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Estado de Minas

MG é estado com maior número de crianças e adolescentes no trabalho infantil doméstico

No estado, 34.699 meninos e meninas são incorporados a outras famílias e submetidos a atividades como lavar, passar, varrer, cozinhar e cuidar de outras crianças


postado em 05/06/2013 06:00 / atualizado em 05/06/2013 06:41

Adolescentes na ONG Circo de Todo Mundo, em Betim, na Grande BH(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)
Adolescentes na ONG Circo de Todo Mundo, em Betim, na Grande BH (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)

Minas Gerais é o estado com maior número absoluto de crianças entre 10 e 17 anos que enfrentam o trabalho infantil doméstico. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no Censo 2010, mostram que 34.699 meninos e meninas são incorporados a outras famílias e submetidos a atividades como lavar, passar, varrer, cozinhar e cuidar de outras crianças. De acordo com a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE-MG), os pequenos trabalhadores, geralmente, ganham um teto para morar ou uma recompensa menor que o salário mínimo, mas perdem a infância e a oportunidade de estudar regularmente.



Essa é a realidade de Maria (nome fictício), de 13 anos, que recebe R$ 80 por mês para trabalhar como babá. Além de cuidar de uma criança de 4 anos, ela faz serviços em casa e se divide entre as obrigações e a escola, onde cursa a 7ª série do ensino fundamental. Ela é uma das adolescentes atendidas pela Organização Não Governamental (ONG) Circo de Todo Mundo, em Betim, que resgata meninos e meninas em risco pessoal e social, por meio de atividades culturais, educativas, recreativas e circenses.

“Levo a menina para a creche todo dia às 6h30. Depois vou para a escola. Quando chego da aula faço metade do serviço de casa, lavo vasilha, arrumo, varro e passo pano. Depois vou para o circo, onde aprendo as acrobacias no tecido e trapézio. Pego a menina na creche e fico cuidando dela até as 17h30. Enquanto eu acabo o serviço de casa, ela fica vendo televisão”, conta a adolescente, que sonha em ser arquiteta.

Maria vive com a mãe e o pai e diz que os responsáveis não acham ruim o trabalho dela como babá. “Minha mãe só não gosta quando eu trago a menininha para minha casa e ela rabisca as paredes”, conta. Maria guarda o salário no banco e, às vezes, compra roupas e sapatos. “Para mim é normal olhar essa menina. Se eu tivesse uma irmã menor, eu também teria que cuidar”, revela.

"É uma questão cultural da época que não existia proteção para as crianças", Valdimar Nascimento Alves (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)
O que é classificado como “normal” pela garota é considerado “realidade antiga” pela coordenadora da ONG, Valdimar Nascimento Alves. “É uma questão cultural da época que não existia proteção para as crianças. A gente percebe que essas meninas trabalhadoras chegam aqui no circo cansadas. Tem dia que não querem fazer nada”, relata. A intenção da ONG é retirar as jovens dos ambientes de trabalho e envolvê-las em atividades esportivas e circenses. A coordenadora conta que recentemente Maria teve um problema sério de coluna, resultado do trabalho pesado. “Ela disse que era um problema no colchão, mas sabemos que não é”, afirma.

Valdimar conta que as crianças resgatadas têm origem em famílias de baixa renda e alta vulnerabilidade social. O número de meninas no trabalho doméstico é nove vezes maior que o de meninos, mas eles também acabam envolvidos em serviços nos sítios e fazendas, principalmente no cuidado de animais que vivem nesses terrenos. “Aqui em Betim, os meninos ficam por conta dos cavalos e outros bichos. Eles dão comida e levam para banho”, relata.

Joana (nome fictício), de 15 anos, não trabalha fora de casa, mas cumpre um rotina disciplinada para cuidar da irmã mais nova, de apenas 2 anos. Ela acorda às 5h30 e adianta todo o serviço da casa, enquanto a mãe vai para o trabalho em uma padaria do bairro. Joana cozinha, leva o almoço para a mãe e, só depois de entregar a irmã para a avó, fica liberada para as atividades do circo. À noite vai para escola, mas o horário para os deveres de casa praticamente não existe. A adolescente conta com orgulho que é uma especialista em lira, acrobacia circense em que se equilibra pendurada em um bambolê.

“Eu trabalho para minha mãe, então não ganho dinheiro. Mas de vez em quando eu arrumo o cabelo das minhas amigas e elas me pagam. Eu faço penteados e ganho R$ 2 ou R$ 5”, conta Joana. Funcionários da ONG desconfiam que a adolescente foi vítima de violência sexual praticada pelo padrasto, que era traficante e morreu assassinado há cerca de um mês.

O juiz Vara Cível da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, Marcos Flávio Lucas Padula, chama a atenção para o cuidado na diferenciação entre exploração infantil doméstica e uma ajuda que a criança dá em casa. “A colaboração dentro do regime familiar com tarefas domésticas, desde que não haja exagero, é considerada positiva na preparação da criança e adolescente para contribuir na sociedade. Mas esse trabalho não pode impedir a formação escolar, os momentos de lazer e diversão”, explica.

Para o juiz, a situação dessas garotas que cuidam de outras meninas é muito grave. Os pais que colocam crianças na responsabilidade de outros menores podem perder a guarda dos filhos. Mas, de acordo com Padula, aplicar sanções a essas famílias é muito complicado. “Essa situação é ocasionada, muitas vezes, por uma questão econômica, porque o pai e a mãe precisam trabalhar. Eles se veem coagidos, forçados a adotar a situação para sobrevivência. Não é o ideal ficar como está, mas temos que ter cuidado para culpabilizar”.

Veja trechos do documentário “Que ofício darás a elas” do Circo de Todo Mundo:


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