A arrecadação de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas compras feitas na internet, com entrega do produto diretamente na casa do consumidor, é feita pelo estado onde se localiza o site vendedor, e não naquele onde a compra foi realmente efetuada. O mesmo acontece quando a compra é feita por telefone ou por meio de catálogos de vendas, como no caso de cosméticos, e até em algumas das grandes redes de lojas físicas de departamento. Na tentativa de reter esse dinheiro, o Distrito Federal e 17 estados que perdem com as vendas já assinaram um protocolo no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) propondo sistema de partilha da arrecadação. Mas Minas Gerais não aderiu. É que a Secretaria de Estado da Fazenda julgou o protocolo dos estados e do DF inconstitucional.
"Esse protocolo cria nova hipótese de incidência tributária para as operações interestaduais envolvendo destinatários não contribuintes do ICMS", informa a Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais, em nota. Diante da possibilidade de bitributação – o que é inconstitucional –, Minas optou por não aderir ao protocolo. Ao todo, cerca de R$ 3 bilhões por ano em tributos não chegam às cidades onde as compras dos clientes foram feitas.
Lindolfo Fernandes de Castro, presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais (Sindifisco), lembra que o protocolo já foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “A Constituição determina que, quando a venda é para o consumidor final, o ICMS fica no estado remetente. Minas pode não ter assinado esse protocolo porque ele é inconstitucional e porque pode ser que o estado perca mais do que ganhe com isso, já que também conta com empresas de vendas por meio eletrônico não presenciais.”
A Secretaria de Estado da Fazenda de São Paulo estima que, de 2008 a maio deste ano, somente os mineiros acumularam R$ 98,2 milhões a receber em devoluções de ICMS por meio do programa Nota Fiscal Paulista, que restitui até 30% do valor recolhido do ICMS a cada compra feita em São Paulo. Até maio, mais de metade desse montante (R$ 50 milhões) ainda estava à espera de resgate.
De acordo com o segundo parágrafo do artigo 155 da Constituição da República, a alíquota aplicável para esses casos é a interna vigente no estado remetente das mercadorias. “Nada é devido, a título de ICMS, ao estado de destino, porque o destinatário nele situado não é contribuinte do imposto”, sustenta a secretaria mineira em nota. Da forma como determina a Constituição, os estados mais pobres do país saem perdendo. Sergipe, Piauí e Bahia deixam de arrecadar entre R$ 100 milhões e R$ 165 milhões por ano. A Secretaria da Fazenda em Minas não informa os valores que deixam de entrar nos cofres do estado.
Já o estado de São Paulo – onde estão os maiores sites de vendas do país e que concentra pelo menos 60% da movimentação de R$ 20 bilhões anuais do comércio eletrônico – calcula em mais de R$ 2 bilhões o total que entra em seus cofres públicos devido às compras não presenciais por consumidores de outros lugares. "Um morador de Piauí contribui para aumentar a arrecadação de São Paulo toda vez que faz uma compra pela internet", resume o secretário da Fazenda do estado, Silvano Alencar. Isso acontece porque não há, no comércio eletrônico, a repartição do tributo entre o estado de origem e o de destino da mercadoria, tal como ocorre quando os mesmos consumidores adquirem um bem em qualquer estabelecimento de sua cidade.
SHOWROOM "É uma injustiça com os estados onde estão os consumidores que geram esses negócios bilionários", afirma o secretário da Fazenda do Distrito Federal, Adonias dos Reis Santiago. O titular da mesma secretaria de Sergipe, João Andrade Vieira da Silva, destaca ainda que as grandes lojas de departamentos são apenas uma espécie de showroom nas cidades dos consumidores, pois o produto entregue depois vem de São Paulo, do Rio de Janeiro ou mesmo de Minas Gerais. "São só mostruário da mercadoria", diz. Dessa forma, mesmo compras feitas nas lojas físicas de grandes redes são tributadas na origem da mercadoria.
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), João Eloi Olenike, os estados que não assinaram o convênio desse reparte, como é o caso de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Tocantins e Amazonas, estão exercendo seu direito. “O Confaz é uma reunião de secretários da Fazenda. Se todos assinassem, a regra passaria a valer no Brasil todo”, diz. Como não foi o que ocorreu, o acordo vale nos estados que assinaram. Olenike acredita que a briga que envolve o ICMS na origem e no destino só vai terminar caso haja, de fato, uma reforma tributária no país.
"Isso só acaba quando o ICMS for substituído pelo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), um tributo federal que entraria no lugar do ICMS estadual. A ideia é fazer uma legislação só para todo o país. O recurso ficaria no destino. Seria recolhido pela União, que os repassaria aos estados", explica. O novo imposto também prevê a repartição dos recursos gerados e acaba com a guerra fiscal, acredita o presidente do IBPT. De acordo com ele, o dinheiro será recolhido em cada estado da Federação quando o consumidor comprar qualquer tipo de mercadoria. “É como o ICMS, só que os recursos vão para a União”, define. A legislação diferenciada acaba porque os estados perdem a autonomia para legislar.”
Liminares barram cobrança no destino
De acordo com o Protocolo ICMS nº 21, assinado pelo Distrito Federal e por 17 estados da Federação em 1º de abril de 2011, o sistema de partilha do imposto, como se fosse uma venda feita diretamente pelas lojas das cidades aos seus moradores, funcionaria com o vendedor recolhendo o tributo para dois estados: o de origem, com base na alíquota interestadual (de 7% a 9% sobre o preço do produto), e o do comprador, a diferença entre a alíquota interna (de até 25%) e aquele imposto interestadual já recolhido.
No caso de venda originada nos estados que não assinaram o documento, o protocolo estabelece que a unidade federativa de destino da mercadoria cobrará do vendedor o ICMS local, com base na alíquota interna cheia, de até 25%, sem qualquer abatimento. Ou seja, as empresas terão que pagar duas vezes o ICMS cheio, uma vez que já recolhem a mesma alíquota para o estado onde estão sediadas.
Inconformadas, elas foram à Justiça e conseguiram liminar para não fazer esse segundo recolhimento, alegando bitributação. A Secretaria da Fazenda do DF afirma que 95% das companhias que vendem pela internet para consumidores da capital federal já estão amparadas por liminares, sem recolher o imposto. Enquanto isso, em toda reunião mensal do Confaz, os representantes do DF e dos estados mais pobres pedem ajuda do governo federal para apressar a apreciação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Comércio Eletrônico.