O abismo que separa essas duas realidades aumentou do ano passado para cá, quando passaram a valer as novas regras do setor elétrico, definidas pela Medida Provisória 579. A MP criou mecanismos para a redução da tarifa de energia e permitiu a renovação antecipada das concessões do segmento. De acordo com Daniel Passos, economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos (Dieese) em Santa Catarina (SC), antes da MP o preço do megawatt/hora (MW/h) na Cepisa, distribuidora do insumo no Piauí, era 49,44% mais alto do que o da Companhia Energética de Brasília (CEB). O detalhe cruel é que o poder de compra da população do Distrito Federal é 3,6 vezes mais alto do que o dos que vivem no Piauí. Diante disso, um brasiliense tem capacidade de consumo de energia 5,5 vezes superior ao piauense.
Outros disparates chamam a atenção no setor elétrico brasileiro. Em São Paulo, onde a renda média é de R$ 1.121, o valor do MWh é R$ 208,77. No Piauí, que tem renda média de R$ 513, pagam-se 73% a mais pela mesma quantidade do insumo, que custa R$ 362,92. Maior ainda é a distância de 77,5% que separa a tarifa praticada no Acre da existente na capital paulista. No Acre, o rendimento médio da população, R$ 694, é quase metade do encontrado em São Paulo.
Essa desigualdade tem lógica: o preço da tarifa reflete as condições de fornecimento de energia na área de concessão de cada empresa. “Como não existe mecanismo de equalização, as contas de luz passaram a ter um viés regressivo, no qual as regiões que mais precisam, por serem mais pobres, sofrem com a energia mais cara em razão dos custos de distribuição do insumo”, observa Passos. Quanto maior em termos territoriais e menos habitado é um estado no Brasil, mais alto será o custo do MW/h para o consumidor. Em 2010, último dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a densidade demográfica no Maranhão era de 19,81 habitantes por quilômetro quadrado. Em São Paulo, são 166,25 pessoas na mesma área. No Piauí, são 12,4 habitantes e no Acre 4,47.
“Os estados mais pobres do Brasil são os de menor densidade demográfica. Neles, a rede elétrica tem que ser muito mais extensa, a manutenção é mais cara e as perdas de energia, maiores”, explica Cláudio Salles, presidente do Instituto Acende Brasil. Para ele, porém, é importante que haja um sinal econômico claro do custo da energia em cada região de distribuição. “As pessoas precisam saber quanto custa a energia que consomem. Fazer uma energia cara parecer barata tem outros custos para a sociedade e para o país”, diz.
SEM ESCALA O que mais pesa nessa conta é o custo da distribuição. No Piauí, um estado com 3,1 milhões de habitantes e área de 251,5 mil quilômetros quadrados, dividido em 224 municípios, é praticamente impossível conseguir escala para reduzir os custos da conta de energia, afirma Daniel Passos. Na visão de Cláudio Salles, a saída para atenuar o problema é a criação de políticas públicas que reduzam essas diferenças.
A energia elétrica é o serviço público com um dos maiores índices de cobertura da população brasileira. Até meados da década de 90, de acordo com o Dieese, o regime tarifário que vigorava no setor era o do custo do serviço. “As tarifas de energia elétrica cobradas dos consumidores deveriam ser capazes de cobrir os custos associados à geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, e ainda garantir uma taxa de retorno, previamente fixada, para as empresas, mas as tarifas eram equalizadas entre as concessionárias”, observa Daniel Passos.
Esse mecanismo permitia que os consumidores de todas as regiões do país gozassem do mesmo nível tarifário numa mesma classe de consumo, beneficiando aqueles que estivessem situados em regiões nas quais os custos associados à atividade fossem superiores. Com a privatização do setor elétrico, as regras mudaram e o equilíbrio das tarifas foi extinto em nome da saúde financeira das empresas que foram privatizadas. “Não existe país no mundo que se desenvolva sem dar um sinal econômico claro dos custos com energia. Até mesmo o uso de políticas públicas nesse sentido deve ter limite, do contrário vão gerar disparidades. Se o consumidor não paga, o contribuinte acaba pagando.”