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Estado de Minas

Salário mínimo ainda é sonho para maioria das empregadas domésticas

Promessas de trabalho e remuneração dignos chegam por parentes e agenciadores, que cobram pela indicação, mas realidade é bem diferente


postado em 23/04/2013 06:00 / atualizado em 23/04/2013 07:12

Simone Tavares dos Santos quer receber salário mínimo como doméstica, mas, para isso, planeja se mudar para uma cidade maior(foto: JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
Simone Tavares dos Santos quer receber salário mínimo como doméstica, mas, para isso, planeja se mudar para uma cidade maior (foto: JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
Vivendo em uma realidade paralela à proposta pela Lei das Domésticas, promulgada no fim de março pelo Congresso Nacional, mulheres de várias idades, escondidas nos rincões do estado, aceitam trabalhar em “casas de família” por valores muito inferiores ao salário mínimo. Diversas profissionais ouvidas pela reportagem disseram receber de R$ 50 a R$ 300 – no máximo – por um mês inteiro de trabalho. O cenário de carência e os valores irrisórios as tornam alvos fáceis de recrutadores, que prometem empregos nos grandes centros urbanos com direito ao sonhado salário mínimo de R$ 678, carteira assinada e a chance de voltar à escola.

Quando não são indicadas por tias, madrinhas e outras parentes que já trabalham como domésticas na capital e em cidades polo e buscam novas empregadas para seus patrões nas cidades de onde saíram, são procuradas por profissionais e até mesmo ex-empregadas que fazem as vezes de agências de emprego. O sonho de trabalhar fora e a realidade encontrada por muitas mulheres, que chegam a ser devolvidas pelos patrões quando não se adaptam ao emprego, são temas da terceira reportagem da série Onde a lei não alcança, que o Estado de Minas publica desde domingo.

Sandra (nome fictício), que vive em Minas Novas, no Jequitinhonha, já foi doméstica e hoje vive de “arranjar empregos para meninas da zona rural de sua cidade”, motivo pelo qual pediu para não ser identificada. Pelo serviço, cobra R$ 300, mas conta que, com a aprovação da Lei das Domésticas, o seu negócio, que existe há quatro anos, está enfraquecido. “Os patrões não querem mais pagar porque ficou caro. Fora isso, as meninas também estão mudando o foco, não querem mais ser domésticas. Estão indo para Nova Serrana trabalhar em fábricas de sapato”, diz.

Dono da agência de empregos Nova York, em Montes Claros, Marco Pimentel tornou-se um dos principais responsáveis pelo “fornecimento de mão de obra” do Norte de Minas para as famílias de classe alta de São Paulo. “Envio de 10 a 12 pessoas por mês”, conta ele, que trabalha em parceria com outra agência da capital paulista. Pimentel cobra R$ 300 das candidatas a empregada doméstica ou babá na capital paulista. “Como a maioria é de família pobre, até empresto o dinheiro da passagem de ônibus e dou a elas a condição de mandar o pagamento depois, quando estiverem empregadas”, diz. “Acho que meu trabalho é mais social do que comercial”, afirma.

Em tempos em que a discussão sobre o tráfico de pessoas é assunto na televisão, difícil foi convencer a família de Simone Tavares dos Santos, de 19 anos, que vive no pequeno povoado de Barro Amarelo, na zona rural de Paulistas, no Rio Doce, a deixá-la contar sua história à reportagem. “Eles ficam com medo porque sempre aparecem pessoas oferecendo emprego e não sabemos quem é quem. Ainda mais agora, que a gente vê as coisas que acontecem na novela”, explica a irmã mais nova, Nathália Tavares, de 16. O medo é justificado pela volta recente da jovem, que tentou trabalhar em Belo Horizonte e foi devolvida à família por não ter se adaptado à vida na capital. “Ela (a ex-patroa) me xingava porque eu sentia saudade da família e ficava triste", lembra.

