Brasília – O economista Otaviano Canuto participou do governo Lula em 2003, quando a política econômica andava em trilhos diferentes dos de hoje. Ele não tem saudades. Afirma que o rigor fiscal e monetário da época era necessário para conseguir colocar a dívida pública na trajetória declinante em que se encontra atualmente. Para Canuto, a folga fiscal que existe hoje deveria ser usada para a negociação de uma reforma tributária. A redução dos custos para fazer negócios no país, afirma, teria grande impacto na ampliação dos investimentos. Outra exigência para que as empresas ampliem a capacidade de produção é que o governo sinalize com estabilidade das regras. Ele mudou-se para Washington em 2004, quando tornou-se diretor do Banco Mundial. Hoje é vice-presidente da instituição. Comanda a Rede de Redução da Pobreza e Gerenciamento Econômico, que reúne 700 profissionais, sobretudo economistas. Por telefone, concedeu à reportagem a entrevista a seguir.
O Brasil encerrou um ano em que o crescimento foi baixo e a inflação, apesar disso, não cedeu. Qual sua avaliação sobre esse problema?
Os desafios neste momento são mais agudos por conta dessa combinação de recuperação lenta e inflação em ascendência. A economia brasileira exibiu desempenho extraordinário nos últimos 10 anos, principalmente na redução da pobreza, na base da pirâmide. Foi um fenômeno notável, uma conquista extraordinária. Mas essa fonte de dinamismo, principalmente na base, deu o que tinha de dar, pelo menos temporariamente. Não dá para confiar que os mesmos fatores que impulsionaram o crescimento nos últimos 10 anos vão continuar para sempre. Neste momento, o país enfrenta desafios principalmente na reconquista de competitividade em setores importantes, particularmente da indústria manufatureira. O crescimento do consumo das famílias já chegou a um patamar elevado. Há necessidade clara de ter um conteúdo maior de investimentos, o que não é determinado pela expansão imediata de consumo. Um dos problemas a serem resolvidos é que os custos de fazer negócio no país são elevados, e isso é um componente do risco para o setor privado. Há coisas a serem feitas no país com profundidade. Os resultados serão duradouros, mas não serão imediatos.
Quais as perspectivas para este ano?
O desempenho será melhor do que em 2012 porque elementos negativos da conjuntura estão menos acentuados. O quadro é menos frágil do que tem sido nos últimos anos, nos EUA e em alguns dos vizinhos nossos que são demandantes das manufaturas do país. Os estoques das empresas, que eram excessivos, foram reduzidos. A conjuntura mundial ainda não aponta para estarmos fora da crise, mas há indicações de uma lenta recuperação mais firmes do que no cenário dos últimos anos. O problema é que esse impulso favorável de fora poderá deixar de ser aproveitado caso a evolução de custos continue tão desfavorável quanto tem sido nos últimos anos. Não podemos perder de vista o prazo mais longo. Como bem reconheceu o BC nas atas (do Comitê de Política Monetária, o Copom), as dificuldades não são de demanda, são do lado da oferta, da obtenção de produtividade, da eliminação dos gargalos. Não adianta esperar que o estímulo fiscal e monetário resolvam o problema. A inflação não está em ascensão preocupante, mas há resistências do lado da oferta.
Por que há dificuldade de aumento de investimentos da indústria?
Isso depende de perspectiva de expansão mercado bem à frente e de uma trajetória de crescimento sustentável por bom tempo. São decisões de aumento da capacidade instalada, implantação de novos processos de produção, aquisição de tecnologia etc. As empresas olham o ciclo de três a cinco anos. A grande dúvida do empresário é se ele coloca o patrimônio (em risco) num quadro que vai além da conjuntura. Fundamentalmente, o que precisa ser feito é reduzir o grau de incerteza. Se o empresário acredita que haverá muitas mudanças, pensa duas vezes antes de investir. Prefere se manter de forma líquida, não tomar financiamento. Hoje, pelo que a gente pode entender, é preciso dar mais clareza. Quando há movimentos erráticos nos sinais emitidos pelas autoridades econômicas, os empresários tendem a investir menos. Há dúvidas sobre a manutenção das regras do jogo. Acho que isso é o principal.
