Procura-se recepcionista bilíngue disposta a receber R$ 1.100 por mês, menos de dois salários mínimos (o menor salário pago no país é de R$ 622). O anúncio surpreende o consultor da empresa de recursos humanos acostumado a recrutar candidatos à vaga com ofertas salariais a partir de R$ 1,5 mil. As propostas destoantes de um cenário de salários valorizados pela própria escassez de mão de obra não param de chegar. Pede-se um motorista experiente com salário de R$ 800 mensais e o patrão que busca um analista de RH formado em curso superior, especializado em programa específico de folha de pessoal e com experiência, quer pagar R$ 1,8 mil por mês. A defasagem dessas vagas, ante as exigências do empregador, ajuda a agravar a falta de gente para trabalhar, especialmente dos trabalhadores qualificados, em diversas áreas.
Agências de RH e especialistas em mercado de trabalho ouvidos pelo Estado de Minas estimam que essa defasagem salarial possa alcançar entre 30% e 40% na comparação com as condições atuais do mercado de trabalho, em que os pretendentes às vagas têm poder de barganha para escolher. Uma vez considerados baixos, os salários contribuem para tornar o recrutamento de pessoal mais longo ou até impossível. “Muitas vezes, a empresa deseja um super -omem, mas, como há opções de escolha para os candidatos, eles não aceitam a primeira proposta. Nesse momento, é preciso reposicionar os salários, flexibilizar exigências ou contratar um trabalhador que vai demandar treinamento” diz Hegel Botinha, diretor comercial do grupo Selpe, especializado na contratação de mão de obra.
A remuneração pode se tornar inviável não só diante do grau de qualificação requisitado, como também nos casos em que a jornada de trabalho inclui fins de semana, feriados e horário noturno, observa José Carlos Teixeira, diretor da Conape Recursos Humanos. “Ou a empresa aceita pagar mais ou abre mão de alguns requisitos e, então, contrata um trabalhador sem experiência para investir no treinamento dele”, afirma. Com a proximidade das festas de fim de ano, que abrem oportunidades temporárias no comércio, na indústria e no setor de prestação de serviços, a Conape registrou aumento de vagas e da dificuldade de preenchê-las. Na semana passada, a empresa contava 898 oportunidades em aberto, quando em setembro foram 600.
Há casos em que as próprias empresas de RH se veem obrigadas a negociar com o empregador a revisão das propostas de contratação. “Para quem tem experiência, o salário baixo significa adiar a procura”, diz Hegel Botinha. Isso ocorre em praticamente todos os níveis de formação profissional e áreas de atuação. Apesar do enfraquecimento da produção industrial e das perspectivas de crescimento modesto da economia brasileira neste ano, Selpe, Conape e o Sistema Nacional de Emprego em Minas Gerais (Sine-MG) não registram queda na oferta de emprego. Pelo contrário, já verificam mais ofertas para atender a demanda do fim do ano, motivada pelas festas de Natal e o ano-novo.
Nas 135 unidades do Sine-MG, o balanço mais recente indicou 22.792 vagas ofertadas em agosto passado, sendo 3,7 mil a mais frente a julho e um acréscimo de 1,3 mil em relação a agosto de 2011. No acumulado deste ano, os postos ofereceram 147.613 oportunidades, encaminhando 427.997 candidatos. Os ramos mais afetados pela escassez de mão de obra continuam a ser a construção civil e os serviços de telecomunicações. “Os salários, muitas vezes, não são atrativos e se a empresa não melhora a proposta, não conseguimos preencher as vagas. Outro problema é que grande parte da mão de obra não é qualificada”, afirma Lígia de Oliveira Lara, superintendente de Geração de Renda e Empreendedorismo da Secretaria de Estado de Trabalho e Emprego.
O mercado de trabalho nas operadores de telecomunicações é um caso típico. Salários de R$ 600 a R$ 700 para uma jornada dura são recusados e as empresas passam a tentar competir por meio de benefícios, mas ainda assim têm dificuldades de contratar pessoal. Nem sempre elas convencem os candidatos ao somar salário e benefícios anunciando uma “remuneração” final de R$ 1,1 mil por mês.
Doce mercado
Nas empresas prestadoras de serviços de bufês, não há mais espaço para baixas ofertas salariais, segundo João Evangelista Assumpção Teixeira Filho, presidente do sindicato do setor em Belo Horizonte e região metropolitana, o Sindbuffet. “Nos próximos quatro anos, a escassez de mão de obra qualificada será o fator principal para barrar o crescimento econômico”, afirma. O trabalho dos confeiteiros é um dos que melhor ilustra a corrida dos bufês atrás de trabalhadores. As empresas ainda disputam com as padarias esse profissional, que recebe de R$ 1,2 mil a R$ 1,6 mil, dependendo da qualificação. A saída tem sido a contratação de doceiros para programas intensivos de treinamento. Os bufês da Grande BH estimam que terão 2 mil vagas a preencher em 2013 e 2014 para atender a demanda esperada durante os eventos da Copa do Mundo de 2014.