O brasileiro Roberto Azevêdo foi eleito oficialmente nesta quarta-feira para dirigir a Organização Mundial de Comércio, onde terá como principal desafio relançar as negociações da Rodada Doha para liberalizar o comércio e ajudar o desenvolvimento das nações mais pobres.
Azevêdo "esteve na liderança em todas as etapas (da seleção)", declarou à AFP o presidente do grupo encarregado da seleção, o embaixador paquistanês Shahid Bashir, confirmando a informação dada por diplomatas na véspera.
A OMC anunciará formalmente a nomeação do primeiro latino-americano para a direção do organismo de comércio mundial a partir de 1º de setembro, em substituição ao francês Pascal Lamy, na próxima semana, em uma reunião do Conselho Plenário que reúne os 159 Estados membros da OMC.
Sobre o Conselho, Azevêdo afirmou, em sua primeira coletiva de imprensa após a nomeação, que a reunião "oferece uma oportunidade para dar os primeiros passos para salvar o sistema", convidando todos os membros à reflexão.
"É o que faz a OMC ter um impacto sobre a vida de todos, mesmo que não percebam", insistiu. "Hoje não se trata de ter o que queremos, e sim salvar o que temos", alertou, na esperança de que "o paciente ainda tenha seu coração batendo" quando assumir seu mandato em setembro.
O diplomata brasileiro, de 55 anos, representante do Brasil na OMC desde 2008, competiu com o mexicano Herminio Blanco, de 62 anos, que dirigiu as negociações do México no histórico acordo comercial norte-americano (TLCAN), assinado em 1994.
Azevêdo, um experimente negociador e formador de consensos na OMC, prometeu lutar contra o protecionismo, que se estende no mundo. "O protecionismo é generalizado, não se trata de dois ou três membros da OMC. Temos de estar vigilantes", afirmou.
"O sistema multilateral de comércio é um bem comum de todos os países. Independente do seu tamanho, das circunstâncias geográficas, nível de desenvolvimento, eles precisam deste sistema", prosseguiu Azevêdo.
"Com a crise de 2008, as tendências protecionistas surgiram, elas ainda estão em vigor. Temos de lutar". "Estamos, do meu ponto de vista, diante do risco de perder um sistema muito válido, um sistema pelo qual todos nós lutamos", declarou.
Azevêdo também já havia se comprometido a tentar destravar a Rodada Doha, iniciada no Qatar em 2001 e paralisada desde 2008, com o objetivo de abrir os mercados e remover barreiras comerciais como subsídios, taxas excessivas e regulações para estimular o desenvolvimento nos Estados membros mais pobres. Para isso, é necessário que tantos os países emergentes como desenvolvidos, em particular China, UE, Índia e os Estados Unidos façam concessões, principalmente, na agricultura e na indústria.
Azevêdo terá que construir pontes rapidamente caso a OMC tenha a possibilidade de retomar as negociações em sua próxima Conferência Ministerial, o máximo órgão executivo, que será realizado em dezembro na ilha indonésia de Bali.
Para isso terá que vencer a tendência dos países a preferir os acordos bilaterais ou regionais e a nova onda protecionista, da qual o Brasil não é alheio. De Bruxelas, que apoiou inicialmente - como os Estados Unidos- o candidato mexicano, o comissário de Comércio, Karel de Gucht, pediu a Azevêdo uma "liderança forte" para superar a atual "encruzilhada" em que a OMC se encontra. "Uma OMC forte necessita de um diretor geral forte", alfinetou De Gucht, que espera que sua nomeação traga "ar fresco" à Rodada Doha.
Os Estados Unidos também deram as boas-vindas ao brasileiro. "É um bom dia para a OMC", disse o embaixador dos EUA na organização, Michael Punke, que acredita que Roberto Azevêdo "será um diretor geral muito bom".
Liderança dos emergentes
O primeiro latino-americano a ocupar a cadeira de diretor prometeu independência da OMC. "Não vou defender os interesses do Brasil nem nada parecido, ou a política comercial brasileira", disse recentemente à AFP.
Na terça-feira, a presidente Dilma Rousseff disse que "esta não foi uma vitória do Brasil, nem de um grupo de países, mas sim da Organização Mundial de Comércio", e pediu ao organismo internacional para dar um "vigoroso e equilibrado impulso ao comércio mundial, fundamental para que a economia global entre em um novo período de crescimento e justiça social".
México (o primeiro a cumprimentar Azevêdo na terça-feira, após reconhecer a derrota de seu candidato), Argentina e África do Sul, um dos membros do grupo BRICS, do qual também fazem parte Brasil, China, Rússia e Índia, deu as boas vindas a esta escolha, que confirma a força dos emergentes e traz esperanças de entendimento.
O diplomata brasileiro conseguiu como chefe da delegação brasileira na OMC grandes vitórias em contenciosos chaves para o Brasil. Entre eles, o dos subsídios ao algodão contra os Estados Unidos e os subsídios à exportação de açúcar contra a União Europeia. "Ter um diretor geral da América Latina é em si uma conquista para nossa região e um passo positivo para a organização", disse o embaixador do México na OMC, Fernando de Mateo.