Segundo a menina, que estudou somente até a 6ª série, mesmo com a experiência negativa, a vontade é de tentar de novo. “Eu vim para ficar perto da família, mas não adianta ficar perto e, ao mesmo tempo, sem trabalho”, conclui. Caso continue morando com os pais, ela teme o desemprego, já que faltam opções onde mora. “No interior, o melhor serviço para quem não estudou é o de gari, que tem carteira assinada e paga um salário mínimo. Mas eu quero ser doméstica mesmo, ou babá, mas ganhando um salário mínimo. E aqui não dá, tem que mudar para outra cidade”, justifica.

Os casos em que as promessas não se concretizaram são muitos. Elizeth Batista de Carvalho, de 23, saiu de Paulistas, município da região do Rio Doce, em 2011, e deixou a filha Clara Cristina, na época com 3 anos, para morar no emprego arranjado por uma parente em Belo Horizonte e ganhar um salário mínimo. Chegando à capital, no entanto, tudo foi diferente. “A patroa prometeu um salário, mas pagava R$ 200 por mês. Como eu morava com ela, trabalhava até no domingo. Fazia de tudo. Era babá de duas crianças e empregada. Não tinha hora para largar o serviço”, conta.

O dinheiro mal dava para comprar o leite da filha, que ficou sob os cuidados da mãe. Muito menos para comprar a passagem de ônibus para visitar a família. Presa em Belo Horizonte, Elizeth, que é semianalfabeta e só reconhece algumas letras e números, precisou encontrar outra saída. “Pedi socorro a outras babás que conheci e elas me ajudaram a achar um emprego em um restaurante, onde passei a receber um salário mínimo”, lembra. No novo emprego, no entanto, a moradia não estava incluída e o sonho durou pouco. No ano passado, Elizeth adoeceu, precisou voltar para casa e hoje está desempregada.

Jeane Martins, cuidadora de idosos em SP, chega a Poções para o casamento da irmã(foto: SOLON QUEIROZ/ESP. / EM/D.A PRESS)
Jeane Martins, cuidadora de idosos em SP, chega a Poções para o casamento da irmã (foto: SOLON QUEIROZ/ESP. / EM/D.A PRESS)
O retorno do pródigo

No Norte de Minas, jovens que saem para trabalhar em São Paulo juntam dinheiro e ajudam a melhorar as condições do restante da família, seja pelo envio regular de dinheiro, pelos presentes entregues quando retornam em visitas ou até mesmo pela reforma do imóvel no lugar de origem. Essa transferência de renda mudou a vida dos familiares de Jeane Martins, de 29 anos. Integrante de uma família de nove irmãos, deixou a casa dos pais em Poções, povoado do município de Francisco Sá (Norte de Minas), aos 13 anos, para trabalhar como empregada doméstica. “Quem começa a trabalhar cedo ganha mais responsabilidade na vida”, diz. Por algum período, exerceu o serviço doméstico na sede de Francisco Sá e Montes Claros. Em 2009, foi para São Paulo com a ajuda da agência de Marco Pimentel. “Ele (Pimentel) me ajudou muito. Pagou até a passagem para mim”, diz Jeane, que trabalha com cuidadora de uma pessoa idosa em um bairro nobre da capital paulista.

Ontem, Jeane retornou ao povoado para rever a família e assistir ao casamento de uma irmã no próximo fim de semana. Jeane foi recebida pela mãe, a lavradora Geni Rodrigues Pereira Martins, de 50 anos, com um abraço apertado em clima de emoção. A casa da família, hoje, é bem diferente da época em que Jeane, ainda menina, deixou o lar para “correr mundo”. Com a renda que ganhou em São Paulo, ela conseguiu comprar móveis, eletrodomésticos e reformou a moradia, que antes era de “cimento grosso” e ganhou piso de cerâmica e telhado novo, sendo também ampliada – agora tem 10 cômodos. “Ir trabalhar em São Paulo foi a melhor coisa que fiz em minha vida. Volto para visitar minha família com o sentimento do dever cumprido”, declarou Jeane, que desta vez trouxe presentes como vestidos, artigos de cama e mesa para a mãe e um ventilador para toda família. “A gente sente saudades. Mas sei que minha filha precisa ir para longe para trabalhar, pois aqui não tem emprego”, disse Geni.


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