Cádiz (Espanha) – A inversão das forças entre os países da América do Sul e da Europa será o tema principal da presidente Dilma Rousseff no discurso de hoje na XXII Cúpula Ibero-americana de Chefes de Estado e Governo. Ao longo das últimas duas décadas de realização do encontro, espanhóis e portugueses comandaram as principais negociações de acordos políticos e comerciais. O poder, entretanto, mudou de eixo com a crise europeia e o crescimento e estabilização dos latinos ao longo dos últimos cinco anos. Assim, o Brasil chega a Cádiz, cidade a 650 quilômetros de Madri, como principal mercado de oportunidades para a crise de Espanha e de Portugal.
No discurso de hoje, Dilma deve reforçar o que mudou nessa correlação de forças e apresentar o Brasil como um aliado na ajuda para os dois países enfrentarem a crise iniciada há cinco anos, mas que tem mostrado maiores reflexos na população nos últimos 18 meses, expostos em greves gerais, como a ocorrida na última quarta-feira em sete países da Europa. O governo, assim, pretende fechar com mais facilidade acordos de cooperação comercial e tecnológica, incluindo intercâmbio de brasileiros no exterior. Por sua vez, o Brasil deve facilitar os vistos de trabalho para profissionais espanhóis – nesse caso num acordo bilateral a ser celebrado em Madri na próxima segunda-feira. Ontem, o ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse em Cádiz que “o Brasil sempre foi um país que acolheu os imigrantes de braços abertos”. Confirmado em Madri, o anúncio ocorre oito meses depois de o Brasil adotar a reciprocidade na entrada de espanhóis no Brasil e ser mais severo na liberação de entrada de pessoas daquele país. A medida foi tomada por causa do alto número de brasileiros recusados na Espanha, que desde então vem caindo vertiginosamente, chegando a 160 este ano, o que representa menos de 10% do total de 2010.
Com a entrada de profissionais espanhóis, o Brasil espera melhorar a qualificação da mão de obra local. Um dos representantes brasileiros na negociação da cúpula disse ontem ao Estado de Minas que é clara a mudança no comportamento dos atores espanhóis e portugueses. ''Somos recebidos com tapete vermelho neste momento'', disse o negociador. A dúvida é se o Brasil tem se tornado mais europeu ou se a Europa se torna mais próxima à América Latina. ''É um pouco das duas coisas'', afirmou a fonte.
No discurso de ontem, o rei da Espanha, Juan Carlos, citou a crise econômica europeia e, sem citar o Brasil, disse que é preciso a união dos países ibero-americanos para pôr em prática formas de trabalho conjunto. O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, também afirmou, antes mesmo do início da cúpula, que quer mais Brasil na Espanha e mais Espanha no Brasil. Hoje, a Espanha é o segundo maior investidor estrangeiro no Brasil. Os estrangeiros miram nos negócios proporcionados pela Copa do Mundo e pelas Olimpíadas.
Ontem Rajoy voltou a exaltar o crescimento da América Latina e lamentou a crise espanhola. ''A América Latina soube transformar a velha década perdida na atual década de prosperidade", afirmou. "Na América Latina, muitos espanhóis encontraram uma segunda oportunidade. Também a Espanha tem sido uma terra de oportunidades", disse ele, considerando que a experiência latina em sair da crise pode ajudar a Espanha.
No discurso de hoje, Dilma também reforçará que apenas austeridade fiscal não será suficiente para que os países europeus possam enfrentar a crise, por mais que tal ação seja dada como resposta ao mercado e ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O ministro de Assuntos Exteriores e Cooperação da Espanha, José Manuel García Margallo, voltou a reforçar ontem, em Cádiz, a necessidade de investimentos para o bloco europeu sair da crise. O apelo por menos impostos deve ser o tom do discurso de outros líderes ao longo do dia de hoje.
Empobrecimento Ontem, o anúncio de outro número negativo abalou ainda mais a confiança dos espanhóis. No país, desde 2007, mais de 2 milhões de pessoas foram empurradas para a precariedade, estabelecida em núcleos familiares com salários inferiores a 12 mil euros por ano – cerca de R$ 2.500 por mês. Os dados foram apresentados no informe "Adeus, classe média", elaborado pelo sindicato dos técnicos do Ministério da Fazenda da Espanha.