Às margens da BR-040, em Ribeirão das Neves, um trajeto de cerca de 100 metros numa rua de terra batida separa a humilde casa do pedreiro Ronaldo Carvalho da propriedade onde será instalada a nova empresa do bilionário Eike Batista. Assim como os demais moradores do Bairro Cidade Neviana, Ronaldo mal sabe quem é o futuro vizinho. Com ajuda, se lembra apenas de ter visto na TV que o filho do empresário causou um acidente em um carrão importado. E fica surpreso ao saber que Eike é um dos sócios da fábrica em construção: “É até estranho um cara desses vir para cá. Ninguém acredita não. Ninguém tem certeza”, afirma.
Sobre a fábrica que será instalada, Ronaldo já sabe se tratar de uma unidade para produção de chips de alta tecnologia. Inicialmente, ouviu falar de amigos que a obra na fazenda ao lado de casa seria para a construção de mais um presídio para se somar a outras cinco unidades instaladas no município (Inspetor José Martinho Drumond, Dutra Ladeira, José Maria Alkmin, José Abranches Gonçalves e Centro de Apoio Médico e Pericial). O boato, no entanto, foi desmentido quando esteve pessoalmente no local em busca de uma vaga de emprego. Depois de seguir um ônibus com funcionários da obra, conseguiu chegar à portaria, de difícil acesso para os moradores do bairro, que ficam na lateral da propriedade.
Além de desmentir a possibilidade de mais uma unidade prisional na vizinhança, Ronaldo também soube que há vagas disponíveis na obra. E o melhor: o salário, de R$ 3 mil, é quase 50% maior que o valor que recebe em Contagem. O currículo está em análise, mas ele não esconde que seria muito bem-vinda a oportunidade. Não só pela remuneração maior. A economia de tempo rumo ao trabalho também é outra vantagem a ser considerada. Todo dia ele é obrigado a se levantar de madrugada para pegar o primeiro ônibus, às 5h, rumo ao Centro de Neves, para depois pegar outra condução até Contagem. São quase duas horas em trânsito.
Benefícios maiores com a chegada da empresa à cidade é o desejo dele e outros moradores. O investimento de R$ 1 bilhão associado aos impostos gerados para o município e a possibilidade de os bairros vizinhos serem revitalizados ao longo do tempo são um alento para a comunidade de um dos municípios mais carentes da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Entre outros problemas, até hoje o bairro onde a Six está se instalando não tem saneamento básico e o posto de saúde mais próximo fica a quase uma hora de ônibus. Mas já foi pior. Quando Ronaldo se mudou para o lugar, aos 15 anos (hoje ele tem 29, dois filhos e esposa), não havia sequer rede de água. “Aqui é muito atrasado. Tomara que seja bom para eles e bom para a gente também”, afirma o pedreiro.
Prova da complicada situação é que o Índice de Responsabilidade Social – compilação de indicadores sociais de diversas áreas (educação, saúde, lazer, esporte, economia etc.) elaborada pela Fundação João Pinheiro – de Ribeirão das Neves é o quarto pior entre as 34 cidades que integram a região. De olho nisso, o governo de Minas entrou como sócio no empreendimento e escolheu o município de 296.317 habitantes para a construção da fábrica. A ideia é possibilitar que a cidade ganhe ares de progresso e novas – e qualificadas – vagas de emprego, além de melhorar a receita do município, repetindo o que ocorreu em Betim há quatro décadas, com a implantação da Fiat e da Refinaria Gabriel Passos (Regap). Atualmente, a renda per capita mensal de Ribeirão das Neves é de R$ 483,34, ante R$ 1.653,47 em Nova Lima (melhor do estado).
Saneamento
Há 22 anos no Bairro Cidade Neviana, o aposentado Antônio Gonçalves vive com a esposa numa casinha pequena e bastante precária, convivendo diariamente com o mau cheiro proveniente de um fosso tampado por pedaços de madeira na entrada do terreno. Sua maior esperança é que a chegada da empresa atraia melhorias em saúde e saneamento. “Saúde aqui não tem. Tem posto, mas não tem médico. Ninguém liga para este lugar, não”, afirma.
Questionado sobre quem seria seu novo vizinho, não sabe responder. Eike? Menos ainda. Antônio não gosta de televisão, prefere cuidar da horta, no fundo da casa, e, mesmo com dificuldade de mobilidade, caminhar pelo bairro e papear com os vizinhos. Ele consegue calcular, no entanto, que o que foi gasto com terra para tornar plano o terreno e iniciar as obras seria suficiente para criar uma imensidão de hortaliças.
O empresário brasileiro Eike Batista é o 28º homem mais rico do mundo, segundo levantamento com 200 nomes da revista Bloomberg. Em março, o empresário foi ranqueado como o 7º mais rico pela revista Forbes, mas em junho ele já estaria na 46ª posição da mesma lista. A revista aponta que Eike Batista teve queda de 9,3% em sua fortuna, cotada em US$ 20,4 bilhões (o equivalente a R$ 42,53 bilhões, pelo câmbio da última sexta-feira).
Antônio Gonçalves e a mulher vivem com dois salários mínimos por mês, mas o aposentado não se intimida com as cifras do novo vizinho: “Se ganho R$ 10, vou viver com eles; se ganharR$ 100, é aquilo e, se for, R$ 1 mil é R$ 1 mil”.
RAIO X
Saiba tudo sobre a SIX Semicondutores
» A fase de fundação da obra deve ser concluída até o mês que vem
» A obra deve ser finalizada até o terceiro trimestre do ano que vem
» A operação comercial terá início em 2015
» A capacidade diária de produção é de 360 wafers (placas de silício usadas na montagem de semicondutores)
» 300 empregos diretos serão gerados pela fábrica
» 20 engenheiros serão enviados para treinamento nos Estados Unidos, na fábrica da IBM
» Dois terços das ações pertencem ao grupo EBX, de Eike Batista, e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
» O Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) possui 7,2% das ações
» A IBM, responsável pelo desenvolvimento da tecnologia, tem 18% de participação e o restante é dividido entre o empresário Wolfgang Sauer e a Matec Investimentos