Devido ao alto índice de calote, o tradicional restaurante Bolão, no Bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, optou por não receber pagamentos em cheques. "A inadimplência pesou. Tivemos de repassar os 'sem fundos' a uma financeira, mas ela quebrou. Ficamos sem o dinheiro dos clientes e da financeira. Não vale a pena trabalhar com essa modalidade de pagamento", justificou Sílvio Júnior, gerente do estabelecimento. A medida adotada por ele é seguida pela maioria dos comerciantes da capital. Pesquisa divulgada ontem pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Minas Gerais (Fecomércio-MG) revelou que apenas 12% dos pontos de vendas de BH aceitaram cheques em fevereiro.
O percentual cai a cada ano. Em janeiro de 2010, 45% dos comerciantes trabalhavam com cheques. Em fevereiro de 2011, o índice caiu para 23%, e em dezembro do ano passado, diminuiu para 15% (veja arte). Em caminho oposto, a aceitação da chamada moeda de plástico é quase unanimidade entre os empresários do setor: 98% deles se renderam aos cartões de crédito e débito. O economista-chefe da Fecomércio, Gabriel de Andrade Ivo, explica que as empresas que desprezam o cheque listam duas justificativas: o risco de não receberem o dinheiro e o alto custo na recuperação do crédito.
Capital de giro
Já os comerciantes que trabalham com pagamento em cheque o fazem para conseguir capital de giro a curto prazo sem precisar perder parte do lucro com o percentual cobrado pelas operadoras de cartões, que oscila de 3% a 5%. A prática é recorrente em alguns setores, como a revenda de móveis. "Se eu vender uma mercadoria em 10 prestações de R$ 200 cada uma, levaria 10 meses para receber R$ 2 mil. Porém, repasso esses 10 cheques a uma financeira e, imediatamente, ela me paga cerca de R$ 1.850. É uma operação vantajosa, como se eu fizesse uma venda à vista. As vendas com cheques representam cerca de 70% dos nossos negócios", comparou Diego de Oliveira, da Mobiliadora Universal. Na porta da loja, na Avenida Silviano Brandão, uma faixa anunciando pagamento em cheques foi pintada com cores fortes para chamar atenção da clientela. Já a proprietária da Santana Materiais de Construção, Tânia Aires Santana, só aceita cheques de quem mora no Bairro Santa Tereza, onde fica a loja. "Já fomos vítimas de muitos calotes'.
Consumidor vê mais 'vantagem' em usar cartão
Uma das consequências da baixa aceitação de cheques pelos comerciantes de Belo Horizonte é a redução do percentual de cheques devolvidos na cidade. Em fevereiro passado, esse percentual representou 1%. O índice já foi de 12%. Essa é uma tendência notada em todo o país. Estudo divulgado ontem pelo Serasa Experian mostrou que, também em fevereiro, 1,9% dos cheques assinados em todo o país foi devolvido. Em janeiro, o percentual foi de 2,02%. Houve recuo, ainda que suave, segundo a Serasa, no confronto entre o primeiro bimestre deste ano e o do exercício passado – de 1,97% para 1,96%.
O economista-chefe da Fecomércio-MG, Gabriel de Andrade Ivo, alerta que o desprezo por cheques não ocorre apenas por parte da maioria dos comerciantes: os consumidores veem maiores vantagens no uso do cartão de crédito e de débito, como as facilidades garantidas pelo meio eletrônico. Um dos indicadores que provam essa tese é o fato de 87% das compras a prazo na capital mineira em fevereiro terem sido pagas com a moeda de plástico. Os cheques pré-datados, por sua vez, responderam por apenas 10%.
Ana Paula Silva é uma das consumidoras que preferem o uso da tecnologia. "Não tenho cheques. Uso apenas cartões. São mais práticos e confiáveis". O uso do cartão de crédito, segundo a Fecomércio, é mais frequente nas compras parceladas em três vezes (20,5%) e seis vezes (22,9%). (PHL)