O comércio, que crescia a ritmo chinês, começa a decepcionar. Dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, com a inflação em alta, a mobilidade social do país, que agregou ao mercado de consumo 40 milhões de brasileiros nos últimos 10 anos, se esgotou. O varejo registrou, na comparação entre abril e igual mês do ano passado, 1,6% de crescimento — resultado mais baixo para um mês de abril desde 2003, quando houve recuo de 3,7% no volume de vendas. Frente a março, o desempenho foi um avanço de 0,5%, número que a despeito de ser positivo frustrou o mercado, que esperava o dobro desse desempenho.
“Antes, havia a entrada de pessoas na classe média. Eram pessoas que vinham com a demanda reprimida e consumiam muitos móveis, eletrodomésticos, informática, celular e veículos. Outras pessoas já tinham esses bens, mas queriam outros mais modernos”, observou Reinaldo Pereira, gerente da coordenação de serviços e comércio do IBGE. “Só que isso chega a um momento em que se esgota. O processo de troca de bens é muito mais lento. Além disso, estamos num período em que a inflação nos incomoda e tem também a inadimplência, que está alta”, afirmou.
O pesquisador ponderou também que a tendência é de o comércio desacelerar ainda mais nos próximos meses, quando o setor será contaminado pela alta da taxa básica de juros (Selic) e do dólar. “A valorização do dólar terá um efeito inflacionário e implicações nas vendas do comércio. Os preços aumentarão, diminuindo o consumo”, disse Pereira. “Todos os produtos importados ficarão mais caros. Mesmo os bens fabricados aqui, mas que têm componentes importados, ficarão com preços mais altos com a alta do dólar”, explicou.
Efeito no balcão
O empresário Adriano Boscatti, um dos proprietários da Papelaria Mixpel, já sente os efeitos da maré baixa. Além do esvaziamento da loja e sumiço dos consumidores, ele se preocupa com os reajustes de preços feitos pelos fornecedores, que acabam sendo repassados. A inflação em alguns produtos, segundo Boscatti, assusta os clientes, que já estão mais cautelosos para comprar. Entre eles, os brinquedos que foram reajustados em até 10% pela indústria entre março e abril. “O cliente vê que está caro, entra na loja e compra menos”, revela o empresário, que reduziu os investimentos e tem trabalhado para diminuir custos operacionais esperando uma recuperação do setor.
Para Joana Mourão, proprietária da Equipage, entre as justificativas para a retração sentida pelo varejo está a maior concorrência dos produtos importados e o preço elevado dos produtos brasileiros em função de uma alta carga tributária. “Aqui temos qualidade, mas não temos preços competitivos”, diz. Para driblar o mau momento, a empresária tem investido em liquidações antecipadas, além de mudar a estratégia de compras. “Nosso varejo é volátil e estamos apostando em alternativas para minimizar os impactos.”