Brasília – O mercado está cada vez mais convencido de que o processo de alta de juros será menor que o esperado inicialmente. No boletim semanal Focus, no qual o Banco Central reúne as previsões de mais de 100 analistas, a projeção para a taxa básica (Selic) caiu de 8,50% ao ano para 8,25% ao fim de 2013. No mercado futuro, os juros recuaram novamente no pregão de ontem, depois de terem apresentado queda nos dias seguintes à reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na semana passada. A maioria das apostas é de mais três altas de 0,25 ponto percentual, até que a taxa chegue a 8,25% ao ano.
Com a queda das projeções para a Selic, o mercado passou a esperar também mais inflação. Para este ano, as previsões passaram de 5,68% para 5,70%. Para 2014, subiram de 5,70% para 5,71%. Segundo analistas, não fossem as desonerações e benefícios fiscais, essas previsões estariam em nível maior e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), no acumulado de 12 meses, em um patamar muito superior aos 6,59% de março. Nos cálculos de economistas, a taxa teria chegado a 8,2%. Caso esse número se confirmasse, tornaria quase impossível encerrar o ano com a carestia dentro do intervalo superior da meta de inflação, que vai de 4,5% a 6,5%, e o Banco Central estaria obrigado a escrever uma carta para se explicar.
Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor do BC, afirma que a estratégia de aceitar um pouco mais de inflação em troca de crescimento não funciona. Na visão dele, carestia gera apenas mais alta de preços e não expansão da atividade. “Pode-se até crescer em um ano admitindo um pouco mais de inflação, mas isso não é consistente. No fim, você terá apenas mais inflação”, defendeu. “Se houvesse uma política fiscal suficientemente apertada, poderíamos prescindir do política monetária para trazer a inflação para a meta. Nas condições atuais do Brasil, porém, isso (aperto fiscal) não vai ocorrer”, argumentou.
Efeito limitado Para Flávio Combat, economista-chefe da Concórdia Corretora, as desonerações tiveram efeito limitado. “Do ponto de vista da inflação, a preocupação é reforçada pela frustração das medidas tomadas pelo governo para tentar conter a alta dos preços. Exemplo claro foi a decisão de desoneração tributária dos produtos da cesta básica, insuficiente para conter a escalada de preços dos alimentos”, destacou. Segundo ele, mesmo com as desonerações, o aperto monetário se tornou inevitável para o BC. “Ao menos diante da necessidade de ancorar as expectativas”, afirmou.
Além de uma alta de preços maior no ano, os economistas ouvidos pelo BC no Focus reduziram a estimativa para a produção industrial, o boletim apresentou um recuo de 3% para 2,86% em 2013. Para o ano que vem, a projeção caiu de 3,80% para 3,75%.
A ciranda financeira
A disparada da inflação se tornou um tormento para as famílias, mas está engordando como há tempos não se via os cofres dos bancos. Sem alarde, as instituições financeiras estão ressuscitando um velho conhecido dos tempos de hiperinflação, que vigorou nos anos 1980 e na primeira metade da década de 1990 — o overnight. São operações de curtíssimo prazo com títulos públicos negociados pelo Banco Central para retirar o excesso de dinheiro em circulação na economia. Em abril, o volume de recursos aplicados por um prazo médio de três meses atingiu o recorde de R$ 702 bilhões. Nesses investimentos, os bancos garantem, sem qualquer risco, a taxa básica de juros (Selic), que está em 7,50% ao ano. É melhor do que emprestar com a inadimplência em alta e enquanto a inflação não cai.
O BC prefere chamar o overnight pelo pomposo nome de operação compromissada, já que há um compromisso formal da instituição de, na data do vencimento, recomprar os títulos públicos vendidos aos bancos. Esses prazos, no entanto, são apenas formalidades, uma vez que todas as operações são renovadas, pois, na visão das instituições financeiras, o mais correto é deixar o dinheiro aplicado por um prazo bem curto e garantir a liquidez do caixa.
O economista Felipe Salto, da Consultoria Tendências, fez as contas e constatou que essas operações estão custando quase R$ 50 bilhões ao ano aos cofres públicos. “Esse valor equivale a três programas como o Bolsa-Família”, ressalta. Pior, o overnight — ou compromissadas, como gosta o BC — está tornando difícil a missão do Tesouro Nacional de reduzir o custo e alongar o perfil da dívida federal. Em vez de comprarem papéis com vencimento em 2020, 2030, por exemplo, as instituições preferem ficar penduradas a curto prazo.