é encerrar 2013 com 40 mil depósitos e chegar ao dobro dessa conta dentro de três anos, informa o diretor de patentes, Júlio Cézar Castelo Branco. “Estamos trabalhando para oferecer um serviço com qualidade e melhorar os processos para incentivar o inventor nacional a proteger os seus trabalhos”, afirma.
A trajetória da Quantum Design, criada em 2006 pela designer gráfico Isabelle Maluf e o designer de produto Fernando Casanova, mostra como o passo inicial está associado à combinação de recursos financeiros e consultoria de gestão. Nascida dentro de uma incubadora da UEMG, a empresa se emancipou em 2010, conquistou clientes como a Leucotron, a Unione, fornecedores de hortaliças, saladas e verduras de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, e a Prefeitura de Diamantina. “A incubadora nos dá acesso à capacitação e a todo tipo de conteúdo gerencial, um bom começo”, afirma Isabelle Maluf. Depois de sair da incubadora, a Quantum dobrou de tamanho e diversificou os serviços de desenho de produtos e embalagens para estratégias de gestão de marcas nas redes sociais.
A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, trabalhou com recursos de R$ 3,044 bilhões para este ano, ante o orçamento de
R$ 3,747 bilhões do Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e tecnológico, repassador de verba à instituição. Para 2013, a proposta é de R$ 4,463 bilhões. (MV)