Apesar da dupla intervenção do Banco Central (BC), que injetou US$ 4,5 bilhões no mercado em dois leilões de swap – equivalente a venda no mercado futuro –, o dólar fechou em alta de 0,23%, cotado a R$ 2,1770. É a maior cotação desde 2009, quando a moeda atingiu R$ 2,18. Na máxima do dia, porém, a divisa bateu nos R$ 2,18. Na segunda-feira, o BC realizou leilões de quase US$ 2 bilhões quando o dólar atingiu R$ 2,17. Mas a autoridade monetária, que desde 31 de maio já vendeu US$ 13 bilhões, não consegue frear a escalada da moeda norte-americana. Nos últimos três pregões, o dólar acumula alta de 2,10% sobre o real.
A situação interna do país impede que o BC consiga estancar a valorização com leilões. “Certamente, o pano de fundo são os Estados Unidos, mas o mercado está sem parâmetros. Se a expectativa sobre a decisão do Fed já gerava volatilidade no mercado quando o Brasil tinha uma economia sólida, isso é potencializado pelas manchetes de jornal, que não são positivas, e pela fragilidade econômica atual”, alertou Zeina Latif, consultora da Gibraltar Consulting.
Na avaliação da economista, as manifestações e protestos que ocorrem por todo o país têm influência no comportamento do mercado. “Não são fatos neutros. Os investidores querem entender o que está acontecendo no país e a repercussão disso nas próximas decisões do governo”, disse ela.
O relatório do banco HSBC também avalia o peso das manifestações no aumento do risco do país. “Até o momento, não há nenhum sentido de desordem nas cidades brasileiras, mas as imagens dos protestos (e, particularmente, dos episódios mais violentos) podem pesar no sentimento dos investidores, especialmente os estrangeiros. Isso vai influenciar em alguns preços de ativos daqui para a frente, uma vez que pode ser visto como mais uma fonte de incerteza sobre as perspectivas a curto e médio prazo para a economia brasileira”, diz o relatório do HSBC.
Para o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa, o principal motivo do nervosismo do mercado é a expectativa do Fed de reduzir a injeção de liquidez, uma vez que o programa de estímulos atual coloca no mercado US$ 85 bilhões todos os meses. “Isso afeta todas as moedas, puxa o capital para os ativos americanos”, destacou. Entretanto, o economista não acredita que o Fed vá tomar essa decisão na reunião que acaba hoje.
“O mercado de trabalho ainda é fraco nos EUA. O Ben Bernanke (presidente do Fed) pode sinalizar que vai tirar o incentivo mais para o fim do ano. Eu aposto em dezembro. Apesar disso, o mercado antecipa resultados e vai precificar em valorização cambial. Como a alta do dólar resulta em pressão inflacionária no Brasil, é possível que essa decisão acelere a alta de juros no país na próxima reunião do Copom”, afirmou, lembrando que a SulAmérica estima que a Selic chegue ao final do ano em 9,25%.
Atentos aos indicadores
Além da decisão sobre os estímulos nos EUA, uma agenda carregada de indicadores econômicos, tanto no âmbito externo como doméstico, mantém elevada volatilidade nos principais mercados. “No front interno, o destaque é a divulgação do IPCA-15 de junho, que continuará mostrando um ambiente inflacionário desconfortável”, ressaltou Rosa.
O economista da Tendências Consultoria Silvio Campos Neto também não acredita que o Fed reduza os estímulos já na reunião que acaba hoje, apesar dos sinais de melhora da economia norte-americana. “A inflação está muito baixa nos Estados Unidos, o que minimiza a necessidade de um ajuste rápido. A indústria também está fraca e o mercado de trabalho ainda não melhorou o suficiente. Acredito que os EUA vão esperar uma recuperação mais consistente da economia para reduzir o incentivo”, disse.
Mesmo que a decisão não seja tomada hoje, Campos Neto avaliou que o impacto de uma sinalização de que isso vai ocorrer em outubro ou dezembro será muito maior no Brasil do que em outros países. “O país está com uma percepção muito negativa, com piora na condução da política macroeconômica, muito protecionismo e intervencionismo, inflação alta e resultados baixos de crescimento. Não acredito que as manifestações tenham influência. O cenário econômico já é ruim por si só”, ressaltou.
Estímulos
Para o economista-chefe da INVX Global Partners, Eduardo Velho, a despeito da precificação pelo mercado (que sancionou um movimento mais forte do dólar no exterior e também no Brasil, sobretudo a partir de maio), o viés da moeda norte-americana ainda é de alta e só será mantida no “teto informal” de R$ 2,15 com continuidade de redução tributária nos ingressos de recursos externos e das operações do swap cambial, mas, também com perda de reservas internacionais.
Por enquanto, consideramos que o governo não permitirá uma flutuação cambial pura conforme a demanda líquida. A estratégia mais adequada da política econômica seria uma flutuação maior do câmbio, mas com aperto fiscal, para retirar o peso do ajuste de redução da inflação apenas na alta dos juros”, destacou. Para a INVX Global, o BC deveria elevar a taxa Selic para um nível de 10,5%, de forma a amenizar a inflação. “A mudança do patamar da taxa nominal de câmbio, para uma faixa ao redor dos R$ 2,15, tem impacto de 0,25 ponto percentual no IPCA para os próximos 12 meses”, disse.
Meta de superávit em xeque
Enquanto os mercados financeiros se tornam mais adversos, crescem as apostas de que o governo brasileiro não conseguirá cumprir a meta de superávit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) neste ano. Na avaliação de especialistas, mesmo com a arrecadação com as privatizações na área de infraestrutura previstas para o segundo semestre, as receitas não serão suficientes para que as contas da União fechem com um saldo positivo de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o governo trabalha com meta de superávit neste ano de R$ 155,8 bilhões.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já admitiu trabalhar com uma meta menor, de 2,3%, considerando o abatimento previsto na LDO de R$ 45,2 bilhões (que inclui as desonerações e os investimentos do PAC-Programa de Aceleração do Crescimento). Com isso, o saldo cairia para R$ 110,6 bilhões. Mas nem assim o mercado acredita que o governo cumprirá o que promete. “Mesmo com esse abatimento, a meta de superávit dificilmente será cumprida. Isso porque há um descompasso com as receitas e a arrecadação da União. As despesas crescem num ritmo de 13% no último quadrimestre, em termos nominais, enquanto a arrecadação avança 5%”, explicou o economista Felipe Salto, da consultoria Tendências. Ele prevê que essa economia ficará em 1,6% do PIB neste ano.
Os economistas da consultoria britânica Capital Economics estimam em um relatório divulgado ontem que o superávit primário do Brasil deste ano ficará entre 1,5% e 2% do PIB, o que seria “relativamente saudável para os padrões mundiais”. O professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro, também acha difícil o cumprimento dessa meta com abatimento. “Acho que ela ficará abaixo de 2%, mesmo em função das desonerações já efetuadas e do baixo crescimento da economia”, afirmou.
Na avaliação de Salto, da Tendências, a trajetória da economia brasileira junto com os custos da desoneração vem criando uma barreira para o expansionismo fiscal. Ele fez um alerta para outro fator que vem atrapalhando as contas públicas, que é o aumento das despesas do Tesouro Nacional, desde 2008, com aportes no BNDES com juros subsidiados ao setor privado e que não tiveram impacto no aumento da taxa de investimento em relação ao PIB.