A história se repete. As empresas aéreas no Brasil não conseguem decolar. O modelo aeroviário adotado pelo país há 10 anos, quando o setor era dominado por Varig, Transbrasil, Vasp e TAM – e que naufragou pouco a pouco, com a saída das três primeiras do mercado – volta a acontecer. O mercado de aviação brasileiro está concentrado hoje nas mãos de quatro companhias aéreas: TAM, Gol (que fundiu com a Webjet), Azul (que se uniu à Trip) e Avianca. Juntas, elas detêm 99,5% de participação no mercado doméstico, segundo balanço de outubro da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
O resultado dessa concentração reflete no bolso do consumidor. Há o risco de apenas a elite voltar a voar. A guerra de tarifas entre as companhias aéreas, com promoções de até mesmo de R$ 1 por trecho, ficou para trás. Na sexta-feira, reportagem do Estado de Minas mostrou que as viagens de avião na alta temporada ligando grandes cidades nos Estados Unidos e na Europa podem ser bem mais baratas do que entre capitais brasileiras. O jornal publicou ainda a escalada de preços das passagens aéreas nas últimas semanas.
Mas o governo e empresas aéreas decidiram unificar o discurso para justificar os preços abusivos cobrados pelas empresas áreas neste fim de ano. A Secretaria de Aviação Civil (SAC) e as companhias aéreas informaram na semana passada que esse movimento de carestia é normal em todo o mundo em períodos em que a procura por bilhetes aumenta muito.
Entretanto, especialistas no setor discordam. Cláudio Costa Pereira, militar reformado da Força Aérea Brasileira, com vasta experiência em aviação nacional e internacional, é taxativo ao dizer que a situação vivida hoje pelo setor é pior do que há 10 anos. “Temos menos empresas oferecendo as linhas. Isso é sempre problema, pois traz elevação de preço e diminuição de benefício. Outro dia, paguei R$ 3 por um copo de água em um voo. Antes, tinha café da manhã, almoço, jantar e até ceia de graça”, avalia o consultor. Segundo Pereira, o passageiro também está hoje em situação pior. “Quando poderíamos imaginar que a Varig, Vasp e Transbrasil iriam fechar?”, questiona.
O engenheiro Lucas Martins viaja com frequência a trabalho. A rota comum é São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Curitiba. Ele se assustou com a alta de preços das tarifas aéreas nos últimos tempos. “Não sei se é em função da alta temporada ou pela fusão das companhias aéreas”, diz.
Os funcionários públicos Raquel Elizabeth de Sousa Santos e Gidião Augusto dos Santos também embarcam com frequência de Belo Horizonte a Brasília. Na viagem feita na semana passada, desembolsaram mais de R$ 1 mil no trecho BH-São Paulo. “Antes, pagava R$ 300 pela ida e volta, ou até mesmo R$ 89”, reclama Gidião.
BH: Campeã da alta
Antes do anúncio do fim da Webjet pela Gol, os preços das passagens já tinham decolado, segundo análises prévias. Em 27 de novembro, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que mede a inflação no município de São Paulo e calculado pela Fundação de Pesquisas Econômicas (Fipe), apontou as tarifas das companhias aéreas como um dos cinco maiores destaques da alta das últimas duas semanas. Elas subiram em média 7,98% e o IPC, 0,64%. Belo Horizonte foi a capital que registrou a maior elevação de preço de passagem aérea no acumulado dos últimos 12 meses (a partir de outubro) entre 11 cidades brasileiras. O aumento foi de 23,47%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Categoria em estado de greve
Os aeroviários (funcionários que trabalham em terra) das cidades de Belo Horizonte, Salvador, Brasília e Galeão entraram em estado de greve. “Podemos começar a greve a qualquer momento, pois já foi aprovada em assembleia”, afirma Valter Aguiar, diretor nacional do Sindicato dos Aeroviários. “Tivemos várias reuniões com os patrões e a nossa pauta de reivindicação não foi atendida. Eles não querem oferecer nem o índice tradicionalmente usado em negociações salariais – o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)”, afirma Aguiar. Segundo ele, as empresas ofereceram apenas 0,25% de reposição salarial.
Os trabalhadores demitidos da Webjet e os aeroviários fizeram manifestação na madrugada de sexta-feira no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, na Grande BH. Cerca de 100 pessoas caminharam da rodovia até o saguão do aeroporto reivindicando melhoria nas condições salariais e reclamando contra a demissão dos trabalhadores da Webjet.
Crise geral
A crise vivida pelo segmento da aviação não é privilégio do Brasil. A Pan American World Airways, mais conhecida como Pan Am, foi a principal companhia aérea norte-americana da década de 1930 até o seu colapso em 1991, depois de acidente aéreo em 1988. Em 2011, os altos custos trabalhistas e elevação do preço dos combustíveis derrubaram as contas da American Airlines, que recorreu à lei de concordata dos Estados Unidos para evitar a falência.
Até então, a American Airlines havia sido a única grande companhia aérea norte-americana a não recorrer à proteção prevista no código de insolvências depois dos ataques terroristas de 2001. Entre as empresas que se beneficiaram da Lei de Falências, estão a Delta Airlines e Northwest Airlines – que pediram concordata em 2005 e acabaram se fundindo posteriormente – e United Airlines, que em 2002 recorreu à mesma estratégia para em 2010 se unir à Continental. (GC)
FIM DA ERA DAS TARIFAS BARATAS