O aumento do noticiário sobre o risco de inflação, refletindo em parte percepção do mercado financeiro, é inversamente proporcional à certeza do Banco Central de que a redução da Selic para 7,25% ao ano na semana passada foi a última por um “período prolongado”.
O BC está confortável, como se constata na ata do Comitê Política Monetária (Copom), apesar de a redução da taxa básica não ter sido consensual: cinco dos oito diretores aprovaram o corte, enquanto os outros três votaram pela sua manutenção no nível de 7,50%.
A divergência foi lateral, embora ela expresse o balanço de riscos da estratégia assumida pelo BC para tolerar inflação acima da meta central (4,5%), mas abaixo do teto da faixa de variação (6%), até que se atinja o ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) almejado pelo governo Dilma Rousseff – algo como 4% a 4,5% em 2013, contra 2,7% em 2011 e 1,6% este ano (segundo projetou o BC em seu último relatório trimestral de inflação).
Para a maioria do Copom, um “último corte” da Selic se justifica pela incerteza em relação ao ritmo de retomada da economia, parte devido ao cenário global fragilizado, e pela avaliação de que os choques recentes de oferta deverão esvaziar-se a médio prazo.
O grupo minoritário manifestou que a recuperação da economia tende a ser sustentada pelos estímulos já implantados e, assim, lê-se na ata, “eventualmente pressões de demanda e de custos poderão incidir sobre a inflação”. A valorização do dólar, outro objetivo implícito do BC em parceria com a Fazenda, é custo para a indústria, devido à sua dependência de partes e insumos importados. Quanto à demanda, ela nunca cedeu, só perdeu tração devido ao elevado comprometimento da renda com o pagamento de dívidas, a antessala da inadimplência.
Os argumentos dos dois grupos são consistentes. Difícil dizer quem está mais certo. A fotografia instantânea da economia global sugere que ela está a caminho do matadouro na Europa, entregue às baratas nos EUA e piscando na China – os três grandes propulsores do mundo.
Se o crescimento falseia nos três, é certo que a ociosidade global da indústria continuará imensa e as commodities tendem a desinflar, tudo contribuindo para desafogar a inflação. Até a do agronegócio. O choque de oferta devido à estiagem nos EUA logo será amortecido pelo aumento da produção de grãos no Brasil e em outros países.
China no bem e no mal
O destaque do dia foi o anúncio do crescimento do PIB da China no terceiro trimestre. Recuou outra vez, de 7,6% no trimestre anterior para 7,4%. Ainda é muito, mas revelador de que seu mercado interno não está pronto para ocupar o espaço de sua máquina exportadora.
Se a China moderar seu apetite por commodities, como o minério de ferro que fortifica as exportações brasileiras, a inflação perde um de seus energéticos. E também o nosso PIB. A China absorveu 17,3% de nossas exportações no ano passado, o que correspondeu a um terço do crescimento de 2,7% do PIB, ou 0,9 ponto de percentagem, segundo estudo do economista chinês Tao Wang, do banco UBS.
Tempo de experimentação
Pode estar aí uma das razões da calma do BC, já que, exceto diante de um choque de preço, a inflação não dispara se o PIB, portanto, a demanda, também não disparar. No relatório de inflação, o BC previu a taxa de crescimento do PIB em doze meses saltando de 1,6% no fim de dezembro para 3,3% até junho de 2013, o que parece razoável para acomodar a retomada do investimento em paralelo ao consumo privado.
E se o governo mantiver controlado o gasto fiscal e o BC operar a taxa cambial até o teto informal de R$ 2,10. O que se desenha para 2012 sugere um período de experimentação para o BC e a Fazenda.
Do investimento, por ainda ser incerto se o governo terá a tempo os editais das concessões de logística e se os projetos privados vão acontecer. E do consumo, função de o excesso de dívida das famílias desinchar, supondo-se que tudo o mais continue constante – o nível de emprego e a renda real. Na conta das consultorias, o BC voltará a escalar a Selic a partir do quarto trimestre de 2013.
EUA, o X factor do PIB
O cenário de Selic parada até 2014, com a inflação entre o centro e o teto da meta, algo como 5% a 5,5%, e PIB crescendo em torno da média de 2004 a 2011 (3,7%) está sujeito à duração do barraco da Zona do Euro (o que é provável) e da expansão pé de chumbo dos EUA (mais duvidoso). Dependerá do que o presidente eleito nos EUA daqui a três semanas, tal como o Congresso, vai bancar.
Com PIB de US$ 16 trilhões, a dívida pública equivalente girada a juros negativos não é o problema central. E com carga tributária de 28% do PIB, comparada a 38% no Brasil, 41% na Alemanha, não falta filé para assar. Se o PIB dos EUA ganhar tração, a inflação perde, mas menos do que nosso PIB pode recuperar. Já está na conta do BC.
TAXA BÁSICA SAI DE CENA