Segunda recessão em três anos, onda generalizada de greves, corte de benefícios e salários, aumento de impostos e taxas de desemprego que beiram a um quarto da população. O cenário devastador pelo qual passam Espanha, Itália, Grécia e Portugal não se resume ao sistema financeiro em frangalhos e aos pacotes bilionários de resgate das economias, esperados com ansiedade pelos mercados mundiais.
A cada novo indicador negativo, mais famílias se veem à beira do colapso. Com salários reduzidos – se é que ainda podem contar com a recompensa pelo trabalho – e privados de direitos básicos como educação e saúde, milhões de espanhóis, italianos, gregos e portugueses desmoronam diante da falta de perspectiva por dias melhores. O Estado de Minas ouviu relatos de alguns desses europeus que, apesar das distintas nacionalidades, têm sentimentos semelhantes.
Falam sobre o drama humano por trás das medidas políticas e econômicas: a falta de credibilidade dos governantes, a descrença na melhoria do cenário no curto prazo e até da privação de sonhos e projetos de constituir família e comprar a casa própria. Mesmo na França – ainda à margem dos efeitos mais profundos da crise econômica –, a população vive em vigília, à espera do pior. A seguir eles contam histórias comoventes das decepções e do futuro nebuloso que vislumbram.
ESPANHA
No mar de desemprego
Nome: Paula Díaz Mesa
Profissão: professora de espanhol para estrangeiros
Idade: 28 anos
Cidade: Madri
“Quando a crise começou, eu vivia em Varsóvia, na Polônia, e há dois anos eu e meu marido resolvemos voltar para Madri, ainda que com poucas expectativas. Tivemos sorte, e em três meses estávamos empregados. Nesse período, pudemos ver como a crise cresceu cada vez mais. Recentemente, foram criadas as expressões ‘mileuristas’ e ‘nimileuristas’ para definir aqueles que ganham mais e menos de 1 mil euros por mês. Pode imaginar o que é viver em Madri com menos de 1 mil euros?
O mais curioso é que não falo de salários como este para trabalhos simples, que não requerem qualificação. Este é o ganho esperado por um professor de espanhol que dê mais de seis horas de aula diariamente em uma cidade onde o aluguel de um apartamento gira em torno de 800 euros.
E esta realidade se aplica a muitas pessoas que, inclusive, compraram uma casa a preço exorbitante – como eram todas – na esperança de uma vida melhor. Agora, estão cada vez mais próximas da ruína. Muitas acabaram perdendo suas moradias e ficando com a dívida eterna. Outras preferiram o suicídio à ideia de se verem na rua da noite para o dia.
O que se lê nos jornais são muitas palavras econômicas, mas pouco drama humano. Se esquecem das pessoas. Palavras que nunca havíamos ouvido antes, como déficit, resgate, recessão, cortes, agora são corriqueiras. Parece que não significam nada, mas atrás de cada uma delas há milhares de famílias prestes a serem despejadas, milhares sem emprego nem perspectiva de conseguir algum.
Quanto ao mercado de trabalho, é desencorajador. Os jovens são os que sofrem mais. Nos chamam de a geração perdida. É muito injusto. Somos a geração mais preparada, com mais estudos e, talvez, força de vontade. Mas todos são colocados em uma caixa e atirados no mar de desemprego. As decisões do governo são um erro atrás do outro. As pessoas não apenas estão contra as decisões políticas, como se envergonham delas. Não pensam nas pessoas, mas sim nos bancos. Não governam os políticos, governa o mercado. A sensação que se respira nas ruas é de que ainda falta muito para a crise passar e que o pior ainda está por vir. Talvez o melhor seja tocar o fundo e reconstruir a casa da base, mas desta vez com cimento de verdade.”
GRÉCIA
Sem permissão para sonhar
Nome: Athina Nadali
Profissão: administradora de empresas (desempregada)
Idade: 30 anos
Cidade: Atenas
“O maior efeito que a crise teve em minha vida foi o desemprego. Há dois anos tento uma oportunidade de trabalho, mas sem sucesso. Investi anos e dinheiro na minha formação para ter uma carreira e independência financeira, e agora tudo parece em vão. Estudei administração de empresas, tenho mestrado e ainda falo inglês, espanhol e francês.
Quando procuro vagas de trabalho que estão bem abaixo da minha formação, é comum esconder o mestrado e as qualificações que tenho para garantir mais chances de contratação, já que ninguém está disposto a pagar mais por isso. Eu não acredito que consiga encontrar alguma coisa tão cedo e isso me deixa muito triste porque já tenho 30 anos e pouca experiência profissional. Quando a crise acabar, eu provavelmente estarei bem mais velha, sem bagagem profissional suficiente para ser contratada.
Vivemos eu, minha mãe e meu pai com a pensão que ele ganha. Mas boa parte do valor já foi cortado e hoje chega a ser um quinto do que ele costumava ganhar. Gastamos muito menos com roupas, não saímos muito e compramos apenas o necessário no supermercado. O governo não ajuda em nada. Muitas pessoas perderam suas casas e não conseguem satisfazer sequer as necessidades básicas.
Foi no último ano que a situação piorou. Além do desemprego em alta, algumas taxas aumentaram. Com isso, produtos como a gasolina subiram bastante. Quanto às decisões do governo e da União Europeia, acredito que sejam tomadas sem considerar as necessidades da população. Eles estão apenas calculando números na tentativa de sair da crise, mas se esquecem das pessoas. Em alguns anos, conseguirão nos tirar dessa, mas a qual preço?
