O futuro energético do país ficou mais nebuloso. As incertezas vão desde a oferta de combustíveis para abastecer veículos à viabilidade de grandes projetos hídricos no Norte, passando pelas falhas do sistema de transmissão elétrica e por atrasos na exploração na camada do pré-sal. Elas revelam que a crescente intervenção do governo no setor preferido da presidente Dilma Rousseff, ignorando leis de mercado, afetaram metas de expansão e ameaçam se tornar um novo e poderoso entrave para a expansão dos investimentos de que a economia precisa para voltar a crescer a taxas robustas.
Para analistas, o cenário ainda está longe da paralisia estatizante da Venezuela e da Argentina. Mas as inesperadas mudanças nas regras do jogo para o setor elétrico, anunciadas em 11 de setembro — dedicadas a forçar descontos médios de 20% na conta de luz, por meio da renovação antecipada de concessões, mediante condições draconianas —, já deixam investidores receosos. Em alguns casos, empresas estão até se preparando para contestar na Justiça as regras definidas pelo Planalto, evidenciando a insegurança jurídica gerada no segmento.
“A antecipação do término de contratos de 2015 para 2013 pegou todas as companhias do setor elétrico de surpresa, assim como o tamanho do corte proposto nos seus rendimentos futuros”, afirma João Carlos Mello, presidente da consultoria internacional Andrade & Canelas. Ele considera exagerada a reação dos operadores da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) às novas regras, estabelecidas pela Medida Provisória (MP) 579, mas reconhece que, com os novos termos impostos pelo governo, haverá um corte de R$ 13 bilhões nas receitas das empresas em 2013, que “as deixarão descapitalizadas para investir”. Apenas a estatal Eletrobras terá perda de R$ 9 bilhões.
Desde o início do ano, as ações das empresas do setor elétrico caíram em média 25%. Para algumas, como a geradora paulista Cesp, a desvalorização acumulada chega a 50%. Mas a maior preocupação dos especialistas está numa revisão para baixo das projeções de expansão da matriz energética. O próprio ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, não confirma mais a expectativa, manifestada no início do ano, de que o país dobraria até 2020 sua capacidade de geração, atualmente em torno de 120 gigawatts (GW). Se tudo correr bem, isso só dever acontecer dentro de 15 anos.
Embates
Uma prova da necessidade de acelerar investimentos no parque gerador hidráulico, orgulho do país líder em energia limpa, é o fato de a atual e prolongada seca no Nordeste ter levado ao acionamento de praticamente todas as usinas térmicas em território nacional. A escalada de apagões, iniciada nos últimos três anos e acelerada neste semestre, pode garantir a 2012 um novo recorde de interrupções no fornecimento de energia, e evidencia a urgência de mais investimento na transmissão.
Para manter o cronograma de construção de novas usinas, o governo tem ampliado sua participação no segmento via fundos de pensão de empresas estatais, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e as empresas do grupo Eletrobras. Em paralelo, as concessionárias das usinas movidas pelo vento (eólicas) ainda mantêm a meta de elevar até 2014 dos atuais 1% para 5% sua fatia na capacidade geradora nacional.
Para piorar, as obras dos megaprojetos de hidrelétricas na Amazônia, como Belo Monte (PA), Jirau (RO) e Santo Antônio (RO), têm sofrido constantes interrupções por causa de ações na Justiça e de embates com empregados e povos indígenas. Jirau e Santo Antônio também caminham para uma briga judicial em torno do potencial oferecido pelo Rio Madeira, onde os dois grupos constróem usinas. “Na área energética estamos enfrentando o custo Brasil, mas podemos elevar o risco Brasil”, ilustra o diretor de uma grande distribuidora de eletricidade.
Etanol prejudicado
A contenção dos preços de combustíveis fósseis compromete a produção de etanol. Para ser viável, o álcool deve custar no máximo 70% da gasolina. Mas o custo da produção da cana-de-açúcar subiu nos últimos quatro anos de R$ 34 para R$ 65 por tonelada, segundo Paulo Leal, presidente da Federação dos Plantadores de Cana (Feplana).”Há pouco tempo, mais de metade da frota usava o combustível verde. Hoje, menos de 30%.”