"Vivemos hoje um estado de exceção [em decorrência da aproximação da Copa do Mundo e das Olimpíadas]", disse o professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Vainer. Ele fez uma análise da flexibilização que vem sendo operada nas leis brasileiras para a fim de que sejam atendidos os compromissos firmados com os organizadores internacionais dos eventos. Tais alterações, segundo ele, podem provocar graves impactos no ordenamento jurídico e social do país.
"Com a Lei Geral da Copa, abriu-se uma exceção absurda. O governo brasileiro abdicou do seu direito de decidir quem entra no território nacional. Quem comprar entrada para assistir qualquer jogo da Copa tem automaticamente, sem custos, o visto de entrada no país. Na prática, o Brasil entregou a uma entidade privada o direito de emitir vistos de entrada no país", critica.
Vainer enumera três impactos que podem resultar dessas medidas que chamou de exceção. A primeira diz respeito ao endividamento dos estados e municípios. "Estamos assumindo, sem que tenhamos sido devidamente consultados, o compromisso de pagar nos próximos 20, 30, 40 anos montantes que restringem a capacidade de investimento nas nossas grandes metrópoles", explicou. Ele critica a falta de informação sobre os gastos reais. "Se tomarmos como exemplo os jogos Panamericanos, vamos ter que multiplicar o orçamento previsto inicialmente por dez", declarou.
O segundo impacto destacado pelo professor é o aprofundamento das desigualdades sociais, resultante das remoções de comunidades para dar passagem à obras vinculadas aos eventos. "Não podemos dizer que a segregação urbana tem início com a Copa e com as Olimpíadas, mas é possível afirmar que esses processos estão aprofundando de maneira marcante essa situação", avaliou.
Ele critica o grande número de remoções em curso. "Estamos assistindo à expulsão de populações pobres e a captura desses terrenos pelo capital depois de valorizados pelos investimentos públicos. Isso é dramático e aprofunda o caráter antidemocrático das nossas cidades. As pessoas estão sendo retiradas das áreas, porque estão no caminho do investimento ou porque poluem a paisagem", apontou.
O pesquisador destaca ainda os impactos relacionadas à segurança. "É grave abrir o precedente para que as Forças Armadas intervenham na ordem pública: isso deveria ser tarefa das polícias. A história brasileira recente mostra claramente esse risco. Você cria situações inaceitáveis, mas que a sociedade acaba se acostumando", explicou.
O pesquisador considera positiva a articulação nacional de comitês populares que questionam o poder público em boa parte dessas medidas. "Se olharmos por esse lado, é um balanço extraordinariamente positivo essa vitalidade, essa capacidade de organização". Ele destaca que tem ouvido relatos surpresos da imprensa internacional sobre o processo de mobilização no Brasil. "Jornalistas estrangeiros ficam surpresos com a vitalidade da resistência. Muito mais poderosa do que qualquer outro país que passou por essa experiência", relatou.
Ele lamenta que as mobilizações não estejam tendo a repercussão junto à mídia. "Apesar de algumas vitórias importantes, principalmente relacionadas a alguns casos de remoção de comunidades, essa resistência não tem sido capaz de alterar de maneira expressiva os rumos que os governantes associados a grandes empresas nacionais e internacionais estão dando aos jogos e ao país", declarou.