(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas ONDE A LEI NÃO ALCANÇA

De 'escravas' no interior a informais nas cidades

Desemprego, distância da escola, falta de oportunidades e até de opções de lazer empurram jovens trabalhadoras para a informalidade nos grandes centros urbanos


postado em 22/04/2013 00:12 / atualizado em 22/04/2013 07:49

“Empregada doméstica ainda é tratada como escrava no interior porque o patrão tem certeza de que a lei nunca vai chegar aqui. Emprego que paga um salário mínimo é raro”, desabafa Elisângela Pereira Nunes, de 32 anos, sobre a rotina de mulheres que, como ela, vivem em Sardoá, na Região do Rio Doce, e recebem menos de um salário mínimo por mês pelo trabalho como domésticas. Mesmo em tempos em que a lei resguarda os direitos dos trabalhadores domésticos, Elisângela conta que ainda trabalha todos os dias, das 7h às 22h, por R$ 300 ao mês. Seu sonho é se mudar para Ipatinga, no Vale do Aço, ou para Ribeirão Preto (SP).

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1,5 milhão de trabalhadores estão em situação parecida, considerada semiescravidão, por receberem até meio salário mínimo ao mês. As condições de vida que levam mulheres como Elisângela a aceitar trabalho em condições abaixo das mínimas exigidas por lei é o tema da segunda reportagem da série Onde a lei não alcança, que o Estado de Minas publica desde ontem.

Os números explicam a fuga do interior e a esperança de uma vida melhor na cidade. As dificuldades da vida no campo começam na dependência em relação ao clima e ao impacto de intempéries como a seca na mesa de jantar. Se a chuva, em vez de faltar, passar do limite, o transporte é suspenso e a frequência na escola também sofre alteração. Segundo o estudo Situação social nos estados, que considera dados do PNAD de 2009 e é realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), enquanto a média de estudo no estado é de 7,1 a 8,2 anos, na zona rural mineira a permanência na escola fica em 4,7 anos.


A renda do trabalhador rural também fica para trás, na comparação com a cidade. Enquanto o rendimento médio do trabalhador urbano é de R$ 1.022, o do rural é de R$ 586. É possível ver o reflexo no analfabetismo de pessoas com mais de 15 anos. Em média, 8,5% da população dessa idade é analfabeta em Minas. No campo, esse índice chega a 19,4%.

No Fórum da Justiça do Trabalho de Governador Valadares, responsável pelas ações movidas na jurisdição que abrange 42 municípios da região, os processos movidos por empregadas domésticas são poucos – 86 em 2011, 73 em 2012 e 26 até 11 de abril deste ano. Segundo o analista judiciário Helvécio Domingos Moreira, os números revelam uma cultura já impregnada na região. “Elas pouco sabem sobre a lei e só procuram a Justiça – quando buscam – depois de serem demitidas”, diz. Para o futuro, no entanto, Moreira não vê grandes avanços nesse comportamento. “A cultura vigente é essa. Os patrões acham que estão fazendo um grande favor em empregá-las e a informalidade, infelizmente, vai continuar”, prevê.

Talvez porque estejam isoladas em rincões afastados das grandes cidades, elas, em sua maioria, desconhece, a Lei das Domésticas, promulgada no fim de março pelo Congresso Nacional e que garante ao trabalhador direitos como jornada de 44 horas semanais, recolhimento de FGTS, intervalo para almoço e outros benefícios. Analfabeta, Divina Geralda Batista, de 44 anos, moradora da zona rural de Paulistas, no Rio Doce, sempre trabalhou para famílias da região, mas desconhece os direitos de sua categoria. “Não sei como é a lei hoje. Sei que tenho que continuar trabalhando para trazer comida para casa e que não dá para parar”, diz.

Analfabeta e com TV e rádio quebrados, Divina Geralda Batista (D) nunca ouviu falar da Lei das Domésticas(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Analfabeta e com TV e rádio quebrados, Divina Geralda Batista (D) nunca ouviu falar da Lei das Domésticas (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
A 65 quilômetros de Guanhães, onde fica a Vara de Trabalho da região, Divina nunca ouviu falar sobre a PEC e não tem ideia de sua importância ou alcance. “Você sabe se essa lei chega até para os lados de Guanhães? Só quem trabalha lá tem esses direitos?”, pergunta ao saber que a lei poderá facilitar benefícios como sua aposentadoria, antes inimaginável. “Estou sem ter notícias do que acontece no mundo desde novembro, quando minha TV e rádio estragaram e viraram só enfeite na sala”, justifica.

Vivendo em um lugar onde as oportunidades de trabalho são escassas e há poucas vagas na prefeitura e no comércio, aceitar o emprego informal, recebendo menos da metade do salário mínimo e sem nenhuma segurança, é a única forma de sobreviver, segundo Elisângela Pereira Nunes. “Aqui, o trabalho em casa de família nunca valeu muito e, mesmo pagando pouco, os patrões acham que é muito. Aceitamos porque não existe o que fazer, a não ser isso”, lamenta.

A falta de oportunidade de trabalho nos pequenos municípios empurra uma legião de jovens para as cidades de médio e grande porte, onde o serviço de empregada doméstica é visto como uma espécie de tábua de salvação para quem não tem qualificação e sonha com alguma melhoria na vida. No Norte de Minas, é comum que moças – muitas ainda menores de idade – deixem as pequenas cidades para trabalhar como domésticas em Montes Claros.

Daniela, jovem de 19 anos que se recusou a informar o sobrenome por ter vergonha da profissão de doméstica, é uma delas. Há um ano, saiu da pequena Lagoa dos Patos para tentar Montes Claros, onde passou a trabalhar para uma família. “A cidade em que nasci não tem emprego ou estrutura para melhorar de vida. Por isso, fui obrigada a sair.” Daniela não tem a carteira assinada, mas recebe um salário mínimo por mês desde que começou no emprego.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)