O feriado de 1º de Maio foi escolhido em Belo Horizonte como dia de protesto contra a má qualidade no atendimento de crianças que precisam de socorro médico e para isso recorrem ao sistema privado de saúde. Mais de 200 mães se reuniram ontem na Praça da Liberdade e caminharam em passeata até a Praça Floriano Peixoto, no Bairro Santa Efigênia, para chamar a atenção para a necessidade de melhoria na prestação desse serviço. Os problemas vão desde a recusa de atendimento nos pronto-atendimentos à dificuldade de marcar consulta médica com profissionais ligados aos planos de saúde.
De acordo com a presidente da Sociedade Mineira de Pediatria (SMP), Raquel Pitchon, a situação é um reflexo da falta de valorização dos pediatras, já que as consultas pagas a esses profissionais pelos planos de saúde variam entre R$ 35 e R$ 60. Como se trata de um atendimento demorado e mais delicado, uma vez que o médico tem que examinar o paciente e ouvir a família sobre o que está ocorrendo, a SMP calcula que a remuneração da pediatria seja 50% menor do que a das demais especialidades.
“A pediatria vem enfrentando a redução da rede de atendimento não só nos ambulatórios, como nos postos de atendimento e no número de leitos hospitalares”, sustenta Raquel. Segundo a pediatra, nos últimos cinco anos, 18 hospitais foram fechados na Grande BH. Paralalelamente a esse processo, as operadoras dos planos de saúde ampliaram o número de clientes.
A passeata foi organizada pelo grupo Padecendo no Paraíso, que reúne quase 3 mil mães, principalmente na capital mineira. Elas se mobilizaram pela internet para trocar informações sobre cuidados com filhos, mas os problemas de atendimento médico se transformaram em reclamações diárias e recorrentes, com vários relatos de espera, atendimento ruim e ineficiente.
A arquiteta Isabela Soares, uma das organizadoras do movimento, conta que o tema passou a chamar a atenção das mães quando o número de relatos de problemas no atendimento aumentou, o que aconteceu do ano passado para cá. O grupo já conseguiu que o Hospital Vila da Serra, em Nova Lima, reavaliasse a decisão de fechar o PA, que dava prejuízos ao centro médico. O fechamento foi suspenso temporariamente enquanto o hospital negocia com o plano de saúde.
A empresária Paula Couri Drummond enfrentou muitos problemas quando a filha, Bruna, se acidentou e sofreu um corte profundo na pálpebra. “Fiquei duas horas rodando, passando de hospital em hospital. O Vila da Serra negou atendimento, alegando que o PA estava lotado. No São Camilo disseram que não havia médico para fazer a sutura necessária no corte. Cheguei ao Hospital da Unimed com minha filha completamente ensanguentada e chorando, com muita dor. Avisei que se ela não fosse atendida chamaria a polícia. Só assim consegui atendimento. Na hora de tirar os pontos, o drama foi o mesmo”, relata.
A fotógrafa Marian Mamede também passou por poucas e boas com seu filho de 4 anos, que é asmático. No ano passado, a criança estava com suspeita de meningite e fez um exame no Hospital da Unimed. O problema é que esse exame, feito a partir da retirada do líquor, coletado por meio de uma punção que retira líquido do encéfalo, simplesmente desapareceu. “Ficamos 38 horas na observação sem poder internar o meu filho porque eles não achavam o exame, que só foi encontrado depois que acionamos o diretor do hospital”, lembra. Em outra ocasião, seu filho estava tendo convulsões originadas por febre e o atendimento à criança foi recusado no Hospital São Camilo.
REGRAS MAIS RÍGIDAS A partir de julho, as operadoras de saúde que forem reincidentes em reclamações relacionadas a qualquer negativa de cobertura terão seus planos suspensos. A negativa de atendimento representa 75% das reclamações que chegam à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Até dezembro do ano passado, apenas o descumprimento de prazos de atendimento era observado para definir suspensão e punição dos planos. Com o endurecimento das regras, a expectativa é garantir que o consumidor de fato seja atendido pelo contratado. De janeiro a março, a ANS recebeu 13.348 reclamações de consumidores, número quase cinco vezes maior que as 2.981 queixas relativas ao mesmo período do ano passado.