Apontado como polo de exportação de carros para a América do Sul pela maioria das montadoras nos anos 90, quando o número de fabricantes locais mais que dobrou, o Brasil hoje tem dificuldades em vender até mesmo para seus parceiros comerciais, a Argentina e o México. Além de preços menos competitivos, o País enfrenta a onda de barreiras impostas pelo governo argentino, que tenta impor mais restrições aos carros brasileiros no próximo ano.
A indústria automobilística nacional perdeu US$ 800 milhões no mercado externo este ano, levando-se em conta o total de US$ 12 6 bilhões exportados de janeiro a outubro em comparação aos US$ 13,4 bilhões exportados em igual período do ano passado. Só a Argentina contribuiu com 70% dessa queda, ao reduzir suas compras em US$ 570 milhões no período, para US$ 3,7 bilhões.
As montadoras já chegaram a exportar 30% de sua produção em 2005 (724 mil veículos). Hoje, apenas 13% do que sai das linhas de montagem brasileiras segue para outros países. A falta de competitividade do carro nacional já era notável em regiões como Estados Unidos, Europa e China, para onde as exportações secaram há alguns anos.
Agora, as vendas perdem espaço também na América do Sul, até mesmo para países da própria região. A Renault deixou de vender para o México 7 mil unidades ao ano do compacto Sandero produzido no Paraná. "A Colômbia passou a ser a fornecedora do modelo, pois tivemos uma evolução desfavorável de custos e nossa competitividade se degradou muito", diz o vice-presidente para as Américas da Renault, Denis Barbier.
A General Motors perdeu contratos para Chile, Colômbia, Equador e Venezuela, que passaram a ser abastecidos por China, Coreia do Sul e Tailândia. Um exemplo citado pelo presidente da GM América do Sul, Jaime Ardila, é o da picape S10, que é exportada da Tailândia para esses mercados a preços entre 20% e 30% mais baixos que os do Brasil. "A ironia é que a S10 foi desenvolvida aqui no Brasil", diz o executivo.
A fábrica da GM exclusiva para CKDs (veículos desmontados para exportação) em São José dos Campos (SP) - a única no País - opera com 20% de sua capacidade e cerca de 100 funcionários.
"O câmbio é a menor das nossas preocupações; o problema são os custos de infraestrutura, logística e mão de obra", diz Ardila, citando especialmente as dificuldades nos portos, estradas e o monopólio mantido pelos transportadores, os chamados cegonheiros.
Excesso de capacidade
Em meados dos anos 90, quando uma leva de novas fabricantes chegou ao País - entre as quais Honda, Toyota, Renault, Peugeot e Citroën -, o discurso quase unânime, adotado também pelas empresas que estavam no País há mais tempo, era fazer do Brasil a base de exportações para a região. A maioria não levou a meta adiante, que ficou ainda mais difícil após a crise de 2008, que derrubou os mercados internacionais.
Em 2002, quando a Toyota iniciou em Indaiatuba (SP) a produção de uma versão renovada do Corolla, afirmou que o Brasil seria a base de exportação do sedã para América Latina e Caribe. Pelo menos 35% da produção seria voltada ao mercado externo. Passados dez anos, cerca de 20% do que é feito na unidade segue para a Argentina e uma pequena quantidade para a Colômbia.
"O que ocorreu, após os investimentos da década de 90, é que o mercado não respondeu às expectativas e criou-se um excesso de capacidade que se juntou à desvalorização da moeda", afirma o sócio da PricewaterhouseCoopers (PwC), Marcelo Cioffi. A alternativa para as fabricantes foram os acordos bilaterais fechados com a Argentina e o México, que agora também estão dando sinais de esgotamento.
Novas montadoras priorizam o mercado doméstico
As novas empresas que chegam ao País, como a coreana Hyundai e a alemã BMW, não falam em exportar seus veículos, mas em priorizar o mercado doméstico. Embora considerados globais, vários modelos recém-lançados têm como público-alvo o consumidor brasileiro.
O compacto Etios, feito desde agosto pela Toyota na nova fábrica de Sorocaba (SP), por enquanto é exclusivo para o mercado local. A exportação está prevista para meados de 2013, provavelmente para a Argentina. O Onix, lançado pela GM em outubro, e o Hyundai HB20 também têm como prioridade as vendas domésticas.
Marcelo Cioffi, da consultoria PwC, lembra que, em parte, a decisão de focar o mercado brasileiro segue a estratégia das grandes multinacionais do ramo automotivo de "produzir onde se vende". Mas o próprio presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Cledorvino Belini reconhece que "há 29 milhões em capacidade ociosa de veículos no mundo todo tentando vender em países como o nosso".
Belini diz que o Inovar-Auto, programa que entra em vigor em janeiro com metas a serem cumpridas pelas fabricantes, vai colocar o produtor brasileiro no mesmo nível internacional de consumo, emissões e segurança.
Ele ressalta, contudo, que o Brasil tem de melhorar em infraestrutura, custos e logística. "Enquanto nosso aço custar 40% mais caro que o chinês, podemos ter o melhor carro do mundo que não vamos conseguir competir", exemplifica.
Para Cioffi, com a recuperação das economias mundiais e o câmbio voltando a níveis mais normais, é possível que parte do mercado externo seja recuperada. Mas ressalta que a competitividade em si não vai garantir exportações. "Mas é primordial, pois, se não tiver competitividade, o Brasil nem sequer vai entrar no jogo."