O preço para nascer é o mais novo embate que entra para pauta dos planos de saúde. Usuárias dos convênios devem pagar valor extra pelo parto, além da mensalidade do convênio? Os médicos podem cobrar pelo procedimento? Parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM) incendiou a polêmica ao autorizar a cobrança direta, do médico à paciente. Com outra orientação, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) afirma que as famílias não devem arcar com desembolso extra, uma vez que normal ou cesariana o parto é uma cobertura obrigatória dos planos de saúde. Segundo a agência reguladora, já teve início no país movimento de descredenciamento de médicos que praticavam a cobrança.
O órgão não informou números, mas declarou que vários processos administrativos foram abertos, com previsão de multa entre R$ 80 mil e R$ 100 mil para as operadoras, quando comprovada a prática. “A maior parte das denúncias que recebemos sobre a cobrança pelo parto chega de Minas Gerais e São Paulo”, informou Karla Coelho, gerente de Assistência à Saúde da ANS.
Matéria publicada pelo Estado de Minas mostrou que a cobrança direta já ocorria em 2009. À época, campanha publicitária do Sindicato da Associação dos Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig) comparava o valor recebido pelos médicos para realizar o procedimento com o de uma escova progressiva no salão. Segundo levantamento do CFM, o valor médio remunerado pelas operadoras não ultrapassa R$ 460, sendo exceções planos que chegam a pagar acima de R$ 1 mil. Já na cobrança direta, segundo consumidoras de planos de saúde em Belo Horizonte o preço varia entre R$ 2,5 mil e R$ 4 mil.
O parecer do CFM veio responder a questionamento da ANS sobre a cobrança direta. Segundo o documento, o médico pode cobrar direto da paciente para fazer o procedimento fora do seu plantão, mas não pode receber também do plano de saúde. “A cobrança não afronta a ética, desde que a fonte de pagamento seja apenas uma”, defende Hermann Von Tiesenhausen, conselheiro do CFM em Minas. Segundo ele, o médico deve deixar claro para a paciente que cobra pelo procedimento já na primeira consulta do pré-natal, firmando o contrato com os valores acordados.
Segurança Aos 7 meses de gravidez, a empresária Vanessa* faz o pré-natal pelo plano de saúde e vai pagar R$ 3 mil pelo parto. Ela também pagou ao médico de sua confiança pelo nascimento do primeiro filho. Segundo a empresária, o valor é alto mas foi a maneira encontrada de ter o filho com quem estabeleceu laços de confiança. “Não acho justo cobrança para quem já paga um plano, mas por outro lado ouvi o argumento do médico que a remuneração é muito baixa. Com o pagamento, ele me atende independentemente da hora do parto.”
Mudanças à vista
Segundo a ANS, o documento do CFM deixou dúvidas e uma reunião será feita em fevereiro para esclarecimentos. De acordo com Karla Coelho, o modo de cobrança proposto não responde, por exemplo, a situações de o médico ter dois atendimentos em um mesmo horário. “Não diz também qual seria a equipe necessária nas maternidades.” A gerente da agência reguladora não descartou que a medida pode suscitar uma mudança de contrato dos médicos com as operadoras. Assim, a usuária teria já no informativo da rede credenciada o nome dos profissionais que são apenas pré-natalistas e daqueles que acompanham todo o processo, até o parto.
Até mesmo a disponibilidade médica, como um item a ser incluído no rol de procedimentos da agência, pode se tornar matéria de discussão. “A ANS entende que a cobrança é indevida. A usuária deve denunciar o fato à operadora e à agência”, sustenta Karla Coelho.
Prestes a ter seu bebê, a pedagoga Renata Vieira vai fazer o parto com o mesmo médico que escolheu para o pré-natal. “Acho que o certo é o médico acertar o parto com o plano. Meu médico não vai me cobrar pelo procedimento.” Renata e seu marido, o ferroviário Antônio Vieira, dizem que a assistência ao parto é um dos principais serviços que a família buscou no plano de saúde. Segundo eles, que têm familiares atuando no setor e amigos que tiveram filhos pelo plano, a questão ainda não chegou a um consenso. “Existem médico que chega a cobrar até R$ 4 mil, mas muitos nem falam em valores com a grávida. Fazem o parto pelo plano.”
*Nome fictício.
Procons divergem sobre a polêmica
A cobrança pelo parto foi tema de um grupo de discussão na a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), com representantes dos prestadores de serviço, operadoras e de entidades de defesa do consumidor. Em parecer encaminhado à ANS, o Procon de São Paulo se posiciona contrário à cobrança. “Embora justa a reivindicação dos médicos por melhores condições de trabalho, consideramos que o profissional da saúde não deve se valer do paciente para alcançar seus pleitos.” Segundo a entidade, a descontinuidade do serviço e do vínculo de confiança em momento de vulnerabilidade resulta em prejuízo para as usuárias dos planos de saúde. Já o Procon de Belo Horizonte considera que a cobrança pelo atendimento fora do plantão do médico não é indevida.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) ressalta que o documento publicado é uma resposta a um questionamento da ANS e que não haverá prejuízos às gestantes, já que elas podem contar com médicos plantonistas em maternidades e hospitais do país. A Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig) defende a cobrança para o parto fora do plantão e diz que a relação é privada entre médico e paciente, não cabendo interferência da agência reguladora. (MC