O que o governo deve fazer e deixar de fazer?
Tem que escutar o que os empresários têm a dizer sobre as dificuldades de investimento. É necessário haver sintonia. Estamos em um daqueles momentos típicos em que se tem de persuadir os empresários a confiar no futuro. Há uma argumentação clara sobre a necessidade de aprimoramento do marco regulatório e do tributário. Ela não é só minha. É minha e de toda a torcida do Corinthians . Ter uma agenda para enfrentar os componentes do custo Brasil seria também importante.
O governo tem promovido algumas desonerações tributárias. Isso é insuficiente em termos de incentivo e sinalização para as empresas?
Falando como brasileiro, temos mania de pensar que as pessoas só fazem as coisas se tiverem um incentivo fiscal. Eu diria que a estabilidade do quadro é mais importante. Reformas são mais importantes do que dar um dinheirinho. Se eu sou empresário de um setor que não teve incentivo, então vou esperar para ter o meu. E, mesmo que receba algo, isso pode acabar sendo mais do que compensado na direção oposta pela instabilidade nas regras. Outro problema é que a estrutura (do governo) se torna muito vulnerável a pressões. O espaço fiscal que existe deveria ser usado para uma reforma que reduza o ônus para todos. E eu não estou só falando do problema da magnitude dos tributos. Estou falando do custo para pagar, a complexidade dos processos. Isso é um traço marcante do país.
É possível aprovar uma reforma tributária? O governo, e não só este, menciona as dificuldades das negociações políticas, envolvendo inclusive aspectos federativos para que se faça isso.
Isso é real. Mas é importante lembrar que há federações com grau de complexidade ainda maior do que a nossa, onde as unidades são mais autônomas do que no Brasil. O fato de essa agenda ser difícil não diminui a necessidade de levá-la adiante. O espaço fiscal que existe deve ser usado para a negociação. Enquanto o país posterga, o ônus permanece elevado.
Que outros problemas prejudicam o crescimento do país hoje?
Um detalhe importante do custo Brasil a que o país não presta atenção é o do custo da logística, não apenas por falta de investimento físico em portos e aeroportos, mas também por problemas de gestão, organizacionais. O custo de aluguel de uso de um contêiner é impressionante. Subiu extraordinariamente nos últimos anos, de modo muito mais pronunciado do que nos nossos vizinhos.
Isso é falha de Estado ou de mercado?
É mais falha de Estado. Parcerias público- privadas poderiam ser exploradas para resolver isso. Eu dei um exemplo de logística, mas no caso da educação, em que o país fez grandes avanços no acesso, hoje o grande desafio é melhorar a qualidade. Mas, a rigor, a questão não é botar mais dinheiro.
Quando o senhor integrou o governo Lula, em 2003, havia um rigor fiscal muito maior do que hoje. Isso deveria ser recuperado em parte?
Não creio. O quadro é diferente hoje, os parâmetros não são os mesmos. Aquilo foi necessário exatamente para reverter a trajetória de endividamento da época. Não há premência de qualquer tipo de programa contencionista. Eu prefiro raciocinar que o espaço fiscal deva ser usado de outra maneira.
O intervencionsimo na taxa de câmbio vai na linha correta?
Sinto-me persuadido com os argumentos do BC. Há uma revisão no mundo inteiro sobre regime de metas de inflação. O Brasil não é o único nessa linha. Um dos efeitos da crise foi a revelação claríssima de que a política monetária não pode ignorar o que está acontecendo no lado macroprudencial. E o mercado de divisas é um componente importante da estrutura macroprudencial. Dada essa equação de dúvida sobre o nível de recuperação da economia mundial, a gente tem visto a mão dos governos em todo o mercado financeiro, inclusive no câmbio. As políticas de afrouxamento quantitativo no Japão e em outros países não são voltadas para a taxa de câmbio em si, mas têm efeito indireto sobre o câmbio. Num quadro como esse, o Banco Central está condenado a operar no mercado de câmbio no mínimo para evitar a volatilidade.