As pessoas nas ruas não estão apenas descrentes com o governo como também extremamente furiosas e não acreditam mais em nenhuma promessa que é feita. Todos esperam que a situação piore e não veem uma recuperação econômica no curto prazo. Na Grécia, o governo é o inimigo. O pior de tudo isso é o contínuo sentimento de incerteza e medo do futuro e a crença de que não se é permitido mais sonhar. A cada dia, mais e mais pessoas pedem dinheiro nas ruas. É muito triste. Corta meu coração.”
PORTUGAL
Situação insustentável
Nome: André Marta Silva Prado
Profissão: técnico em organização de eventos (desempregado)
Idade: 23 anos
Cidade: Amadora (satélite de Lisboa)
“A crise afetou muito minha família, principalmente quando cortaram diretamente o salário da minha mãe em cerca de 100 euros ao mês, além da redução dos subsídios do governo. A partir daí, deixamos de fazer muita coisa para não desequilibrar as contas, como gastos com passeio e produtos de segunda necessidade. Tive que me adaptar, por exemplo, a usar somente o transporte público porque até para usar carro ficou complicado, já que o preço dos combustíveis aumentou muito.
Além disso, houve um aumento claro de impostos. O custo para ir aos restaurantes também cresceu e as pessoas agora se limitam a comer em casa, embora muitas nem essa possibilidade têm. O clima da população em geral é de tensão. As pessoas andam preocupadas em fazer contas para ver se têm dinheiro pelo menos para a comida e pagamento de contas básicas.
O futuro dos jovens também está comprometido. Se querem ir para a faculdade, não consegue, já que os pais não têm dinheiro para pagar as mensalidades. Não há emprego e todos os setores estão demitindo. O que acontece é que cada vez mais buscam-se oportunidades em outros países, porque aqui a situação é insustentável.
Terminei agora o curso técnico profissional de organização de eventos e está muito complicado conseguir emprego. As empresas querem explorar os jovens com contratos de trabalho precários, sem contar os estágios não remunerados. Não tento mais procurar na área em que me formei e estou ampliando as possibilidades para todo tipo de área. A minha preocupação é de não desistir.
A maioria absoluta dos portugueses está descrente com o governo e quer mudanças, mas não espera uma retomada da economia no curto prazo. O governo não tem credibilidade e age com muita contradição. Dizem, por exemplo, que em breve os cortes serão suspensos, mas na semana seguinte anunciam nova redução. Essa incerteza e instabilidade são as piores partes da crise. Para um jovem como eu, fica até difícil pensar em constituir família algum dia ou sonhar em ter uma casa própria. Não há possibilidades para isso. De fato é desumana a forma com que muitos de nós vivemos. Há até quem diga que Portugal já é um país de terceiro mundo.”
ITÁLIA
Dificuldades evidentes
Nome: Fabio Colella
Profissão: técnico em projetos termo-hidráulicos
Idade: 36 anos
Cidade: Nápoles
“Tive que mudar muitos hábitos depois que a crise começou com mais força. Hoje não se gasta mais como antes e se tem muito mais preocupação em fazer economias, já que as dificuldades econômicas do país se fazem presentes de maneira muito evidente. De certa forma, a crise já era sentida pela população há muitos anos, mas Berlusconi (ex-primeiro-ministro da Itália) a escondia e Monti (atual), com o intuito de reerguer a Itália, acabou terminando de arruiná-la.
Não se sente qualquer melhora na situação da população. Nada. As condições estão muito duras. Os italianos não têm mais confiança no nosso governo e seria necessária uma mudança completa. Mas ela não acontece porque os políticos estão bem e não sentem as consequências como os italianos.
A taxa de desemprego aumentou muito. Muitos negócios são fechados todos os dias e até empresas grandes e sólidas, como montadoras de veículos, ameaçam fechar e deixar milhares de pessoas sem emprego, trazendo graves consequências para a atividade comercial.
Com isso, as manifestações nas ruas se tornam frequentes, mas nunca participei de nenhuma delas. Se tivesse uma específica contra a nossa classe política, eu seria o primeiro a descer para a praça e participar. Além do desemprego, a pior parte da crise é o contínuo aumento da gasolina, do gás, da luz e de outros produtos de primeira necessidade, sem contar os cortes de orçamentos para as escolas e saúde. Ci stanno uccidendo (Estão nos matando).”
FRANÇA
Pessoas mais prudentes
Nome: Geraldine Marin
Profissão: psicóloga
Idade: 52 anos
Cidade: Paris
“Até o momento, a crise não afetou a nossa vida cotidiana. Sabemos que a situação na Europa está muito complicada, mas na França, e especialmente em Paris, não observamos mudanças. No entanto, eu e minha família estamos prudentes e retardamos alguns investimentos que tínhamos previsto para nossa casa. Acredito, no entanto, que os efeitos mais fortes da crise estão por vir.
Acabamos de eleger um presidente, e durante a campanha muitas decisões importantes não foram tomadas. Agora que as eleições passaram, acredito que medidas políticas impopulares acabarão sendo colocadas em prática. Quanto ao que vem sendo decidido no âmbito da União Europeia, me parece que não tem como objetivo o combate dos efeitos da crise, mas sim a preservação do próprio grupo. A maioria das medidas é extremamente impopular, já que consiste basicamente na diminuição das despesas e aumento dos impostos.
De uma maneira geral, os habitantes estão céticos e não veem uma retomada econômica rápida. As medidas fiscais estrangulam as pequenas e médias empresas e freiam novos negócios. As pessoas em geral estão mais prudentes. O consumo mudou. Eu, por exemplo, espero as promoções para fazer compras, retardei alguns investimentos e estou muito mais atenta com os gastos cotidianos. Algumas regiões no Norte da França foram tomadas por uma taxa de desemprego sem precedente. Muitos funcionários nessas regiões trabalham em fábricas que foram fechadas. São pouco qualificados e por isso é muito difícil de recolocá-los no mercado de trabalho diante da realidade atual.”