O destaque que o Brasil ganhou como fornecedor de alimentos num mercado internacional com demanda crescente e a valorização das cotações das vedetes soja e o milho levaram à alta dos preços das terras destinadas ao agronegócio no país bem superior à inflação paga pelo consumidor nos últimos 10 anos. O preço médio do hectare aumentou 227,6% no Brasil entre janeiro de 2003 e dezembro do ano passado, ao sair da média de R$ 2.280 para R$ 7.470. Em Minas Gerais, houve um desempenho ainda melhor, marcado pela variação de 330% no período, quando os valores negociados passaram de R$ 1.983 para R$ 8.535, em média, segundo estudo feito pela Informa Economics FNP, consultoria especializada no setor. Na década analisada, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA), indicador oficial do custo de vida, sofreu variação de 72,7%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os números estaduais requerem, de outro lado, uma análise cuidadosa tendo em vista a tarefa de chegar a um preço médio do hectare num estado que engloba as áreas mais cobiçadas do Triângulo Mineiro e do Sul, ambas sob influência do mercado paulista, e os terrenos de baixo valor do Vale do Jequitinhonha, observa o diretor técnico da Informa Economics/FNP, José Vicente Ferraz. A boa performance de Minas foi determinada pelo movimento dos preços em três regiões: o Sul, Noroeste e o Triângulo, carros-chefes do agronegócio.
As terras agrícolas de alta produtividade no cerrado em sequeiro de Unaí, polo produtor do Noroeste, apresentaram valorização de 511%, seguida do aumento de preços de 429% do hectare de terra agrícola de alta produtividade no cerrado irrigado no mesmo município (veja quadro). As terras agrícolas com café na região de Lavras e Pouso Alegre, no Sul do estado, encareceram 395% e as áreas com cana-de-açúcar em Uberaba, no Triângulo, ficaram 314%, em média, mais caras. “O estado é grande e tem claramente regiões que são distintas em relação ao mercado de terra, mas de modo geral elas estão se valorizando e um dos principais vetores desse comportamento é a capacidade de produção”, afirma Vicente Ferraz.
O crescimento contínuo da demanda por alimentos e matérias-primas agropecuárias no mundo sustentou a valorização nos últimos 10 anos, mas há razões ligados aos cenários no Brasil e nas regiões pesquisadas pela Informa Economics/FNP. Em Uberaba, o presidente do sindicato rural local, Rivaldo Machado Borges Júnior, lembra o impacto da expansão da fronteira da cana-de-açúcar, combinada ao desenvolvimento da indústria na cidade de 292,4 mil habitantes. “Tivemos uma valorização extraordinária quando a cidade deixou de ser uma região típica da pecuária para se aproveitar do boom trazido pelas lavouras da cana-de-açúcar e os investimentos de grandes indústrias, como a Vale, e uma série de pequenos e médios empreendimentos do setor”, afirma.
Disputa
No centro do furacão provocado pelos preços, as terras férteis localizadas às margens da BR-050, que liga Uberaba e a vizinha Uberlândia a São Paulo, já são encontradas a R$ 52 mil por hectare, informa Rivaldo Júnior. E a valorização não parou por ali. Áreas planas de alta produtividade destinadas à lavoura que há 20 anos eram oferecidas por parcos R$ 200 por hectare hoje exibem preços na faixa de R$ 40 mil por hectare. “Você pode fazer o teste e colocar uma bolinha de gude na terra e ela ficará parada. Além da alta produtividade, essas áreas asseguram duas culturas durante o ano”, destaca o presidente do sindicato dos produtores rurais de Uberaba. O município detém a primeira posição no ranking do agronegócio mineiro e o quarto lugar no país.
Com produção agrícola diversificada, Pouso Alegre também vivencia a valorização de terras em consequência da disputa de espaço com a infraestrutura urbana e a indústria, avalia o presidente do sindicato rural local, José Roberto Rosa. “Não temos muito mais terras disponíveis, a não ser as áreas menores para produção agropecuária com 10 a 50 hectares”, afirma. O município se transformou em polo produtor de batata e morango, mas recebe investimentos principalmente na produção leiteira e no cultivo de milho.
Asfalto e mineração brigam por espaço
Nações emergentes como o Brasil, a China e a Índia têm grandes parcelas de consumidores em processo de migração para as cidades e ingresso no mercado consumidor, fenômenos que prometem manter a demanda internacional por alimentos em níveis elevados. No país, a necessidade de recomposição e preservação do meio ambiente também tende a aumentar a pressão sobre a oferta de terras, já espremida pelo espaço que o crescimento urbano requer e, em estados como Minas Gerais, pela abertura de novas frentes de trabalho da indústria da mineração, na análise de Pierre Santos Vilela, coordenador técnico da Federação da Agricultura e Pecuária do estado (Faemg).
“A tendência das áreas que permanecerem destinadas ao agronegócio é de mais valorização e se o governo federal retomar a política de incentivo ao etanol, a competição pela terra deverá crescer”, afirma Vilela. Em Minas, as culturas com maior poder de influir nos preços são soja, milho, café e cana-de-áçucar, além da pecuária de leite. O estado tem boas perspectivas, ainda, com a expansão das áreas para reflorestamento – vocação desenvolvida inicialmente para atender à indústria siderúrgica, setor de peso na economia –, avalia o diretor técnico da Informa Economics/FNP, José Vicente Ferraz. A produção de eucaliptos e pinus terá de voltar a crescer para acompanhar a demanda mundial de madeira e papel e celulose.
Vicente Ferraz acredita em contínua valorização nos próximos dois a três anos dos preços das principais commodities agrícolas (produtos básicos cotados no mercado internacional, a exemplo da soja, milho e café) e diz não ver grandes riscos na farta valorização das cotações da terra nos últimos 10 anos. “Se o movimento de alta dos preços entrar numa curva descontrolada e isso virar uma bolha, sim, será preocupante, mas não é o que me parece estar ocorrendo”, afirma. Outro fato decisivo para o agronegócio brasileiro e que constitui desafio, na opinião do diretor da Informa Economics/FNP, é a necessidade de os produtores obterem ganhos de produtividade para expandir a oferta de alimentos. Em Minas, particularmente, a agropecuária está concentrada em áreas menores de produção. (MV)