A concorrência com o baixo custo do gás de xisto americano, que em três anos ficou cinco vezes mais barato que o gás natural no Brasil, está fazendo o País perder ou adiar bilhões de dólares em investimentos. Indústrias que têm até 35% de seus custos no gás, como cerâmicas, vidro, petroquímica e química, perderam competitividade, elevaram importações e migram investimentos para o exterior. Até setores tradicionais,como o de brinquedos, sentem os efeitos. "Uma fatia importante do setor está com forno desligado. Estamos perdendo competitividade. O risco é a produção nacional ser substituída pela importada", diz o superintendente da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos (Anfacer) Antonio Carlos Kieling.
Kieling diz que as importações do setor estouraram 9.000% em sete anos, para US$ 220 milhões ao ano, num movimento crescente, já que 25% dos custos de produção vêm do gás. A avaliação sobre perda de competitividade é a mesma em vários setores, mas atinge com maior peso a indústria química e petroquímica. Empresas como Braskem, Unigel e Dow Chemicals estão entre as que paralisaram decisões de investimento de bilhões de dólares.
A multinacional de vidros AGC decidiu há pouco mais de três anos investir numa fábrica de R$ 800 milhões. Será inaugurada em Guaratinguetá (SP) neste ano para produção de vidro plano, espelhos e vidro automotivo. "De lá para cá o preço do gás dobrou, mudou totalmente o cenário e a rentabilidade", disse o CEO da AGC Vidros do Brasil, Davide Cappellino.
A decisão de dobrar a capacidade, com mais R$ 800 milhões, foi suspensa por tempo indeterminado. Unidades da multinacional nos Estados Unidos, Emirados Árabes, Arábia Saudita e Egito, onde o preço do gás é cerca de cinco vezes mais barato, ganharam preferência na destinação de recursos. "Com certeza o preço do gás tornou a decisão de investir no Brasil muito mais difícil".
A também multinacional Cebrace planejou até R$ 1 bilhão para transformar o Brasil em plataforma de exportação de vidros para a América Latina. A empresa estancou novas decisões de investimentos no Brasil e voltou os olhos para países como Argentina e Colômbia. O mesmo aconteceu com a Guardian, que revê investimentos. Hoje, o setor importa 35% do vidro plano, contra 10% de 2007.
"Não há novos investimentos de peso, e o futuro depende de decisões de agora. Quero ver como o setor vai estar lá para 2018", diz o superintendente da associação setorial Abividro Lucien Belmonte, que estima, grosso modo, uma perda de até US$ 3 bilhões na década pela redução de competitividade acarretada pelo preço do gás.
A reviravolta no mercado aconteceu depois de uma revolução energética nos EUA, com a disseminação nos últimos cinco anos da técnica de fraturamento terrestre em formações de xisto. Neste curto período, os EUA trocaram a posição de grande importador de gás pela de potencial exportador, cenário impensável em 2008. A superoferta fez o preço do gás americano cair de US$ 9, naquele ano, a US$ 1,82 por milhão de BTU (unidade térmica britânica) em abril de 2012.
Hoje, fica em torno de US$ 2,5 a US$ 3 por milhão/BTUs. No Brasil o produto está cerca de cinco vezes mais caro, entre US$ 12 e US$ 16. Na Europa, ronda os US$ 8 a US$ 10.
"Todo mundo que compete no mercado internacional e que tem produção no Brasil está reclamando conosco", diz uma fonte do governo.O efeito é mais intenso para indústrias que usam o gás como matéria-prima, caso de fertilizantes, ou para mover as máquinas.