Apesar da alta do dólar nos últimos meses, os brasileiros nunca gastaram tanto no exterior. Em janeiro, período de férias escolares, foram US$ 2,29 bilhões, um novo recorde mensal. Em janeiro de 2012, as despesas feitas em outros países por turistas brasileiros e pessoas que viajam a negócios haviam sido de US$ 2 bilhões. "O brasileiro continua viajando ao exterior de uma maneira frequente. Isso reflete o crescimento da renda nos últimos anos. A massa salarial real continua subindo, assim como o emprego", afirmou o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Túlio Maciel.
A dentista Andrea Las Casas, seus dois filhos, a irmã e os três sobrinhos ajudaram a engordar as estatísticas do BC no mês passado. A família foi para a Disney (EUA). "Escolhi janeiro porque são as férias escolares", explica Andréa. Foi a quarta vez que ela visitou o parque de diversões americano com os filhos. Ela viaja ao exterior anualmente, de preferência para os Estados Unidos. "Eu adoro lá, é bom para fazer compras e as pessoas são muito organizadas", diz.
A família ficou 15 dias nos Estados Unidos. Andréa conta que gastou cerca de R$ 12 mil com cada pessoa, incluindo compras. Ela aproveitou para adquirir dois iPhones no cartão de crédito. Cada um custou US$ 700 (cerca de R$ 1,4 mil). "Acho que valeu a pena, pois por aqui o preço seria de R$ 2,5 mil", disse. Os filhos de Andréa têm 14 e 18 anos. "Eles adoram a Disney e eu também. Lá, os brinquedos não são só para criança, tem muita coisa para adulto", diz. Em abril, ela pretende embarcar com outros parentes para a Filadélfia, também nos EUA.
As viagens internacionais de brasileiros num momento em que a crise mundial não dá sinais de abatimento ajudaram a construir um rombo nas contas externas do país em janeiro. O Brasil amargou no mês passado um déficit de US$ 11,4 bilhões nas chamadas transações correntes, que registram o resultado das operações comerciais e de serviços com o exterior. Foi o maior tombo mensal desde 1947, quando os dados começaram a ser computados. O mau desempenho da balança comercial e um volume recorde de remessas de lucros das empresas estrangeiras instaladas no país para compensar prejuízos nas matrizes reforçaram o saldo negativo.
Pressionadas pelos maus resultados no exterior, devido à recessão na Europa e ao fraco ritmo da atividade econômica nos Estados Unidos, as multinacionais enviaram US$ 2,1 bilhões às suas sedes, no mês passado, mais que o dobro dos US$ 981 milhões contabilizados um ano atrás. Tamanha sangria não era vista desde janeiro de 2008. A crise já havia afetado fortemente a balança comercial, que teve deficit de US$ 4,03 bilhões, devido ao enfraquecimento dos mercados e à queda das exportações.
O pior foi que, desta vez, o saldo negativo não foi coberto pela entrada de investimentos estrangeiros diretos (IED), sempre apontada pelo Banco Central como um movimento que afasta o risco de um desequilíbrio maior no balanço de pagamentos. O total aplicado por investidores estrangeiros em projetos produtivos no país somou apenas U$ 3,7 bilhões, uma queda de 31,5% em relação aos US$ 5,4 bilhões que ingressaram em janeiro de 2012. O valor foi o mais baixo desde maio do ano passado.
Fuga de capital
Para o chefe do Departamento Econômico do BC, a alta das remessas não deve causar preocupação. "Os valores oscilam mês a mês e respondem ao estoque de IED, que vem aumentando. É natural que esse fluxo seja crescente a médio prazo", avaliou Túlio Maciel. Segundo ele, as contas externas ainda deverão apresentar um déficit elevado em fevereiro, em torno de US$ 5,7 bilhões. O ingresso de IED também não deverá ser expressivo. Até o último dia 20, o fluxo estava em US$ 2,2 bilhões e, pelas estimativas da autoridade monetária, não deverá passar de
US$ 3,5 bilhões até o fim do mês. Uma melhora virá somente em março, com o início do embarque da safra agrícola.
Apesar do resultado ruim neste início de ano, analistas acreditam que o desempenho de 2013 não está em perigo. "A fuga de capitais é conjuntural, pois não decorre da aversão ao risco Brasil, mas sim do repatriamento de capitais para se prevenir de prejuízos originados da persistência da crise financeira na Zona do Euro", avaliou o economista Felipe Queiroz, da Austin Rating.
Em relatório encaminhado a clientes, a economista Gabriela Fernandes, do Itaú Unibanco, disse que o resultado de janeiro "surpreendeu negativamente", mas afirmou que os investimentos diretos acumulados em 12 meses mantêm-se "suficientes para financiar inteiramente as transações correntes". Pelas projeções do BC, o déficit chegará a US$ 65 bilhões em 2013 e será coberto por igual montante de IED.
Voos internacionais
A demanda do transporte aéreo internacional de passageiros das empresas aéreas brasileiras avançou 9,56% em janeiro em relação ao mesmo mês de 2012. Já a oferta de voos internacionais registrou aumento de 20,39% no mesmo período. Os níveis de demanda e de oferta são os maiores desde o início da série, em 2000. Já a taxa de ocupação dos voos internacionais de passageiros operados por empresas brasileiras alcançou 76,93% em janeiro, contra 84,53% no mesmo intervalo do ano passado, segundo dados divulgados ontem pela pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).